Parecer de 06-06-2006 - Advogados e Câmaras Municipais
PARECER
I – O Advogado, no exercício da sua profissão, pode junto de qualquer Câmara Municipal solicitar a consulta de um processo de obra.
II – Tal solicitação pode ser meramente verbal e sem que haja necessidade do Advogado alegar a qualidade de interessado do seu cliente, ou o interesse legitimo deste ou revelar sequer a identidade do cliente.
III – Ao fazer tal solicitação de consulta baseia-se o Advogado na norma do artº 74º-1 do E.ºA., única norma a que a Câmara Municipal se deve cingir ao permitir a solicitada consulta.
IV – Valendo o estatuído no artº 110º do R.J.E.U. apenas quanto ao prazo em que o processo tem de ser facultado (10 dias).
O Senhor .... , Chefe da Divisão Administrativa da Câmara Municipal de ...., por e-mail de ../../.... solicita parecer sobre a seguinte questão:
"Confrontado com requerimento verbal por advogado, que pretendia consultar processo de obra, invocando somente o direito de o fazer pelo princípio da administração aberta, a Câmara Municipal de .... solicita parecer que esclareça se o Estatuto da Ordem dos Advogados, nomeadamente na parte que se refere à "informação, exame de processos e pedido de certidão" é suficiente para:
- permitir o acesso nos termos em que é descrito;
- como articulá-lo com as disposições legais sobre o assunto que constam na L.A.D.A., C.P.A. e R.J.E.U."
Na abordagem do problema iremos lançar mão dos seguintes diplomas legais:
- Constituição da República Portuguesa (C.R.P.)
- Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.)
- Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA)
- Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJEU)
- Estatuto da Ordem dos Advogados (E.0.A.)
Do preâmbulo do C.P.A. (D.L. 442/91 de 1/11, alterado pelo D.L. 6/96 de 31/1) resulta que um dos objectivos deste é salvaguardar, em geral, a transparência da acção administrativa e o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos.
Trata-se, em suma, do principio da administração aberta que encontra acolhimento no artº 65º do C.P.A. onde se reconhece, a todas as pessoas, com direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
Tem este principio da administração aberta, ou talvez melhor dizendo, este principio de arquivo aberto, a ver com o consagrado no nº 2 do artº 28º da C.R.P. de onde emerge directamente.
Trata-se de um principio indiscriminatório e geral, respeita a qualquer tipo de documento seja qual for a origem ou forma como se manifesta e é aplicável a todos os cidadãos e não apenas aos interessados no procedimento concreto.
Para além do citado artº 65º do C.P.A., e aliás por decorrência deste – veja-se o seu nº2 –, foi publicada a Lei 65/93 de 26/8 (LADA) que regula o acesso aos documentos administrativos em arquivo.
Com tal Lei sai reforçado o sentido e o teor do artº 65º do C.P.A. pois no artº 7º da Lei quando se regulamenta o chamado direito de acesso diz-se terem todos o direito à informação, mediante o acesso a documentos administrativos de carácter não nominativo, reservando-se o direito de acesso aos documentos nominativos à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal.
Por seu turno o D.L. 555/99 de 16/12 (RJEU), alterado pelo D.L. 177/2001 de 4/6, no seu artigo 110º, que trata do chamado direito à informação e no que tange a processo de obra garante a qualquer interessado o direito de ser informado pela câmara municipal sobre o estado e andamento dos processos que lhe digam directamente respeito (nº1 a)).
Este direito é extensivo a quaisquer pessoas que ainda que não directamente interessados nos processos provem ter interesse legitimo no conhecimento dos elementos que pretendem ou no caso de interesses difusos quaisquer cidadãos e as associações e fundações defensoras de tais interesses (nº6).
As informações de que fala o nº1 do artº em apreço devem ser prestadas, independentemente de despacho, no prazo de 15 dias (nº2).
O acesso aos processos e a passagem de certidões deve ser requerido por escrito (nº4).
Assim quer o C.P.A., quer o R.J.E.U. tratam do direito de informação aos interessados ou aos que provem ter um interesse legitimo no conhecimento dos elementos que pretendem.
Assim o particular perante a administração para ser informado ou é directamente interessado ou alega e prova ter interesse legitimo na informação e situações há que tem que requerer por escrito – vejam-se a propósito os artºs 61º a 65º do C.P.A. e artº 110º do RJEU.
É chegado o momento de travar esta incursão, ainda que breve, nos domínios do procedimento administrativo dado que o C.P.A. acaba por legislar apenas no domínio das relações entre o particular e a administração.
O mesmo acontece no artº 110º do R.J.E.U..
De facto ambos os diplomas não pretendem ser, não o podiam ser e não o são as cartilhas dos deveres e dos direitos dos advogados.
Assim terá de ser a Lei 15/2005 de 26 de Janeiro, ou seja o Estatuto da Ordem dos Advogados (E.0.A.) a fonte das respostas.
E as respostas brotam, cristalinas, do nº1 do artº 74º - 1 do E.0.A., e de outras normas do Estatuto.
Aí se diz que no exercício da sua profissão, o advogado tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, sem necessidade de exibir procuração.
Dúvidas não há que uma Câmara Municipal constitui a repartição pública de que fala o preceito.
Assim é licito a qualquer advogado requerer verbalmente a consulta de um processo de obra sem que tenha que alegar a qualidade de interessado do seu cliente, ou o ser este titular de um interesse legitimo.
Mais o advogado não tem sequer que revelar a identidade do cliente ou de justificar qual o objectivo da consulta.
De facto assim é e tais conclusões se retiram da leitura do preceito em apreço que é de meridiana clareza.
O Advogado quando actua como tal tem uma maior liberdade na obtenção da informação do que o particular que representa se agisse por si próprio.
A norma do nº1 do artº 74º do E.0.A. existe, para além de outros motivos, porque se vê o advogado como alguém com liberdade de exercício /artº 64º e independência (artº 84º), a dever ser tratado de forma compatível com a dignidade devida à advocacia e em condições adequadas ao cabal desempenho do mandato (nº1 do artº 67º) e a agir com integridade (artº 83º).
Tem sido neste sentido o que a Ordem dos Advogados tem decidido quanto ao assunto em apreço e cremos que sem vozes dissonantes.
No Boletim da Ordem dos Advogados 1989, nº1, pág. 18, escreveu o Bastonário Augusto Lopes Cardoso:
"Pelas suas funções, o Advogados carece constantemente de obter elementos certificados nas repartições públicas, o que seria incompatível com a exigência burocrática de os pedir sempre por escrito e mais invocando e comprovando legitimidade como patrocinador dos interesses de determinados clientes. A fé pública e a respeitabilidade da profissão, se são factores de exigência deontológica para o Advogado, reiteram também que invoque essa qualidade ( e porventura a comprove com cédula profissional) para solicitar apenas verbalmente certidões, como para o fazer sem referência ao caso concreto que patrocina ou sem exibir ou juntar procuração do seu mandante.
Assim sendo e em
CONCLUSÕES
I – O Advogado, no exercício da sua profissão, pode junto de qualquer Câmara Municipal solicitar a consulta de um processo de obra.
II – Tal solicitação pode ser meramente verbal e sem que haja necessidade do Advogado alegar a qualidade de interessado do seu cliente, ou o interesse legitimo deste ou revelar sequer a identidade do cliente.
III – Ao fazer tal solicitação de consulta baseia-se o Advogado na norma do artº 74º-1 do E.0.A., única norma a que a Câmara Municipal se deve cingir ao permitir a solicitada consulta.
IV – Valendo o estatuído no artº 110º do R.J.E.U. apenas quanto ao prazo em que o processo tem de ser facultado (10 dias).
É este s.m.j. o meu parecer
À sessão
Lamego, 6 de Junho de 2006
O Vice-Presidente do C.D.P.
(João Correia Rebelo)
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