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"Sabe Deus as condições dos advogados estagiários" - carta publicada no Diário de Coimbra
 

Ilustres colegas, de facto e porque a questão não o permite, não são bons os motivos que me levam a retratar-lhe o actual quadro dos dias do advogado estagiário, figura esta tantas vezes orfã de um sistema que insiste em não o tratar como filho. Falo assim da aprovação do novissímo regulamento nº330-A/2008 de 24 de Junho, aprovado em Conselho Geral da Ordem dos Advogados e com entrada em vigor no dia 1 de Setembro do decorrente ano, que regula o acesso ao direito e aos Tribunais.

Com efeito, e porque o que se pretende com o presente escrito não é criticar as suas normas (se bem que o mereciam), entendo que os fundamentos que justificam as mesmas são de tal ordem absurdos que deixam na inquiétude qualquer advogado-estagiário que preze a sua função e dedicação à profissão.

De certa ordem já seria até esperado este regulamento, fruto de um prévio compromisso assumido pelo Conselho Geral da Ordem, contudo o mesmo já não se poderá dizer relativamente aos seus fundamentos capazes de deixar qualquer advogado-estagiário incrédulo e impropotente face aos mesmos. Assim e remetendo às palavras do Sr. Bastonário A. Marinho e Pinto no comunicado que o próprio fez a exposição do regulamento, afirma o mesmo que "há casos de cidadãos que foram condenados a penas de prisão efectiva e que foram defendidos por advogados estagiários...", bem como a formação dos mesmos "não pode ser feita à custa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos mais frágeis...", completando afirmando que "... o apoio judiciário não deverá ser usado para financiar a formação, muito menos para subsidiar os formandos.".

São de facto palavras lamentáveis e indecorosas, reveladoras de alguma imprudência no modo como se expõe o papel do advogado-estagiário à sociedade. Súbitamente passou aos olhos da sua ordem a ser visto como um ser desprezível, como se de uma erva daninha se trata-sse, sequioso dos subsídios (baixíssimos diga-se) próprios da sua formação.

Ora não é este de todo o papel, e tão pouco a formação, que é dada à nossa classe colegas. Um advogado-estagiário tem um papel que lhe é próprio e de larga importância no ordenamento jurídico. Trabalha arduamente na procura da resolução dos casos do seu patrono, empenhando-se segregadamente na formação que lhe é imposta (actualmente tem 30 meses de estágio!), sendo entregue a um apoio judiciário cujos subsídios são irrisórios, muito equidistantes dos praticados em outros países a nível europeu. Relembro aqui ao Sr. Bastonário que o período de estágio não é remunerado, pelo que são difíceis e por vezes inadmissiveís as condições em que, sabe Deus, muitos se esforçam para se poder manter financeiramente afectos à uma formação inteiramente paga pelos mesmos.

Outro dos aspectos peculiares, e diga-se amplamente similar entre os advogados estagiários, é de facto a falta de amparo que aqueles que deontológicamente obrigados, insistem em manter-se equivocados na ajuda e acompanhamento que um formando nesta área necessita de ter. Não raras são as vezes em que este se sente marginalizado por vicissitudes decorrentes do processo de formação, acabando por gerar situações de falta de motivação nas tarefas por este desempenhadas.

Finalmente, e porque é bom que se diga isto para que tenhamos uma ideia do até aqui exposto, importa frisar que os próprios formadores, bem como os patronos, assumem que o advogado-estagiário tende a preparar os casos que lhe são propostos com inegável mestria, reconhecida por decisões judiciais que amplas vezes lhes conhecem a razão.

Por tudo isto,  para que tenhamos uma classe lavada aos olhos da sociedade e sobretudo uma classe unida, faço aqui um apelo a um maior respeito por esta figura e simultanêamente à própria profissão que só não é a mais antiga do mundo porque uma menos nobre lhe antecedeu.

Tiago Leonel dos Santos Aguiar-------- B.I. 12536251


Carta publicada a pedido expresso do seu autor


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