Pareceres do CRFaro

Parecer N.º 17/P/2006 (Conselho Distrital de Faro)

Veio o Dr. …, advogado, requerer a dispensa de nomeações oficiosas, porquanto desde … de … de 2002 exerce funções no âmbito de um contrato de trabalho na …. Aí cumpre horário de trabalho, em …, sendo que o horário é das 8,30h. às 17,30h, com intervalo de 1 hora para almoço. Junta para tal Declaração. Embora nos devamos pronunciar sobre a dispensa pedida pelo Exmo. Colega para o patrocínio oficioso, nada impede, antes seja aconselhável, que se proceda à análise da sua situação.

 

 

Não existe qualquer incompatibilidade elencada no artº 77º do Estatuto com a actividade desenvolvida pelo Exmo. Colega.

No entanto, entende-se que tal indicação é meramente exemplificativa (vide ARNAUT, António, O Estatuto da Ordem dos Advogados, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, anotação ao artº 76º págs. 80-81) e que a Ordem deva verificar se, em cada caso, se verifica incompatibilidade entre a actividade do Advogado e o exercício da advocacia.

O Dr. Alfredo Gaspar in Estatuto da Ordem dos Advogados, Jornal do Fundão, 1985(?), embora entendesse que o elenco das incompatibilidades era taxativa, a mesma comportava interpretação extensiva (artº 11º do CC) ou restritiva. Diferentemente os Drs. António Arnaut, Fernando Sousa Magalhães e Valério Bexiga entendiam que as incompatibilidades elencadas no artº 69º do (anterior) EOA eram meramente exemplificativas.

No fundo estamos face a um caso de advogado de empresa (semi-advogados, no dizer do Dr. Valério Bexiga) e é saber se o mesmo pode exercer a advocacia fora do âmbito da sua empresa e daí também se estará sujeito a prestar patrocínio oficioso.

O Dr. Fernando Castro Silva (vide em www.oa.pt) escreve sobre o tema e aí desenvolve uma série de considerações com bastante interesse sobre o assunto, socorrendo-se do direito comparado para nos dar uma panorâmica geral da situação nos principais países europeus.

O artº 76º nº2 repete quase o anterior artº 68º e diz “O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possam afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão”. E a seguir elencam-se as incompatibilidades que são meramente exemplificativas. O que quer dizer que à Ordem caberá determinar, se, face a cada caso concreto, haverá incompatibilidade entre o exercício da advocacia e a actividade desenvolvida pelo Sr. Advogado (artº76, nº 5).

Assim, quer estejam elencadas ou não as incompatibilidades, estas podem existir em cada caso concreto.

No caso que nos foi posto temos que:

a) o Dr. … exerce a sua actividade, com contrato de trabalho sem termo, na …, em …;

b) O Dr. … cumpre o horário de trabalho das 8,30h. às 17,30h.

c) O seu local de trabalho é o da empresa;

Daqui se pode concluir que o Colega está impedido de receber qualquer beneficiário do apoio judiciário; exerce a sua actividade em regime de subordinação jurídica para uma entidade patronal, ainda que com independência funcional ou técnica (Valério Bexiga, Lições de Deontologia forense, ed. do autor, Faro, 2005, pág. 134); está impedido até fisicamente de ir aos tribunais, por força do seu horário de trabalho; a exercer, só com autorização da entidade patronal. Isto é o Colega não tem condições para exercer de forma livre e digna a advocacia e o apoio judiciário.

Encontra-se o Colega, em minha opinião, na mesma situação do previsto na al. j) do nº 1 do artº 77º do EOA, com a excepção prevista no nº3: o Colega não é livre e não poderá exercer, nestas condições, a advocacia com dignidade.

 

Assim sendo, sou do parecer que o Colega só poderá exercer a advocacia em regime de subordinação e exclusividade ao serviço da sua entidade patronal, pelo que não só fica dispensado, como fica impedido de exercer a advocacia no âmbito do apoio judicial e fora dele, desde que não seja ao serviço da sua entidade patronal.

Resta saber se, tendo o contrato início antes da entrada em vigor do presente Estatuto, o Colega beneficiará de um regime mais favorável, tendo em atenção o disposto no artº 81º do EOA.

Já atrás aflorámos que o hoje artº 76º, nº 2 tinha paralelo no artº 68, e que o artº 77º tinha semelhança com o artº 69 do antigo Estatuto. Aqui, a maioria dos autores citados tem por certo que a enumeração era exemplificativa e não taxativa. É também a minha opinião. Bastava, para haver incompatibilidade, que não houvesse possibilidade do exercício da profissão ser feito com independência e dignidade. Ora pelo exposto, já concluímos que o exercício da profissão naquelas condições põe em causa a dignidade e independência da profissão, pelo que se mantém inalterada a situação atrás considerada.

 

 

Assim:

O Exmo. Sr. Dr. … não só está dispensado do exercício do patrocínio oficioso, como está impedido de o exercer assim como a advocacia. O Colega só poderá exercer a advocacia em regime de subordinação e exclusividade ao serviço da sua entidade patronal.

 

 

Este é, s. m. o., o meu parecer.

Carlos Lopes

Topo