Pareceres do CRFaro

Parecer N.º 9/P/2006 (Conselho Distrital de Faro)

1.- A … – Sociedade de Advogados RL, com domicílio profissional em …, solicita ao Conselho Distrital de Faro que se pronuncie sobre o dever de guardar sigilo profissional quanto a documentos que se encontram em dossiers de clientes daquela sociedade de advogados, dado que, no decurso de uma inspecção tributária, foi a sociedade notificada para apresentar os justificativos de pagamentos efectuados em nome e por conta dos clientes (nomeadamente contratos promessas e outros documentos comprovativos de tais pagamentos constantes nos respectivos dossiers), procurando saber se a apresentação dos mesmos constituirá violação do disposto no nº 3 do art. 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante, abreviadamente, EOA).

 

 

2.- Deve partir-se do pressuposto que a sociedade de advogados peticionante, no cumprimento do disposto no art. 96º do EOA, prestou contas aos seus clientes dos valores que lhes foram confiados, tendo-lhes restituído, a final, os documentos e valores que lhes pertenciam. De igual modo, parte-se do princípio que a aludida sociedade de advogados observou o que se mostra estipulado no art. 97º do EOA, mantendo os registos dos completos e precisos dos fundos dos clientes e à disposição destes, distinguindo a respectiva conta-cliente das contas bancárias próprias da actividade da sociedade.

Se assim foi – e nada nos leva a crer que não o tenha sido, atendo o disposto naqueles preceitos estatutários – só podemos concluir que os clientes daquela sociedade de advogados deterão os documentos comprovativos dos pagamentos efectuados por sua conta e em seu nome, bem como cópias dos registos de aplicação dos fundos que, para tais pagamentos, entregou à sociedade de advogados.

 

 

3.- Ora, no que concerne aos dossiers dos Clientes que a … – Sociedade de Advogados RL possui no seu escritório, os mesmos estão, indubitavelmente, abrangidos pelo segredo profissional. Nesse dossier poderão estar memorandos de consultas, documentos com instruções fornecidas pelo cliente, registos de informações orais, documentos referentes a troca de correspondência confidencial ou respeitantes a negociações malogradas, apontamentos de estratégias de defesa, etc., manifestamente acobertados por segredo profissional e, por tal, de acesso absolutamente reservado e com proibição de revelação, a não ser que esta seja autorizada ou ordenada, nos termos do disposto no nº 4 do art. 87º do EOA ou no art. 135º do Código de Processo Penal. Nessa medida, de acordo com o disposto no nº 3 daquele art. 87º, tais documentos estão abrangidos pelo segredo profissional, dever que o advogado (ou as sociedades de advogados) devem escrupulosamente observar.

 

 

4.- Por outro lado, assentes os pressupostos referidos em 2., estarão na posse dos clientes da sociedade de advogados os documentos comprovativos dos pagamentos efectuados por esta em nome e por conta de cada um daqueles (e, por isso, logicamente não inseridos na contabilidade própria da sociedade de advogados), designadamente extracto do registo da conta-cliente, recibos de pagamentos e contratos promessas.

Do ponto de vista do advogado tais documentos só podem ser revelados e fornecidos aos próprios clientes, salvo as situações excepcionais já mencionadas e contempladas pelos arts. 87º, nº 4, do EOA e art. 135º do Código de Processo Penal.

Destarte, sendo possível à administração fiscal solicitá-los aos próprios clientes da sociedade de advogados (que não se encontram, esses sim, vinculados a qualquer sigilo e que são os seus directos interessados, legítimos detentores e destinatários do serviço prestado), parece ser despropositado fazer sucumbir o dever de sigilo profissional em face daqueloutra possibilidade de conhecimento desses meios e comprovativos de pagamentos.

 

 

5.- Por outro lado, a descrição concreta e individualizada dos serviços prestados aos clientes – que conterá as acções específicas desenvolvidas pela sociedade de advogados ao serviço de cada um destes, em função das instruções recebidas e dos interesses a defender -- mantém-se ainda na esfera da confidencialidade que pauta a relação advogado/cliente. Basta atentar, p. ex., que a própria Lei nº11/2004 de 27 de Março, fixando o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniências ilícitas, estabelece um específico regime para os advogados quanto à revelação de informações obtidas no âmbito de consulta jurídica e de representação e patrocínio que só pode ser feita perante o Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados.

 

 

6.- Porém, flui do pedido da … – Sociedade de Advogados RL ser ela a contribuinte sujeita à inspecção tributária referida. É, pois, admissível, que a revelação daqueles elementos se destine à administração tributária aferir a veracidade das declarações de impostos apresentadas pela aludida sociedade e/ou apurar e fixar outros valores tributáveis. Neste conspecto, por estar em causa a defesa de um direito e interesse legítimo da própria sociedade de advogados, poderá sempre esta pedir, nos termos do nº 4 do art. 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados, a autorização para a revelação daqueles elementos desde que absolutamente necessários para a defesa daqueles seus direito e interesse.

Contudo, por não ter sido esse o objecto do pedido formulado crê-se que o que a questão essencial suscitada é o poder da inspecção tributária de impor ao advogado a revelação daqueles solicitados elementos. Não nos parece que possa fazê-lo da forma como o fez (uma mera notificação para apresentação daqueles elementos). Pretendendo adquirir o conhecimento dos mesmos através da revelação pelo advogado, terá que fazê-lo através do procedimento consagrado no art. 135º do Código de Processo Penal, por uma das duas vias aí contempladas: ou considerando ilegítima a recusa de revelação e provocando o respectivo incidente; ou, considerando legítima essa recusa, suscitar a prevalência de um outro interesse preponderante.

 

 

Este é, s.m.o., o nosso parecer.

 

 

Faro, 18 de Novembro de 2006

António Cabrita

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