PARECER Nº 20/PP/2024-C
Parecer n.º 20/PP/2024-C
Requerente: Juízo de Competência Genérica de V...
Assunto: Conflito de Interesses
Em 26-09-2024 o Conselho Geral da Ordem dos Advogados foi notificado do conteúdo do douto despacho proferido no processo judicial nº 147/21.0T8...-A, que corre termos no Tribunal da Comarca da Guarda – Juízo de Competência Genérica de V..., constante da acta que infra se transcreve.
Em 10-10-2024 o Conselho Geral, através de ofício enviado por correio electrónico, determinou a remessa de todo o expediente a este Conselho Regional para os devidos efeitos.
I. DO PEDIDO DE PARECER - ACTA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO DE 24-09-2024
“Na presente ação declarativa enxertada nesta execução (apenso 147/2J.0T8...-A) veio a executada Elisabete ..., aqui na qualidade de embargante, deduzir oposição à execução contra a exequente, aqui na qualidade de embargada, Nor ... Sociedade da Garantia Mutuada. S.A. ----
Ora, compulsados os autos verifica-se que a aqui embargante é representada pelo Ilustre Sr. Advogado, o Dr. Jorge .... Nesta oposição à execução contesta-se e invoca-se a falsidade da assinatura da embargante em livrança (dada à execução pela embargada) e da assinatura da embargante no alegado contrato assinado com a aqui embargada Nor ....
Consta dos autos, enquanto elemento de prova documental, um reconhecimento, presencial de assinaturas relativamente ao contrato em causa nestes autos, reconhecimento esse das várias assinaturas (incluindo a assinatura da aqui embargante a Sra. Elisabete ...).
Esse reconhecimento presencial de assinatura, de acordo com prova documental junta aos autos, terá sido praticado pelo Ilustre Sr. Dr. Jorge ....
Ora, dispõe aqui o artigo 99. º do Estatuto da Ordem dos Advogados que o Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária.
Assim, no entender do Tribunal, suscita-se aqui um possível conflito de interesses motivado pelo facto de o Ilustre mandatário da embargante nesta ação (onde se põe em causa a veracidade da assinatura
da embargante) ser o mesmo Sr. Advogado que terá praticado o ato relativamente ao reconhecimento presencial de assinaturas que são postas em causa aqui nestes autos.
Por conseguinte, determina o Tribunal o seguinte:
Que se solicite à Ordem dos Advogados (juntando cópia desta Ata, da oposição à execução, da contestação e da prova documental constante deste apenso, e ainda e da cópia da livrança apresentada nos autos principais de execução) a emissão de parecer no sentido de esclarecer o Tribunal se existe ou não um conflito de interesses que obstaculize a que o aqui Ilustre Mandatário da embargante possa representá-la em juízo nesta demanda.
Após a recepção do parecer notifique as partes para se pronunciarem.
E após deverá ser aberta conclusão a fim do Tribunal decidir o que entender por melhor.
Logo, todos os presentes foram devidamente notificados do despacho que antecede, tendo a audiência sido declarada interrompida pelo Mm.º Juiz quando eram 10 horas 06 minutos. ----
A presente ata foi integralmente revista e por mim, Marta …, elaborada, e assinada electronicamente peio Mm.º Juiz. ---- “
II - DA COMPETÊNCIA PARA EMISSÃO DO PARECER
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 54º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro (doravante designado abreviadamente por EOA), compete aos Conselhos Regionais a pronúncia abstracta sobre questões de carácter profissional que se suscitem em casos concretos inseridos na respectiva área de competência territorial.
Como é consabido e pacificamente aceite na Ordem dos Advogados, as questões de carácter profissional são todas as que assumam natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da profissão decorrentes, em especial, das normas do Estatuto e demais normas regulamentares exaradas ao abrigo do poder regulamentar próprio da Ordem dos Advogados.
Ora, o Ilustre Advogado interveniente no processo judicial aqui em causa tem domicílio profissional na área territorial do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados e o assunto que aqui nos ocupa, versa, indubitavelmente, sobre questão de carácter profissional, circunstância que determina a competência territorial e material deste Conselho Regional para emissão do parecer solicitado.
III – DO ENQUADRAMENTO
O presente pedido de parecer foi devidamente instruído com toda a documentação a que alude o douto despacho judicial acima transcrito, sendo que, em face da dimensão dos articulados e documentação junta, importa, antes de mais, concatenar a factualidade relevante a considerar na presente pronúncia.
Assim, temos que:
1. Elisabete ..., na qualidade de executada/embargante na acção supra identificada, deduziu embargos de executado contra Nor ... Sociedade da Garantia Mutuada. S.A., esta na qualidade de exequente/embargada;
2. A embargante encontra-se representada pelo Sr. Advogado, Dr. Jorge ....
3. Nos embargos de executado apresentados, a embargante alega, em resumo, o seguinte:
- “A executada não se recorda de ter assinado qualquer contrato com a exequente ou com algum seu funcionário, pelo que, a existirem, devem os mesmos ser juntos aos autos.” - artigo 2.º dos embargos de executado juntos aos autos.
- “A executada não se recorda de ter avalizado e assinado qualquer livrança a favor da Exequente.” - artigo 4.º dos embargos de executado juntos aos autos.
- “Pelo que, a assinatura e as palavras “Bom para aval ao subscritor” que se encontram no verso da livrança não corresponde à assinatura e letra que a executada costuma utilizar e não foi feita pelo seu punho, tratando-se de uma grosseira falsificação.” - artigo 5.º dos embargos de executado juntos aos autos.
-“Na verdade, não conhece a exequente e não se recorda de ter escrito tais palavras e muito menos ter avalizado a referida livrança, nunca tendo aposto a sua assinatura na mesma.” - artigo 6.º dos embargos de executado juntos aos autos.
4. Consta dos autos, enquanto elemento de prova documental, um reconhecimento presencial da assinatura da embargante aposta no aludido contrato.
5. O referido reconhecimento presencial de assinatura, de acordo com prova documental junta aos autos, terá sido efectuado pelo Sr. Advogado Dr. Jorge ....
Perante as posições processuais assumidas pelas partes, designadamente, no que concerne à potencial existência de um concreto conflito de interesses que poderá afectar o mandato forense conferido ao Ilustre Advogado constituído pela embargante, o meritíssimo Juiz proferiu o despacho acima transcrito, com vista à obtenção da correspondente pronúncia da Ordem dos Advogados.
IV – DA (IN)EXISTÊNCIA DE CONFLITO DE INTERESSES
Ora, sem necessidade de maiores considerações, temos que a questão concreta submetida à cognição deste Conselho Regional se subsume à temática de carácter profissional atinente à eventual existência de conflito de interesses, tratada no título III do EOA, sob a epígrafe “Deontologia Profissional”, mais concretamente, no capítulo II, que versa sobre a relação entre advogados e clientes, sendo à luz das disposições legais contidas nos artigos 89.º e 99.º do mencionado diploma que deve ser analisado e enquadrado o caso vertente.
A consagração estatutária do instituto do “Conflito de Interesses” radica dos princípios da independência, da confiança e da dignidade e constitui expressa manifestação do princípio geral previsto no artigo 89.º do EOA, segundo o qual “O Advogado, no exercício da profissão mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”
O Advogado no exercício da profissão está, irremediavelmente, vinculado ao rigoroso cumprimento dos deveres plasmados no EOA, impondo-se a sua escrupulosa observância de molde a garantir a dignidade e prestígio da advocacia.
O Advogado é parte integrante e essencial à administração da justiça, conforme consagração constitucional no artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa, replicado
no artigo 88.º do EOA, devendo, assim, assumir “um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.”
Na configuração da advocacia como uma actividade de natureza liberal, que prossegue um notório e preponderante interesse público, é-lhe conferida uma elevada relevância social.
E é, precisamente, na senda do interesse público da advocacia que surge a consagração do instituto do conflito de interesses, com o objectivo de prosseguir a tripla função: a) de defesa da comunidade em geral e dos clientes das actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um qualquer Advogado, conluiados ou não com algum ou alguns dos seus clientes; b) de defesa do próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da profissão, visando qualquer outro interesse que não seja o da defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes; c) de defesa da dignificação da própria profissão.
A propósito dos deveres impostos ao Advogado nas relações estabelecidas com os seus clientes, elenca o artigo 99.º do EOA, de forma não taxativa, as situações em que este deve recusar o patrocínio face à iminência ou mera possibilidade de ver diminuída a respectiva independência, confiança, lealdade ou mesmo susceptíveis de contender com o mais caro dever de guardar sigilo profissional.
Neste conspecto, o artigo 99.º do EOA estabelece algumas das situações em que se impõe o dever de recusa do patrocínio, não porque concreta e imediatamente se verifique a existência de conflito de interesses, mas porque, objectivamente, tais situações são potenciadoras de gerar esse conflito.
O artigo 99º do EOA sob a epígrafe “Conflito de Interesses” preceitua o seguinte:
“1- O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.
2 – O Advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.
3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.
4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os seus clientes, no âmbito desse conflito.
5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.
6 – Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer a associação quer a cada um dos seus membros.”
O referido normativo dispõe, no n. º1, que “O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária”.
Ora, conflito de interesses, como já se referiu, radica dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão, apelando, numa primeira linha, à consciência profissional do Advogado, ao seu decoro e dignidade profissional, devendo o Advogado, em permanência e a todo o tempo, formular um juízo sobre a existência ou não de conflito de interesses entre os seus clientes.
Com efeito, a matéria do conflito de interesses é, em primeira linha, uma questão de consciência do próprio Advogado, competindo-lhe ajuizar, em permanência, se existem factos que o impeçam de exercer, de forma livre e sem quaisquer constrangimentos, a sua actividade, conforme erigido das normas ínsitas no seu estatuto profissional.
O Advogado deve, assim, estar sempre e em qualquer circunstância, acima de qualquer suspeita, garantindo o cumprimento dos deveres de isenção, independência, salvaguarda do dever de sigilo profissional, decoro, probidade e salvaguardar a dignidade da profissão, razão pela qual se impõe, com especial acuidade, que os Advogados pugnem, sempre e em qualquer circunstância, pelo cumprimento dos deveres deontológicos a que estão adstritos.
V - DA PRÁTICA DE ACTOS NOTARIAIS PELOS ADVOGADOS
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março, introduziram-se medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais, das quais se destaca, desde logo, a introdução da alínea f) ao nº1 do artigo 1º, que prevê “O alargamento das entidades que podem reconhecer assinaturas em documentos e autenticar e traduzir documentos, permitindo que tanto os notários como advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias possam fazê-lo;”
Nesta senda, veio o artigo 38.º do mencionado diploma legal conferir, entre outros, aos Advogados e Solicitadores a competência para reconhecimentos de assinaturas, autenticação e tradução de documentos e conferência de cópias, nos seguintes termos:
“1 – Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei, nº 244/92 de 29 de outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, (…)
2 – Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.”
Mais consigna o aludido artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março que para os actos notariais, designadamente, dos Advogados, se considerarem validamente praticados, é necessário proceder ao seu registo informático.
Por força da remissão daquela disposição para a “lei notarial”, além do requisito relativo ao registo informático que consta daquele artigo 38.º, todos os demais requisitos e formalidades de elaboração de tais actos deverão ser procurados no Código do Notariado (Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto, na sua versão actualizada) e diplomas avulsos aplicáveis à actividade notarial).
Face ao exposto, importa, assim, esclarecer quais os requisitos legais respeitantes ao formalismo dos reconhecimentos de assinaturas, que se encontram previstos nos artigos 153.º a 157.º e 46.º do Código do Notariado.
Dispõe o artigo 153.º do Código de Notariado que:
“Artigo 153.º
Espécies
1 - Os reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais.
2 - O reconhecimento simples respeita à letra e assinatura, ou só à assinatura, do signatário de documento.
3 - O reconhecimento com menções especiais é o que inclui, por exigência da lei ou a pedido dos interessados, a menção de qualquer circunstância especial que se refira a estes, aos signatários ou aos rogantes e que seja conhecida do notário ou por ele verificada em face de documentos exibidos e referenciados no termo.
4 - Os reconhecimentos simples são sempre presenciais; os reconhecimentos com menções especiais podem ser presenciais ou por semelhança.
5 - Designa-se presencial o reconhecimento da letra e assinatura, ou só da assinatura, em documentos escritos e assinados ou apenas assinados, na presença dos notários, ou o reconhecimento que é realizado estando o signatário presente ao acto.
6 - Designa-se por semelhança o reconhecimento com a menção especial relativa à qualidade de representante do signatário feito por simples confronto da assinatura deste com a assinatura aposta no bilhete de identidade ou documento equivalente emitidos pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou no passaporte ou com a respectiva reprodução constante de pública-forma extraída por fotocópia.” (nosso sublinhado)
Por seu turno, dispõe o artigo 155.º do Código de Notariado que:
“Artigo 155.º
Requisitos
1 - O reconhecimento deve obedecer aos requisitos constantes da alínea a) do n.º 1 do artigo 46.º e ser assinado pelo notário.
2 - Os reconhecimentos simples devem mencionar o nome completo do signatário e referir a forma por que se verificou a sua identidade, com indicação de esta ser do conhecimento pessoal do notário, ou do número, data e serviço emitente do documento que lhe serviu de base.
3 - Os reconhecimentos com menções especiais devem conter, além dos requisitos exigidos no número anterior, a menção dos documentos exibidos e referenciados no termo.
4 - O reconhecimento da assinatura a rogo deve fazer expressa menção das circunstâncias que legitimam o reconhecimento e da forma como foi verificada a identidade do rogante.
5 - É aplicável à verificação da identidade do signatário ou rogante o disposto no artigo 48.º
6 - Os abonadores que intervierem em reconhecimentos presenciais devem assiná-los antes do notário.” (nosso sublinhado)
E o n.º 1 do artigo 46.º do Código de Notariado que:
“Artigo 46.º
Formalidades comuns
1 - O instrumento notarial deve conter:
a) A designação do dia, mês, ano e lugar em que for lavrado ou assinado e, quando solicitado pelas partes, a indicação da hora em que se realizou;”
Ora, no caso que aqui nos ocupa parece-nos, salvo melhor entendimento, que os requisitos exigidos pelos artigos 38.º do Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março, 46.º e 155.º do Código de Notariado não se encontram integralmente cumpridos.
Não obstante, entendemos que apesar da eventual (in)existência do cumprimento de tais requisitos de validade do acto praticado pelo Sr. Advogado ser susceptível de influir no desfecho dos aludidos autos, tal circunstância é manifestamente inócua no que tange à apreciação de uma eventual situação de conflito de interesses.
Vejamos,
VI- DO CASO CONCRETO
Ora, tendo sido o Ilustre mandatário da embargante no processo judicial aqui em análise a reconhecer a assinatura da mesma em documentos cuja veracidade agora é colocada em causa, resulta claro, sem necessidade de mais considerandos, que estamos perante uma situação em que a isenção do Advogado fica afectada, ocorrendo, assim, um latente conflito de interesses.
De facto, estando em discussão nos autos de embargos de executado a questão de saber se a embargante assinou ou não documentos que foram objecto de reconhecimento presencial de assinatura por Advogado que é também seu mandatário naqueles autos, estamos perante uma situação que impedirá aquele Advogado de exercer o seu mandato, nesta acção, de forma totalmente independente e livre de quaisquer constrangimentos, por um lado, porque já teve intervenção nos factos em apreço noutra qualidade, por outro lado, uma vez que o seu acto notarial é, desde logo, colocado em causa.
CONCLUSÕES
1 - A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da Advocacia diz respeito, encontra-se regulada nos artigos 89.º e 99º do EOA.
2 - A previsão das referidas normas, que numa primeira linha remete sempre para a consciência individual do Advogado, visa assegurar a protecção da comunidade em geral, defender o próprio advogado e dignificar a profissão, por via da preservação dos valores da lealdade, isenção, independência, confiança e decoro, tão caros ao exercício da advocacia.
4 - Estando em discussão nos autos de embargos de executado a questão de saber se a embargante assinou ou não documentos que foram objecto de reconhecimento presencial de assinatura por Advogado que é também seu mandatário naqueles autos, estamos perante uma situação que impedirá aquele Advogado de exercer o seu mandato, nesta acção, de forma totalmente independente e livre de quaisquer constrangimentos, por um lado, porque já teve intervenção nos factos em apreço noutra qualidade, por outro lado, uma vez que o seu acto notarial é, desde logo, colocado em causa.
5 - O Advogado que se encontre em situação de conflito de interesses deve cessar o mandato.
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Os poderes atribuídos aos Conselhos Regionais para a emissão de pareceres devem ser conciliados com a competência específica conferida a outros órgãos da estrutura da Ordem dos Advogados, como é o caso dos Conselhos de Deontologia, a quem cabe o exercício do poder disciplinar nos termos do artigo 58º do EOA.
O exercício da indicada competência ocorre, como se disse, por via da resposta às questões profissionais que lhe são colocadas.
Contudo, por respeito ao princípio da legalidade, os Conselhos Regionais devem comunicar aos respectivos Conselhos de Deontologia, para os efeitos tidos por convenientes, os casos identificados como condutas passíveis de configurar violação de deveres e princípios ético-deontológicos.
Ora, no caso que aqui nos ocupa, emerge a verificação de uma situação de conflito de interesses, abstractamente, apta a configurar uma conduta disciplinarmente censurável.
Pelo que, impõe-se a extracção de certidão do presente parecer, acompanhado pela totalidade das peças processuais que serviram à instrução do mesmo, e a sua remessa ao Conselho de Deontologia de Coimbra, para os efeitos tidos por convenientes.
É este, salvo melhor entendimento, o nosso parecer.
Emanuel Simões
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