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Procuradoria Ilícita: Doa a quem doer…
 

1.- O Conselho de Ministros aprovou, na sua reunião de 22 de Abril de 2004, a Proposta de Leique define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados e solicitadores e tipifica o crime de procuradoria ilícita”.


        Há muito que os advogados e a sua associação profissional – a Ordem dos Advogados (OA) – vêm denunciando e combatendo o que se resolveu apelidar, também de há muito, de “procuradoria ilícita”. E têm-no feito, sobretudo, na perspectiva da defesa dos interesses e direitos dos cidadãos, defesa que lhes compete, estatutária e legalmente, assegurar e garantir.


        A procuradoria ilícita não se pode reduzir a uma mera preocupação dos profissionais do foro, mas deve ser entendida, acima de tudo, como uma questão que afecta todos e cada um dos cidadãos no que concerne à protecção e garantia da qualidade dos serviços que àqueles devem ser prestados no âmbito da Justiça e da Administração Pública.


        Finalmente, veio o Conselho de Ministros reconhecer agora, de forma expressa e inequívoca, com a aprovação daquela Proposta de Lei, que a procuradoria ilícita constitui uma “…actividade ilegal que atenta contra o direito dos cidadãos a uma efectiva tutela dos seus direitos, liberdades e garantias…” pelos “…efeitos muitas vezes irreparáveis que provoca a cidadãos e empresas.”.


        E, por isso, a referida Proposta de Lei consagrou a tipificação autónoma do crime de procuradoria ilícita.


 


        2.- Já antes se preconizava que a procuradoria ilícita cabia na tipificação do crime de usurpação de funções, previsto no art. 358º do Código Penal, por punir quem exercesse profissão ou praticasse actos próprios de uma profissão para a qual a lei exigisse título ou preenchimento de certas condições, sem o possuir ou as preencher.


        Compreende-se o sentido e o alcance desta norma, que visa tutelar não tanto interesses corporativos ou profissionais mas mais interesses de ordem pública. Basta pensar, por exemplo, nos que fazendo-se passar por funcionários judiciais ou agentes de órgãos de polícia criminal, pudessem efectuar penhoras, fazerem introduzir-se em residências, ou procederem a revistas e apreensões; ou nos que, intitulando-se ou não médicos (profissão para a qual se exige a licenciatura em Medicina), pudessem efectuar consultas, elaborar diagnósticos, prestar tratamentos e prescrever medicamentos a cidadãos doentes; ou nos que, sem as necessárias habilitações e investiduras nas funções, prestassem serviços de enfermagem, docência ou de inspecção fiscal, sem serem enfermeiros, professores ou funcionários dos serviços de Finanças.


        Calcule-se os danos que se poderiam, assim, causar aos cidadãos com o inerente descrédito social das profissões e funções usurpadas.


        Também a procuradoria ilícita – envolvendo a prática de actos reservados às profissões de advogado e de solicitador (consulta jurídica, representação e aconselhamento jurídico e patrocínio forense) por quem não o seja – distorce a qualidade dos serviços que exigem qualificações técnicas e creditação, corrói a qualidade desses serviços a que o cidadão tem direito e desacredita a resposta da Justiça e da Administração aos olhos dos cidadãos consumidores desses ilegais serviços.


 


        3.- Porém, pelos mais variados e insondáveis motivos, persiste ainda uma camuflada resistência à denúncia e punição, como usurpação de funções, dessa actividade ilegal que é, inequivocamente, a procuradoria ilícita.


        A tanto não será certamente estranha a passividade com que se aceita a actuação dos procuradores ilícitos e a inércia e omissão (umas poucas vezes deliberada, outras mais negligente) das entidades e serviços por aqueles frequentados.


        Falemos claro, sem particularizar. A procuradoria ilícita existe por ter quem a proteja. Os procuradores ilícitos só actuam junto dos serviços e repartições, com inusitada frequência e ostensivo à-vontade, por beneficiarem da complacência, inércia, auxílio e colaboração de muitos. Principalmente dos que, sabendo da ilegalidade daquelas actuações e do dever funcional de denunciá-las, se escudam na pretensa falta de instrumentos legais para as impedir e denunciar.


 


        4.- Pois bem. A Proposta de Lei agora aprovada acaba com esses pantanosos argumentos.


        A procuradoria ilícita é um crime (art. 8º da Proposta de Lei). Deixa de haver quaisquer dúvidas quanto àquela ilegal actividade: quem, não possuindo o título profissional de advogado ou de solicitador, exercer ou praticar actos próprios destes (actos que aquela Proposta de Lei também define, enumerando até alguns), comete o crime de procuradoria ilícita. Como o comete igualmente quem auxilie ou colabore nessa prática ilegal.


        Além disso, a mencionada Proposta de Lei manteve a competência da OA quanto ao encerramento de escritórios de procuradoria ilícita (art. 7º) e cometeu ao Instituto do Consumidor competência para o processamento das contra ordenações e a aplicação de coimas a procuradores ilícitos, sejam eles pessoas singulares ou colectivas (arts. 9º e 10º), revertendo a maior parte  do produto dessas coimas (70%) para um fundo de combate à procuradoria ilícita e de apoio às suas vítimas (art. 11º).


 


        5.- A OA – e o seu Conselho Distrital de Faro (CDF), no que ao Algarve respeita -, à luz deste novo cenário legal, propõe-se reforçar a denúncia e o combate não só dos procuradores ilícitos propriamente ditos mas também daqueles que lhes prestam auxílio e colaboração, seja activa, seja passivamente. E fá-lo-á com o redobrado empenho e denodo com que tem actuado, o que lhe permitiu já, na Região do Algarve, encerrar quatro escritórios de procuradoria ilícita e efectuar e instruir dezenas de participações criminais.


        A prestação de serviços de qualidade e a efectiva tutela dos seus interesses, liberdades e garantias é um inquestionável direito dos cidadãos consumidores.


        O CDF tem como uma das suas principais atribuições assegurar a defesa desse (e doutros) direito. Apostando na qualidade dos serviços que os advogados devem prestar e na sua responsabilização, o CDF não se tem poupado a esforços na área da formação contínua, na regularidade da acção formativa, na actualização de conhecimentos, na avaliação de desempenho, na avaliação deontológica e na acção disciplinar.


        De igual modo, não se poupará para, no reverso, combater eficazmente a procuradoria ilícita, quer a nível dos seus autores quer a nível de todos quantos os protejam, auxiliem ou com eles colaborem.


        Doa a quem doer …



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