Revista de Imprensa

07-02-2011
> 191 regiões não enviam criminosos para Portugal manter > DN
 

O combate ao crime em Portugal é realizado cada vez mais em cooperação, no sentido de evitar a fuga de criminosos, nomeadamente a sua saída do espaço Schengen. Mesmo assim, por vezes, há foragidos, cujo número a Polícia Judiciária (PJ) não divulga, que acabam por não responder perante a justiça refugiando-se em paraísos -há 191 no mundo - com os quais Portugal não tem qualquer relação em termos policiais e judiciais. Ainda recentemente, a propósito do processo Casa Pia, o ex-inspector da PJ Dias André disse que Carlos Silvino podia fugir para o Brasil, já que os acordos de extradição que existem são muito limitados, e a justiça portuguesa podia perder-lhe o rasto.  
 
No total, são 191 os territórios, uma grande parte ilhas perdidas no índico e Pacífico, com os quais Portugal não tem qualquer acordo de extradição. Nem Portugal nem a generalidade dos países do mundo. O Belize, os Camarões, o Suriname e a Indonésia são dos destinos mais procurados por quem foge à justiça.  
 
O problema, como explicou ao DN o director adjunto da PJ Pedro do Carmo, é que "as regras são conformes ao tipo de legislação de cada país e há certos crimes que não são considerados como tal noutras legislações". É o caso da corrupção e burla. Mesmo assim, a PJ emite mandados de captura internacionais e o trabalho investigatório é feito pela Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal), cujo objectivo é assegurar e desenvolver a assistência recíproca entre as autoridades de polícia no quadro da legislação existente nos diferentes países e no espírito da Declaração Universal idos Direitos do Homem. No caso de o paradeiro de um criminoso ser detectado, a Interpol estabelece e desenvolve todas as instituições capazes de contribuir para a prevenção e repressão das infracções de direito comum.  
 
O grande entrave é que as negociações nem sempre levam à extradição do criminoso e cada país vai gerindo a questão dos foragidos de acordo com a sua legislação. Portugal não é excepção. Em relação a todos os países exteriores ao espaço Schengen, mesmo com aqueles com que haja acordos de cooperação bilateral dos sistema policial e judicial, nem sempre a entrega dos supostos criminosos é realizada. Uma pessoa que cometeu um crime num desses países e que se refugiou em Portugal, após ser capturada pela polícia, é presente à Procuradoria- Geral da República e a extradição, caso venha a ser feita, assim como toda a parte processual, tem de obedecer a um conjunto de formas e regras mais rígidas.  
 
Com países sem tratados de extradição, a situação é ainda mais complicada. Na União Europeia, o trabalho da justiça é mais facilitado, nomeadamente entre os países que aderiram ao espaço Schengen. De fora estão apenas a Bulgária, a Roménia e Chipre, que ainda aguardam a implementação, a Islândia, a Noruega, a Suíça e o Liechtenstein, que não pertencem à União, e o Reino Unido, que recusou integrar o serviço europeu de polícia, cooperando, contudo, policial e judicialmente. Os casos de fuga para a Europa são raros até porque, para o director adjunto da PJ, o alerta é feito quase de imediato em todo o espaço Schengen.  
 
PJ recusa divulgar quantas pessoas andam fugidas  
 
evadidos Desconhece-se quantas pessoas são procuradas em Portugal pela polícia. A PJ não divulga os números de foragidos que se encontram em parte incerta e que já foram julgados à revelia, assim como o número de indivíduos que cumpriam pena de prisão mas que aproveitaram para fugir durante uma saída precária Sabese contudo que há cerca de três anos 761 cidadãos portugueses e estrangeiros estavam fugidos à Justiça.  
 
A PJ revelou pela última vez o número de pessoas com mandados de detenção por cumprir em Agosto de 2007. Todas esses 761 indivíduos estavam relacionados com vários crimes, desde abuso sexual de crianças, a falsificação de documentos, passando pelos crimes de associação criminosa e homicídio.  
 
Actualmente o número de procurados não deve ser muito diferente, mas a PJ recusa fazer comparações, afirmando apenas que o número de evadidos é muito pequeno e insignificante. Tal facto deixa algo perplexo do presidente do Observatório de Segurança, José Manuel Anes, que considera que esses dados estatísticos deviam ser do conhecimento público. A instituição não tem capacidade financeira para trabalhar nesse domínio, mas exige saber das estatísticas até para ter alguma base para a sua actuação. O problema está também no facto de existir três forças policiais a actuar ao mesmo tempo e com competências distintas. A GNR tem os seu número de indivíduos procurados tal como a PSP mas, como refere José Manuel Anes, "ninguém tem acesso a esses elementos" que deviam ser trocados entre as várias instituições, até porque disso depende grande parte do sucesso na resolução dos casos.  
 
Por seu lado, fonte da PJ afirmou ao DN que é a própria legislação portuguesa que não permite que essa informação seja divulgada, até porque muitas dos foragidos são alegados criminosos ainda não condenados.  
 
ENTREVISTA: JOSÉ MANUEL ANES  
 
Presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT)  
 
"Fazer identificações aleatórias"  
 
- O derrube das fronteiras físicas no espaço europeu veio proporcionar também a livre circulação de criminosos?  
 
- Não tenhamos a menor dúvida em relação a isso, e trata-se de um grande problema e cada vez mais preocupante. Tem de haver uma monitorização porque sabemos que entram em Portugal pessoas com problemas de legalidade.  
 
- Mas como é que isso pode ser feito?  
 
- Tem de haver identificações aleatórias nas estradas e fronteiras assim como nos aeroportos. Não se pode pôr em causa Schengen; o que deve é haver mais atenção no nosso território, nos principais eixos de entrada e saída e de circulação de pessoas.  
 
- Mas as nossas autoridades não têm feito isso?  
 
- Têm e até muito bem. Tanto a PJ, como o SEF, como as restantes forças policiais estão preparadas para esse controlo, e a verdade é que há resultados, como é o caso das detenções de elementos da ETA em Portugal. Pode-se dizer que é uma questão de sorte, mas é assim que o trabalho tem de ser feito. Identificações aleatórias em locais-chave.  
 
- Mas não entram apenas criminosos, também saem fugidos à justiça portuguesa...  
 
- Isso é inevitável, o que é preciso é que o alerta seja dado a nível global e em tempo útil para que o criminoso seja rapidamente detido.  
 
- Muitos desses indivíduos pertencem a grupos organizados?  
 
- Pelos dados que existem e que são partilhados entre os países, sabemos que muitas das pessoas que nos últimos meses têm efectuado assaltos em território nacional pertencem a grupos criminosos organizados, instalados sobretudo em Espanha. Grupos de cidadãos romenos, colombianos e outros. Por exemplo, no Sul de Espanha, sabemos existir uma verdadeira máfia russa que se dedica à lavagem de dinheiro e que já actuou na região do Algarve.  
 
- Mas acha que a polícia portuguesa está atenta a esta nova realidade?  
 
- Acho que está e o seu trabalho tem dado resultados. Temos de entender que a democracia também tem custos e neste caso custos na segurança que só podem ser resolvidos através do aperfeiçoamento do controlo e no trabalho conjunto entre todos os países.

 

> Publicado no Diário de Notícias a 7 de Fevereiro de 2011, por Alfredo Teixeira



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