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Artigo - A propósito das férias judiciais - Publicado no Boletim da Ordem dos Advogados nº 37
 

Veio o senhor primeiro-ministro anunciar, com pompa e circunstância, pequeninas e avulsas medidas para a reforma da justiça, anunciando que outras se seguiriam e que este era o caminho certo e seguro para desencalhar o funcionamento do sistema judicial. Seguramente que o senhor ministro da justiça teria sido o mentor de tais pequeninas e avulsas medidas. Ficamos, também, a saber que o ministro da justiça não tem um projecto global, sistemático e coerente para proceder à tão necessária e urgente reforma do sistema.

De entre estas pequeninas e avulsas medidas a que criou e vem criando mais celeuma é a relativa às férias judiciais. O que mais surpreende na tomada de tal medida é o desconhecimento do trabalho desenvolvido ao longo do ano judicial pelos profissionais do foro, sejam eles, advogados, juízes, procuradores, solicitadores ou funcionários judiciais, muitas vezes com prejuízo pessoal e familiar Todos sabemos que na falta de um sistema gerível e minimamente eficaz, é a dedicação empenhada de todos aqueles profissionais que move o sistema e lhe dá a pouca credibilidade de que ainda goza.

A redução do período de suspensão dos prazos (não confundir com férias) nos processos não urgentes possibilita, como por muitos já foi afirmado e reafirmado, a análise cuidada de assuntos com complexidade anormal que exigem um estudo e uma pesquisa mais aprofundada e atenta.

Acresce que, não se vê como é possível encerrar os Tribunais durante um determinado período correspondente às férias que legalmente são conferidas aos juízes, procuradores e funcionários judiciais, como se procede com uma qualquer unidade industrial. A ser assim, como proceder ao tratamento dos processos urgentes?, interrompem-se as férias?, cria-se uma bolsa de profissionais para o efeito?, só determinados tribunais se mantêm em funções?, como resolver o problema do juiz natural?.

Estou certo que nada disto foi pensado quando se anunciou a medida. Por outro lado, os advogados também têm direito, como qualquer cidadão, a gozar férias. Ora, sabendo-se que no nosso país a maioria dos advogados trabalha em prática isolada, ou em associação para repartição de despesas, seria necessário substabelecer noutros colegas, para gozo de férias, assuntos que, pela sua complexidade, dificilmente seriam geríveis por outrem, com eventual prejuízo para o seu constituinte.

Na recente tradição portuguesa, no que à justiça respeita, anunciam-se as medidas e depois se vê como resolver os problemas que surgem, como aconteceu e acontece com a famigerada acção executiva. Também na má tradição existe sempre um culpado alheio para aliviar culpas próprias. Assim, havia que encontrar um bode expiatório para salvar a face de quem governa e tutela um sistema anquilosado: a justiça está emperrada porque os profissionais forenses gozam férias em exagero, troçando dos restantes profissionais deste país.

O Senhor Ministro afirmou com certeza, mas sem qualquer prova que o demonstrasse, que com a redução das férias (suspensão dos prazos) se consegue uma produtividade acrescida de 10%. Não se vislumbra como chegou o Senhor Ministro a este resultado. O Senhor Ministro da Justiça deveria saber que os constrangimentos do sistema nada têm que ver com o trabalho empenhado e dedicado da esmagadora maioria dos profissionais do foro, mas sim com a má qualidade das medidas implementadas nos últimos tempos, com a falta de uma gestão eficaz do sistema, com a necessidade de reformas pensadas maduramente e testadas com rigor e acompanhamento.

Mas, para tal, é necessária a coragem de afrontar poderes instalados, trazendo uma nova cultura ao sistema, com meios processuais mais ágeis, com instalações e meios informáticos mais eficientes, com gestão adequada dos meios humanos e materiais disponíveis, com investimento em formação, com a criação de prémios de produtividade, com a criação de mais tribunais de competência especializada, com uma acção executiva que funcione, com melhor gestão do acesso ao direito e aos tribunais garantindo ao cidadão carente um efectivo apoio jurídico, com alteração do regime de custas.

Não se realiza a justiça afastando os cidadãos dos tribunais, não se promove o investimento com a criação de dificuldades na cobrança de créditos. Enfim, não se promove o exercício da cidadania com uma visão economicista da política da justiça, muito menos através de medidas demagógicas.

Só através de uma política estruturada e estruturante, com uma gestão eficaz e racional dos meios afectos ao sistema, se pode alcançar uma melhor justiça, com maior proximidade e em tempo útil.

O sistema está deprimido, arrastando nessa depressão os diversos operadores, conduzindo a uma ineficácia que prejudica o exercício da cidadania e o normal desenvolvimento da actividade económica. Existe demasiado desperdício no governo da administração pública que deveria ser canalizado para um investimento verdadeiramente produtivo nesse bem essencial, em qualquer estado de direito democrático, como é a Justiça – assim se fazendo JUSTIÇA.

Daniel Andrade - Advogado
Presidente do Conselho Distrital de Coimbra


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