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PARECER Nº 11/PP/2024-C

Parecer n.º 11/PP/2024-C

Requerente: Dr. VPNT...

Assunto: Conflito de Interesses

 

 

I - DO PEDIDO DE PARECER

 

Por comunicação escrita dirigida a este Conselho, veio a senhor Dr. VPNT..., Advogado, requerer a emissão de parecer nos seguintes termos:

 

“Exmo. Sr. Presidente do Conselho Geral,

Tendo intervindo na elaboração de termo de autenticação em documento particular de confissão de divida e acordo de pagamento que anexo, o qual veio a ser incumprido pela devedora e cujo mandato assumi para a propositura da competente execução, fui notificado para me pronunciar quanto à eventual violação do art. 99.º do EOA, face à posição vertida no Parecer do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados de 1 de março de 2024, n.º 26/PP/2023-C.

Note-se que a minha intervenção, na minha ótica, ocorre em documento autenticado e não em documento autêntico.

Atendendo a que tal parecer ainda não se encontra disponível no sítio da internet e dado o curto prazo que tenho para me pronunciar face ao despacho anexo, solicito os seus bons ofícios no sentido de me ser remetido, por esta mesma via, o aludido parecer.

Mais requeiro a V. Exc.ª que se digne diligenciar pela emissão de parecer quanto à minha intervenção no documento dado à execução e na subsequente assunção do mandato conferido pela exequente, uma vez que tenho mandato forense de um Grupo Empresarial no qual se elaboram centenas de documentos idênticos ao agora dado à execução, por mim autenticados e cujas execuções, no caso de incumprimento, patrocino. “

 

II - DA COMPETÊNCIA PARA EMISSÃO DO PARECER

 

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 54º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro (doravante designado abreviadamente por EOA), compete aos Conselhos Regionais a pronúncia abstracta sobre questões de carácter profissional que se suscitem em casos concretos inseridos na respectiva área de competência territorial.

Como é consabido e pacificamente aceite na Ordem dos Advogados, as questões de carácter profissional são todas as que assumam natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da profissão decorrentes, em especial, das normas do Estatuto e demais normas regulamentares exaradas ao abrigo do poder regulamentar próprio da Ordem dos Advogados.

Ora, o Ilustre Advogado interveniente no processo judicial aqui em causa tem domicílio profissional na área territorial do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados e o assunto que aqui nos ocupa, versa, indubitavelmente, sobre questão de carácter profissional, circunstância que determina a competência territorial e material deste Conselho Regional para emissão do parecer solicitado.

 

III – DO ENQUADRAMENTO

 

Em face da dimensão da informação e documentação junta, importa concatenar a factualidade relevante a considerar na presente pronúncia:

1.      O requerente do presente parecer, tendo como interessada a parte credora, autenticou um documento particular de confissão de dívida e acordo de pagamento;

2.      O aludido acordo de pagamento, tendo como interessada a parte devedora, foi igualmente autenticado por outra Advogada;

3.      Em face do incumprimento do aludido acordo de pagamento, o Advogado aqui requerente, em representação da parte credora, propôs uma execução contra a devedora, dando como título executivo à mesma o documento que por si foi anteriormente autenticado.

4.      Depois de notificado pelo Tribunal para se pronunciar quanto à sua “dupla qualidade” – a de entidade certificante e de Advogado da exequente - e eventual conflito de interesses, o aqui requerente defendeu o seguinte:

 

“             A intervenção do expoente no título dado à execução limitou-se à prática do ato externo ao mesmo, consubstanciado nos factos descritos pelo advogado certificante, [isto é, o aqui signatário], designadamente o comparecimento na sua presença dos outorgantes do documento e a assinatura efetuado perante si, que certificam a sua veracidade e autenticidade formal.

E mesmo tal certificação foi apenas e só relativa à credora e aqui exequente, Junta de Freguesia de Ta....

Salvo melhor entendimento, a exequibilidade do documento quanto à obrigação da executada resulta da certificação da Ilustre Advogada, Dra. PG..., pelo que se afigura não existir qualquer incompatibilidade do signatário na representação forense da exequente nos presentes autos (ao contrário, para o signatário tal incompatibilidade já existiria se a intervenção no título fosse em representação da então devedora e agora executada).

A este propósito e relativamente à questão em crise levantada pelo douto despacho a que se responde, chama-se à colação o Acórdão da Relação de Coimbra, proferido em 10.07.2018, no âmbito do Proc. n.º 1898/16.6T8VIS-B.C1 e cujo sumário se reproduz:

“1 - A proibição prevista no artº 5º nº1 do Código do Notariado, aplicável ex vi do artç 38º do DL 76-A/2006 de 29.12 reporta-se apenas ao ato autenticado em si mesmo considerado, ie., ao seu próprio conteúdo substancial, e não aos atos externos ao mesmo, descritos pelo advogado certificante - vg. sobre o comparecimento na sua presença dos outorgantes do documento e a assinatura perante si -, que certificam a sua veracidade e autenticidade formal. 2 - O facto de o advogado certificador ser mandatário de um dos outorgantes, não lhe atribui, ipso facto, liminar e aprioristicamente, qualquer interesse, direto ou indirecto, no negócio ínsito no instrumento certificado, devendo, se assim qualquer interessado não o entender, provar a sua existência.

Ademais, e como bem se refere no citado aresto “(…) o termo de autenticação limita-se a atestar que os outorgantes do instrumento de confissão de dívida e do acordo de pagamento compareceram perante a ilustre advogada e se identificaram e assinaram o instrumento e o termo de autenticação na sua presença. Estamos, pois, perante singelos factos, externos ao teor do instrumento/documento, e que apenas se atêm à sua veracidade e autenticidade formal. Destarte, é evidente que tais afirmações e constatações verbalizadas/certificadas pela ilustre advogada, em si e só por si, não lhe conferem ou atribuem qualquer interesse, direto ou indirecto, e seja ela, ou não seja, mandatária de qualquer dos intervenientes/outorgantes no/do instrumento. Obvia, natural e intuitivamente que a simples qualidade de mandante de uma das partes por banda da advogada não a inibe de certificar factos singelos, concretos e objectivos como os referidos: presença das pessoas, sua identificação e assinaturas perante si. O conteúdo do instrumento é, apenas e somente, definido pelas partes e, pelo menos presuntivamente – presunção que se estiver errada o interessado tem de ilidir - a advogada certificante da sua autenticidade formal, nada terá a ver com ele, pelo menos na perspectiva de o mesmo lhe poder, ou não, interessar, ou seja, com ele e por causa dele, ganhar ou perder algo.

(…) Pois que, como mais uma vez bem se expressa na decisão, tal não é suposto que assim aconteça, quer por virtude da concessão de uma presumida qualidade de pessoa de bem, quer pelo presumido respeito e cumprimento dos critérios legais e deontológicos que regem o exercício da sua profissão.

Esta desconfiança, levada ao extremo e para outros campos probatórios, vg. o testemunhal, descambaria na impossibilidade de produção de tais meios, ou, ao menos, na sua liminar e apriorística desacreditação.

Pois que a vida é feita de uma complexa teia de interesses, diretos e indirectos, conscientes ou, até, subconscientes, materiais ou morais, lato sensu, determinados por múltiplos factores, como sejam as simpatias e antipatias, as relações de amizade ou inimizade, as relações familiares, etc.

 

 

 

 

 

A verdade judicial é uma verdade relativa, a verdade possível, pois que a decisão é, ou pode ser, condicionada por uma plêiade de factores, alguns dos quais não precursores da sua justeza.

Mas tal é inelutável, devendo o juiz, para minimizar este risco, ter a capacidade e a sagacidade, com a exigível contribuição dos demais atores judiciários, para distinguir o «trigo do joio».”

Como bem se demonstra no Acórdão referido, não vislumbra o signatário qualquer impedimento no patrocínio judiciário da exequente, pelo que deverão ser ordenados os ulteriores termos do processo.

Esperando deferimento,

São os termos em que se requer.”

 

 

5.       Posteriormente, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

 

               “Vi a resposta do I. mandatário da exequente de 20-02-2024.

Porém, o meu despacho anterior não diz respeito nem contende com a exequibilidade do documento particular dado à execução, mas sim com matéria relativa à violação do dever previsto no art.º 99.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, como decorre, aliás, do recente Parecer do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados de 1 de março de 2024, n.º 26/PP/2023-C, cuja leitura aconselho, concedendo-lhe um prazo de 10 (dez) dias para esse efeito e para, querendo e dentro do mesmo prazo, substabelecer sem reserva ou renunciar à procuração.

Notifique e comunique à Agente de Execução, que deverá aguardar que a questão supra referida seja resolvida.” (nosso sublinhado)

 

IV – DA (IN)EXISTÊNCIA DE CONFLITO DE INTERESSES

 

Ora, sem necessidade de maiores considerações, temos que a questão concreta submetida à cognição deste Conselho Regional se subsume à temática de carácter profissional atinente à eventual existência de conflito de interesses, tratada no título III do EOA, sob a epígrafe “Deontologia Profissional”, mais concretamente, no capítulo II, que versa sobre a relação entre advogados e clientes, sendo à luz das disposições legais contidas nos artigos 89.º e  99.º do mencionado diploma que deve ser analisado e enquadrado o caso vertente.

 

A consagração estatutária do instituto do “Conflito de Interesses” radica nos princípios da independência, da confiança e da dignidade e constitui expressa manifestação do princípio geral previsto no artigo 89.º do EOA, segundo o qual “O Advogado, no exercício da profissão mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”

 

O Advogado no exercício da profissão está, irremediavelmente, vinculado ao rigoroso cumprimento dos deveres plasmados no EOA, impondo-se a sua escrupulosa observância de molde a garantir a dignidade e prestígio da advocacia.

 

O Advogado é parte integrante e essencial à administração da justiça, conforme consagração constitucional no artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa, replicado no artigo 88.º do EOA, devendo, assim, assumir “um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.”

 

Na configuração da advocacia como uma actividade de natureza liberal, que prossegue um notório e preponderante interesse público, é-lhe conferida uma elevada relevância social.

 

E é, precisamente, na senda do interesse público da advocacia que surge a consagração do instituto do conflito de interesses, com o objectivo de prosseguir a tripla função: a) de defesa da comunidade em geral e dos clientes das actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um qualquer Advogado, conluiados ou não com algum ou alguns dos seus clientes; b) de defesa do próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da profissão, visando qualquer outro interesse que não seja o da defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes; c) de defesa da dignificação da própria profissão.

 

A propósito dos deveres impostos ao Advogado nas relações estabelecidas com os seus clientes, elenca o artigo 99.º do EOA, de forma não taxativa, as situações em que este deve recusar o patrocínio face à iminência ou mera possibilidade de ver diminuída a respectiva independência, confiança, lealdade ou mesmo susceptíveis de contender com o mais caro dever de guardar sigilo profissional.

Neste conspecto, o artigo 99.º do EOA estabelece algumas das situações em que se impõe o dever de recusa do patrocínio, não porque concreta e imediatamente se verifique a existência de conflito de interesses, mas porque, objectivamente, tais situações são potenciadoras de gerar esse conflito.

 

O artigo 99º do EOA sob a epígrafe “Conflito de Interesses” preceitua o seguinte:

 

“1- O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 – O Advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os seus clientes, no âmbito desse conflito.

 

 

5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 – Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer a associação quer a cada um dos seus membros.”

 

O referido normativo dispõe, no n.º1, que “O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária”.

 

Ora, conflito de interesses, como já se referiu, radica nos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão, apelando, numa primeira linha, à consciência profissional do Advogado, ao seu decoro e dignidade profissional, devendo o Advogado, em permanência e a todo o tempo, formular um juízo sobre a existência ou não de conflito de interesses entre os seus clientes.

 

Com efeito, a matéria do conflito de interesses é, em primeira linha, uma questão de consciência do próprio Advogado, competindo-lhe ajuizar, em permanência, se existem factos que o impeçam de exercer, de forma livre e sem quaisquer constrangimentos, a sua actividade, conforme erigido das normas ínsitas no seu estatuto profissional.

 

O Advogado deve, assim, estar sempre e em qualquer circunstância, acima de qualquer suspeita, garantindo o cumprimento dos deveres de isenção, independência, salvaguarda do dever de sigilo profissional, decoro, probidade e salvaguardar a dignidade da profissão, razão pela qual se impõe, com especial acuidade, que os Advogados pugnem, sempre e em qualquer circunstância, pelo cumprimento dos deveres deontológicos a que estão adstritos.

 

V - DA PRÁTICA DE ACTOS NOTARIAIS PELOS ADVOGADOS

 

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março, introduziram-se medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos registrais e notariais, das quais se destaca, desde logo, a introdução da alínea f) ao nº1 do artigo 1º, que prevê “O alargamento das entidades que podem reconhecer assinaturas em documentos e autenticar e traduzir documentos, permitindo que tanto os notários como advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias possam fazê-lo;”

 

Nesta senda, veio o artigo 38.º do mencionado diploma legal conferir, entre outros, aos Advogados e Solicitadores a competência para reconhecimentos de assinaturas, autenticação e tradução de documentos e conferência de cópias, nos seguintes termos:

 

“1 – Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei, nº 244/92 de 29 de outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, (…)

2 – Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.”

 

Mais consigna o aludido artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março que para os actos notariais, designadamente, dos Advogados, se considerarem validamente praticados, é necessário proceder ao seu registo informático.

 

Por força da remissão daquela disposição para a “lei notarial”, além do requisito relativo ao registo informático que consta daquele artigo 38.º, todos os demais requisitos e formalidades de elaboração de tais actos deverão ser procurados no Código do Notariado (Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto, na sua versão actualizada) e diplomas avulsos aplicáveis à actividade notarial.

 

Face ao exposto, importa, assim, esclarecer quais os requisitos legais respeitantes ao formalismo da autenticação de documentos, que se encontram previstos nos artigos 150.º a 152.º e 46.º do Código do Notariado.

 

 

                Dispõe o artigo 150.º do Código de Notariado que:

 

“Artigo 150.º

Documentos autenticados

1 - Os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário.

2 - Apresentado o documento para fins de autenticação, o notário deve reduzir esta a termo.”

 

 

Por seu turno, dispõe o artigo 155.º do Código de Notariado que:

 

“Artigo 151.º

Requisitos comuns

1 - O termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º, deve conter ainda os seguintes elementos:

a) A declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;

b) A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados.

2 - É aplicável à verificação da identidade das partes, bem como à intervenção de abonadores, intérpretes, peritos, leitores ou testemunhas, o disposto para os instrumentos públicos.”

 

O artigo 152.º que:

 

“Artigo 152.º

Requisitos especiais

Se o documento que se pretende autenticar estiver assinado a rogo, devem constar, ainda, do termo o nome completo, a naturalidade, o estado e a residência do rogado e a menção de que o rogante confirmou o rogo no acto da autenticação.”

 

E o artigo 46.º do Código de Notariado que:

 

“Artigo 46.º

Formalidades comuns

1 - O instrumento notarial deve conter:

a) A designação do dia, mês, ano e lugar em que for lavrado ou assinado e, quando solicitado pelas partes, a indicação da hora em que se realizou;

b) O nome completo do funcionário que nele interveio, a menção da respectiva qualidade e a designação do cartório a que pertence;

c) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas colectivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa colectiva;

d) A referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes, das testemunhas instrumentárias e dos abonadores;

e) A menção das procurações e dos documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o acto;

f) A menção de todos os documentos que fiquem arquivados, mediante a referência a esta circunstância, acompanhada da indicação da natureza do documento, e, ainda, tratando-se de conhecimento do imposto municipal de sisa, a indicação do respectivo número, data e repartição emitente;

g) A menção dos documentos apenas exibidos com indicação da sua natureza, data de emissão e entidade emitente e, ainda, tratando-se de certidões de registo, a indicação do respetivo número de ordem ou, no caso de certidão permanente, do respetivo código de acesso;

h) O nome completo, estado e residência habitual das pessoas que devam intervir como abonadores, intérpretes, peritos médicos, testemunhas e leitores;

i) A referência ao juramento ou compromisso de honra dos intérpretes, peritos ou leitores, quando os houver, com a indicação dos motivos que determinaram a sua intervenção;

j) As declarações correspondentes ao cumprimento das demais formalidades exigidas pela verificação dos casos previstos nos artigos 65.º e 66.º;

l) A menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo;

m) A indicação dos outorgantes que não assinem e a declaração, que cada um deles faça, de que não assina por não saber ou por não poder fazê-lo;

n) As assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.

2 - Se no acto intervier um substituto legal, no impedimento ou falta do notário, deve indicar-se o motivo da substituição.

3 - Nas escrituras de repúdio de herança ou de legado deve ser mencionado, em especial, se o repudiante tem descendentes.

4 - Se algum dos outorgantes não for português, deve fazer-se constar da sua identificação a nacionalidade, salvo se ele intervier na qualidade de representante, ou na de declarante em escritura de habilitação ou justificação notarial.

5 - O disposto na alínea e) do n.º 1 não é aplicável aos pais que outorguem na qualidade de representantes de filhos menores.

6 - Os instrumentos de actas de reuniões de órgãos sociais são lavrados pelo notário, com base na declaração de quem dirigir a assembleia, devendo ser assinados pelos sócios presentes e pelo notário, quando relativos a sociedades em nome colectivo ou sociedades por quotas, e pelos membros da mesa e pelo notário quanto às demais.

7 - O notário pode inserir, nas actas a que se refere o número anterior, qualquer declaração dos intervenientes que lhe seja requerida para delas constar.”

 

Por fim, pela relevância que detém para análise da presente questão, importa trazer à colação o disposto no artigo 5.º do Código do Notariado:

 

“Artigo 5.º

Casos de impedimento

1 - O notário não pode realizar actos em que sejam partes ou beneficiários, directos ou indirectos, quer ele próprio, quer o seu cônjuge ou qualquer parente ou afim na linha recta ou em 2.º grau da linha colateral.

2 - O impedimento é extensivo aos actos cujas partes ou beneficiários tenham como procurador ou representante legal alguma das pessoas compreendidas no número anterior.

3 - O notário pode intervir nos actos em que seja parte ou interessada uma sociedade por acções, de que ele ou as pessoas indicadas no n.º 1 sejam sócios, e nos actos em que seja parte ou interessada alguma pessoa colectiva de utilidade pública a cuja administração ele pertença.”

 

Ora, como se refere no douto despacho do Tribunal, a questão que aqui nos ocupa, não contende com a exequibilidade do documento particular dado à execução, mas antes com a temática atinente à eventual existência de conflito de interesses, tratada no título III do EOA, sob a epígrafe “Deontologia Profissional”, mais concretamente, no capítulo II, que versa sobre a relação entre Advogados e clientes.

 

É, pois, à luz das disposições legais contidas nos artigos 89.º e 99.º do mencionado diploma e do artigo 5.º do Código do Notariado, que deve ser analisado e enquadrado o caso vertente.

 

Vejamos,

 

 VI- DO CASO CONCRETO

 

Retomando ao caso que aqui nos ocupa, como já se referiu,  o Advogado deve estar, sempre e em qualquer circunstância, acima de qualquer suspeita, garantindo o cumprimento dos deveres de isenção, independência, salvaguarda do dever de sigilo profissional, decoro e probidade, devendo, ainda, salvaguardar a dignidade da profissão, não se dispensa o senhor Advogado requerente de uma especial atenção a eventuais ocorrências posteriores que possam sobrevir, que sejam susceptíveis de o colocar numa situação de conflito de interesses.

 

Por outro lado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º do EOA, o Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

 

Ora, o senhor Advogado aqui consulente, na qualidade de entidade certificante, autenticou um documento particular de confissão de dívida e acordo de pagamento, em representação da parte credora, e posteriormente constituiu-se mandatário da mesma num processo executivo onde se executa tal documento.

 

E se assim é, entendemos que se encontra preenchida a previsão contida no n.º 1 do artigo 99.º do EOA, que impõe ao advogado o dever de recusar o patrocínio do cliente em questões onde já tenha intervindo em qualquer outra qualidade.

 

Pois que, o senhor Advogado, ao assumir o aludido patrocínio, fica desde logo condicionado pela defesa intransigente da validade e legalidade do acto notarial por ele praticado, circunstância que, naturalmente, lhe diminui a isenção e independência na defesa cabal dos interesses dos seus constituintes.

 

Foi precisamente com o intuito de prevenir as situações em que a isenção do Advogado possa ficar afectada em virtude das respectivas intervenções anteriores, ainda que, em qualquer outra qualidade, que o legislador, consagrou no artigo 99.º nº 1 do EOA, o dever de o Advogado se abster de aceitar o patrocínio de questões em que já tenha tido alguma intervenção.

 

Face ao exposto e sem necessidade de mais considerandos, entendemos existir um conflito de interesses actual do senhor Advogado visado no exercício do mandato forense aqui em causa, motivado pela sua actuação antecedente no mesmo assunto e na qualidade de entidade certificante.

               

 

CONCLUSÕES

1.  A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da Advocacia diz respeito, encontra-se regulada nos artigos 89.º e 99º do EOA.

2.  A previsão das referidas normas, que numa primeira linha remete sempre para a consciência individual do Advogado, visa assegurar a protecção da comunidade em geral, defender o próprio Advogado e dignificar a profissão, por via da preservação dos valores da lealdade, isenção, independência, confiança e decoro, tão caros ao exercício da advocacia.

3. Na análise casuística sobre a existência de conflito de interesses deve ser considerado, entre o mais, o referencial exemplificativo previsto no artigo 99.º do EOA, cujo elenco de situações impõe o dever de recusa do patrocínio, não porque em concreto e no imediato o mesmo se verifique, mas porque, objectivamente, tais situações se apresentam como potenciadoras desse conflito.

4. Um Advogado que autentica um documento particular de confissão de dívida e acordo de pagamento, em representação da parte credora, e que posteriormente se constitui mandatário da mesma num processo executivo onde se executa tal documento, encontra-se numa situação potenciadora de conflito de interesses, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º do EOA.

 

 

É este o meu parecer.

 

Emanuel Simões

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