Pareceres do CRFaro

Parecer N.º 15/P/2006 (Conselho Distrital de Faro)

I- Pedido de Parecer.

 

O Dr. …, Advogado Estagiário, portador da Cédula Profissional …, requereu ao Conselho Distrital de Faro que emitisse um parecer, no sentido de esclarecer o sentido e o alcance da alínea b) do nº1 e nº2 do artigo 189º do EOA, aprovado pela Lei nº15/2005, de 26/01.

 

As duas questões concretas suscitadas pelo Dr. … são as seguintes:

A) Quando deve o advogado requerer a sua substituição em processo penal que exceda os limites da sua competência?

B) Qual o sentido da expressão “… desde que efectivamente acompanhado…”, que consta do nº2 do artigo 189 do EOA?

 

 

II- Da legislação em causa.

 

O artigo 189º do EOA, sob a epígrafe “ Competência dos advogados estagiários”, dispõe o seguinte:

“Uma vez obtida a cédula profissional como advogado estagiário, este pode autonomamente, mas sempre sob orientação do patrono, praticar os seguintes actos profissionais:

….

b)Exercer a advocacia em processos penais da competência de tribunal singular e em processos não penais por mútuo consentimento;

….

2-Pode ainda o advogado estagiário praticar actos próprios da advocacia em todos e demais processos independentemente da sua natureza ou valor, desde que efectivamente acompanhado de advogado que assegure a tutela do seu tirocínio, seja o seu patrono ou o seu patrono formador.”

 

 

III- “Ratio Legis”

 

O artigo 189º EOA limita a actividade profissional do advogado estagiário, considerando a sua menor experiência e acautelando o interesse público da advocacia, cujo exercício visa defender os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

A citada disposição legal enumera no nº1 os actos que os advogados estagiários podem praticar autonomamente mas sob orientação dos patronos e, no nº2, o legislador criou uma norma inovadora que alarga a competência dos advogados estagiários, permitindo-lhes praticar todos os actos próprios da advocacia, desde que acompanhados do seu patrono ou patrono formador.

É clara a intenção do legislador de proteger a confiança que o cidadão deposita na advocacia, ao não conceder autonomia ao advogado estagiário para determinados procedimentos judiciais de maior relevância, impondo como garantia adicional da prática adequada de actos jurídicos a co-responsabilização de um advogado mais experiente.

 

 

IV- Da aplicação ao caso concreto.

 

Quando deve o advogado requerer a sua substituição em processo penal que exceda os limites da sua competência?

 

Ao analisarmos esta questão temos que distinguir as situações do advogado constituído pelo arguido e do defensor oficioso.

 

a) Advogado constituído.

A aplicação da lei deve ter presente o fim e o intuito da lei, pelo que, se a disposição em análise visou limitar a competência dos advogados estagiários na defesa do interesse público, quando o advogado estagiário se aperceba que o processo em apreço ultrapassa a sua competência deve, de imediato, tomar as diligências necessárias que visem suprimir a sua incapacidade, nomeadamente, providenciar pela sua substituição.

Os direitos dos cidadãos são postos em causa desde o início do processo, pelo que, perante a indiciação de crimes cuja competência excede a actividade do advogado estagiário, não se vislumbra que o mesmo deva aguardar por qualquer acto que confirme essa incapacidade.

 

b) Defensor oficioso.

Ao analisarmos esta questão, temos que ter em consideração o disposto no artigo 62º do C.P.Penal, que dispõe que :

”1 - O arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo.

2 - Nos casos em que a lei determinar que o arguido seja assistido por defensor e aquele o não tiver constituído ou o não constituir, o juiz nomeia-lhe advogado ou advogado estagiário, mas o defensor nomeado cessa funções logo que o arguido constituir advogado. Excepcionalmente, em caso de urgência e não sendo possível a nomeação de advogado ou de advogado estagiário, poderá ser nomeada pessoa idónea, de preferência licenciado em Direito, a qual cessa funções logo que seja possível nomear advogado ou advogado estagiário.)

3 - A nomeação referida no número anterior pode ser feita:

a) Nos casos previstos no artigo 64º , Nº 1, alínea c), pelo Ministério Público ou por autoridade de polícia criminal;

b) Nos casos previstos no artigo 64º, Nº 3, e artigo 143º, Nº 2, pelo Ministério Público.”

 

A lei processual penal não limita a competência dos advogados estagiários, não prevendo as situações em que o Juiz deve nomear advogado ou advogado estagiário.

No Acórdão de 08/05/2003, o STJ tomou posição sobre uma questão idêntica, ao interpretar o teor do artigo 62º do CPP, em conjugação com o artigo 164º do EOA (o artigo 164 do EOA era a disposição que na altura limitava a competência dos advogados estagiários) referindo que:

“Pode ser nomeado, como defensor em processo crime da competência do tribunal colectivo, um advogado estagiário, não obstante o disposto no art. 164.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, quanto à competência dos advogados estagiários, disposição que não pretendeu tomar posição sobre a questão de saber quem pode ser nomeado defensor num processo crime, mas sim estabelecer, à luz das disposições estatutárias, a competência própria dos advogados estagiários."

 

No nosso entendimento, parece-nos evidente que sendo o E.O.A uma lei da República terá a mesma força legal que todas as outras hierarquicamente equivalentes, não sendo legítimo que se diminua o valor da mesma por integrar um Estatuto de uma Ordem Profissional.

Acresce que, a razão de ser da mencionada norma, não é a preservação do interesse dos elementos dessa ordem, mas a defesa do interesse público, assegurando uma forma de garantir uma maior eficácia na defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Ao vislumbrarmos uma diferenciação de regime entre aqueles que beneficiam do defensor oficioso e dos que constituem mandatário, com menos garantias de justiça dos primeiros em relação aos segundos, temos que concluir que existe uma desigualdade no acesso à justiça, ao arrepio do artigo 20º da C.R.P.

A interpretação do artigo 62º do C.P.P. apenas se justifica conjugando com o artigo 189º do E.O.A., no sentido de ser nomeado defensor advogado ou advogado estagiário, consoante as competências de cada um.

Nem nos parece que fizesse sentido a lei processual penal pronunciar-se sobre as competências dos advogados e advogados estagiários, sob pena de ter que o fazer em relação a todos os intervenientes judiciais.

As leis integram-se dentro de um sistema legislativo que têm uma finalidade coerente, não podendo interpretar-se de forma desconexa e considerando isoladamente cada uma das leis.

A interpretação pretendida entra em colisão com o EOA e com a lei constitucional, não nos parecendo admissível num verdadeiro sistema legislativo.

Não obstante, não podemos esquecer que, em termos práticos, nem sempre é possível nomear um advogado para todos os processos da competência do Tribunal Colectivo.

Nestas circunstâncias, e apenas quando tal se verifique, se admite que o defensor oficioso seja um advogado estagiário, porquanto da análise dos antecedentes históricos do artigo 62 do CPP resulta a preocupação do legislador precaver o funcionamento da justiça em detrimento da assistência condigna do defensor oficioso, prevendo, inclusivamente, que o arguido fosse assistido por uma pessoa idónea.

 

Em face do exposto, entendemos que também na defesa oficiosa o advogado estagiário deve providenciar pela sua substituição, assegurando o patrocínio quando a mesma não for possível.

 

B) Qual o sentido da expressão “… desde que efectivamente acompanhado…”

 

A garantia da prática de determinados actos é a co-responsabilização do patrono ou patrono formador.

Em face do exposto, todos os actos que sejam praticados no processo, em que se discutam questões de direito, o patrocinado tem que ter a garantia que existe a concordância de um advogado mais experiente.

Quando os actos são escritos, o patrono deve subscrevê-lo conjuntamente com o advogado estagiário, no caso dos actos orais, o patrono ou patrono formador, deve estar fisicamente ao lado do advogado estagiário, em todos os momentos do processo.

Apenas desta forma se assegura o efectivo acompanhamento do patrono ou patrono formador.

Desnecessário será referir, que o mandato judicial deve ser conferido conjuntamente ao advogado estagiário e patrono ou patrono formador.

 

 

Este é, s.m.o., o meu parecer.

José Leiria

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