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Mas...que é isto?
 


Mas… que é isto?



O povo português tem acompanhado com natural perplexidade a reacção dos juízes e agentes do M.P. a algumas medidas do Governo tendentes a (re)pôr alguma equidade nas condições de exercício da actividade profissional de todos os servidores do Estado. Esperava-se, porém, que, após alguma turbulência, o bom senso imperasse e que o diálogo fosse restabelecido de forma a permitir que alguns dos problemas candentes que afectam a Justiça encontrassem solução eficaz e duradoura. Só que o recente congresso dos juízes e mais especificamente o discurso produzido pelo Presidente do S.T.J., num ataque inusitado ao Governo legítimo da Nação acusando-o, entre outros mimos, de mentir ao povo português, ultrapassou as marcas, com a agravante de tais palavras terem sido proferidas na presença do Presidente da República.

Só à luz de uma egocêntrica e anacrónica postura corporativa se compreende tal atitude. Na verdade que dizer de quem, talvez por se julgar ungido pela divindade ou pertencer a uma casta eleita, se recusa a aceitar os sacrifícios exigidos á generalidade dos portugueses? Que dizer de quem, habitualmente tão empáfio e cioso da sua condição de titular de um órgão de soberania, não hesita em comportar-se como vulgar amanuense em luta por melhores condições salariais, recorrendo à greve com o falacioso argumento de que a mesma é legal, mandando às urtigas todo um capital de prestígio, de dignidade, de consideração social? O mal que os actuais dirigentes sindicais dos juízes e certas figuras importantes da judicatura fizeram a si mesmos não terá reparo tão cedo. Mas se fosse só isso que estivesse em jogo – o prestígio de uma classe profissional– muito embora a importância da questão tal não seria nada que o tempo não pudesse resolver. Mas grave, gravíssimo, é que a atitude contestária dos senhores juízes abala os alicerces do Estado de Direito Democrático. De onde se esperava ponderação, respeitabilidade, sageza, não pode vir agressividade, incontinência verbal, ligeireza. Considerar como ofensa à independência dos juízes a sua integração no regime geral da ADSE ou a redução das férias judiciais é atitude que não resiste à mais superficial das análises e que chega a chocar pelo seu simplismo. É certo que a redução das férias judiciais não constitui panaceia para remediar os males de que enferma a Justiça. Daí a considerá-la um ataque à independência dos tribunais vai, porém, uma grande distância. Mas essas medidas avulsas que em pouco ou nada beliscaram o seu estatuto foram o suficiente para os juízes desencadearem uma greve e para que alguns deles passassem a ser rigorosíssimos no cumprimento do horário de saída. Mas se os senhores juízes reagiram assim por tão pouco que farão se o poder político resolver mexer a sério em alguns privilégios de que gozam? Como por exemplo no “estatuto da jubilação” que permite, para quem não sabe, que um juiz “jubilado”, leia-se aposentado, mantenha os vencimentos e todas as regalias, nomeadamente o subsídio de renda de casa como se continuasse no activo? Ou no subsídio de renda de casa atribuído aos juízes mesmo quando vivem em casa própria e estão colocados na comarca da sua residência deixando devolutas as chamadas “casas dos magistrados”? Farão o quê? Uma revolução?

A catilinária do Exmº Presidente do S.T.J., Sr.Juiz-Conselheiro Dr. Nunes da Cruz mereceu o aplauso caloroso da selecta assistência que não poupou encomiásticos cumprimentos a tão corajosa intervenção… Estranha coragem essa de atacar um governo legitimado pelo voto popular que escrupulosamente sempre respeitou o princípio da separação de poderes e se limita a executar o seu programa. Ando há quarenta anos pelos tribunais e nunca me chegaram ecos da intervenção cívica do Sr. Dr. Nunes da Cruz em prol da independência dos tribunais nomeadamente no tempo da ditadura, em que os famigerados tribunais plenários andavam de braço dado com a PIDE, dando cobertura legal a todas as tropelias cometidas por essa polícia política. E nesse tempo alguns juízes houve, poucos é bem verdade, que se insurgiram corajosamente contra a promiscuidade entre a política e a justiça.

Mas não terão razão os senhores juízes quando se insurgem quanto ao estado actual da Justiça? Obviamente que sim. Mas não é com guerrilhas insensatas contra os titulares dos outros órgãos de soberania que lograrão alcançar os seus objectivos. Em vez de se preocuparem com mesquinhices deveriam, por exemplo, orientar as suas reivindicações para a melhoria das condições materiais em que exercem o seu trabalho. Não é justo, não é digno que um juiz seja obrigado a trabalhar com mais dois ou três colegas no mesmo gabinete. Não é justo, não é digno que um juiz seja obrigado a trabalhar em edifícios degradados. Que não beneficie da contingentação de processos. Não é justo que um juiz tenha o mesmo vencimento que um procurador da república, quando comparadas a complexidade, volume de serviço e conhecimentos técnicos exigidos a um e outro. Se a lei impede essa diferenciação mude-se a lei. O que não pode é manter-se uma equiparação que surge como injusta aos olhos de qualquer observador.

A maioria dos juízes é constituída por pessoas íntegras, alguns deles dedicados quase até ao estoicismo e por tal motivo credores do respeito do povo. Por isso recuso-me a acreditar que 30% dos juízes que participaram na recente greve tenham usado de um subterfúgio legal para se eximirem ao desconto dos dias de greve nos respectivos vencimentos.

Os juízes exercem a mais nobre função a que um homem (ou mulher) pode aspirar: julgar os actos dos seus concidadãos. O que não podem é deixar-se enredar em manobras que só prejudicam a sua imagem e fragilizam a sua razão. Podem e devem exigir respeito mas ao mesmo tempo devem respeitar o povo em nome do qual administram a justiça. E respeitar o povo é respeitar aqueles que o mesmo povo, democraticamente, alcandorou ao poder para presidir ao seu destino. Respeito de que o actual Ministro da Justiça deu provas quando na sessão de encerramento do congresso dos juízes optou por não responder às provocações de que fora alvo e preferiu fazer uma intervenção substantiva, caracterizada pela objectividade e pelo rigor técnico. Mas respeito nada tem a ver com subserviência. Nem o poder judicial tem que reverenciar o poder político nem este tem de se pôr de cócoras perante aquele.

António Neto Brandão

Advogado

Aveiro


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