Pareceres do CRFaro

Parecer N.º 18/P/2006 (Conselho Distrital de Faro)

O Sr. Dr. …, Ilustre Advogado com escritório na …, titular da C. P. nº …, veio solicitar parecer no sentido de saber se lhe está vedado o patrocínio de cliente no quadro factual que assim descreveu:

 

1- A Sra. … contratou o requerente para interpor uma acção de divórcio contra ….

 

2- O requerente explicou à D. … as vantagens de encontrar uma solução consensual, sugerindo-lhe que o marido contratasse um advogado, no sentido de facilitar um acordo.

 

3- A requerente e o marido deslocaram-se ao escritório do ora requerente, tendo o marido referido que já tinha tido uma reunião com um advogado, o Dr. …, apenas no sentido de o aconselhar, mas que não precisava de qualquer advogado.

 

4- Em duas reuniões em que estavam presentes o requerente, a D. … e o Sr. …, foram discutidos os termos do acordo.

 

5- Nessas reuniões, por diversas vezes o marido referiu que outros advogados que havia consultado o tinham aconselhado em determinado sentido.

 

6- Os requerentes assinaram os acordos de divórcio, regulação do poder paternal, relação de bens e de utilização da casa de morada de família que, o requerente deu entrada na Conservatória do Registo Civil de ….

 

7- O requerente juntou ao processo uma procuração apenas a favor da D. ….

 

8- O requerente esteve presente na conferência de divórcio.

 

9- Os honorários do requerente foram pagos pela D. …, a quem o requerente passou o respectivo recibo.

 

10- A D. … foi agora notificada de um requerimento de alteração de regulação do poder paternal.

 

11- O Sr. … deixou de pagar a pensão de alimentos. Termina pedindo parecer «no sentido de informar se:

 

« a) O requerente pode exercer o mandato judicial em representação da D. … na acção de alteração de regulação do poder paternal instaurado pelo Sr. …;

 

« b) O requerente pode exercer o mandato judicial em representação da D. … na acção de execução de alimentos e violação do acordo de regulação do poder paternal contra o Sr. …».

 

 

A factualidade relatada pelo Dr. … deve ser enquadrada e analisada à luz do disposto no artº. 94º., nº.1, do E.O.A., que preceitua:

 

« 1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária ».

A questão suscitada pelo Sr. Dr. … prende-se com a circunstância do … ter estado no seu escritório durante a preparação da documentação a apresentar na Conservatória do Registo Civil, e em que qualidade o fez, designadamente se aí se deslocou como mandante do Dr. …. Trata-se, no fundo, de saber se o … se deslocou ao seu escritório como seu cliente, o que consubstanciaria uma situação em que o Dr…. seria, então, mandatário de ambos os requerentes do divórcio.

Moitinho de Almeida, citado por Alfredo Gaspar no Estatuto da Ordem do Advogados anotado, pág.145, diz que «por cliente de advogado deve entender-se os constituintes e consulentes deste (“Dos direitos e deveres dos advogados”, R.O.A., 32, 121)».

 

No caso em apreço, o … não só não passou procuração ao Dr. …, como declarou que não precisava de qualquer advogado por já haver sido aconselhado pelo Sr. Dr. …, com quem já se reunira, e que outros advogados que havia consultado o tinham aconselhado em determinado sentido.

Vê-se, assim, que o … não foi constituinte nem consulente do Sr. Dr. …, orientando-se e actuando por motu próprio de acordo com as instruções e aconselhamentos que afirmou ter recebido de outros advogados.

 

Como ensina Valério Bexiga nas suas Lições de Deontologia Forense, pág. 324, «Estas restrições (do artº.94º. do E.O.A.) destinam-se a evitar situações dúbias, que diminuam a independência, ou autonomia, do advogado, ou que sugiram a ocorrência de fraude».

 

As circunstâncias em que ocorreram os contactos do … com o Dr. … afastam toda e qualquer dúvida sobre quem era cliente: a … que o procurou para a patrocinar, que lhe pagou os respectivos honorários e que dele recebeu o correspondente recibo.

 

Tais contactos não diminuem, de forma alguma, a independência e/ou a autonomia do Dr. … no exercício do mandato que lhe seja conferido pela …, esta sim sua cliente no processo de divórcio, podendo deste modo patrociná-la com toda a liberdade e nos termos que entender mais convenientes para a defesa dos legítimos interesses da sua constituinte.

 

 

O meu parecer é, pois, s.m.o., de que o Sr. Dr. … pode:

 

a) exercer o mandato judicial em representação da D. … na acção de alteração de regulação do poder paternal instaurada pelo Sr. …;

 

b) exercer o mandato judicial em representação da D. … na acção de execução de alimentos e violação do acordo de regulação do poder paternal contra o Sr. ….

Amadeu Carrilho

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