Pareceres do CRFaro

Parecer N.º 1/2004 (Conselho Distrital de Faro)

I

            I.1.- O Exmo. Sr. Dr. …, Ilustre Advogado da “… – Sociedade de Advogados”, com escritório em …, solicita ao Conselho Distrital de Faro (CDF) da Ordem dos Advogados a emissão de parecer sobre questões que se suscitaram no âmbito da relação profissional que mantém com o ….

 

            I.2.- Os factos que aquele Ilustre Advogado apresenta são, para o que aqui importa, os seguintes:

            a.- O Sr. Dr. … mantém com o …, desde … de 1992, um contrato de prestação de serviços, em regime de avença (inicialmente, em seu nome e, depois, em nome da identificada sociedade de advogados);

            b.- Por tal contrato o Sr. Dr. … vinculou-se prestar ao …  “...patrocínio judiciário activo e passivo no âmbito do Contencioso com as Companhias de Seguros e particulares devedores à Instituição, devendo propor e contestar acções judiciais em que o primeiro outorgante surja como autor ou réu, representar o primeiro outorgante nas tentativas de conciliação que tiverem lugar e audiência de discussão e julgamento no âmbito dos processos atrás referidos...”;

            c.- No cumprimento desse contrato o Ilustre Advogado desloca-se diariamente ao Gabinete Jurídico do …, onde tem centralizados todos os processos de contencioso judicial e extrajudicial, dado que sempre aquele estabelecimento … lhe prestou o necessário apoio administrativo, concretamente através de disponibilização de um secretariado próprio e de um espaço físico (gabinete);

            d.- Para melhor identificação e controle do expediente judicial e extrajudical do serviço que presta ao …, nomeadamente correspondência, o Sr. Dr. …, nas procurações forenses que lhe são outorgadas por aquele estabelecimento …, indica como domicílio profissional o …;

            e.- Por via disso, a correspondência dirigida ao Sr. Dr. … (ou a dirigida ao Sr. Dr. …, também advogado avençado do …) era recebida no Serviço de Expediente do … e, posteriormente, distribuída a cada um dos seus destinatários pela secretária que o … disponibilizou para o Gabinete Jurídico;

            f.- Em … de 2004 o Conselho de Administração (CA) do … designou como Coordenadora do Gabinete Jurídico a Técnica Superior, Dra. …, licenciada em Direito;

            g.- Em … de 2004 o Sr. Vogal Executivo do CA do … proferiu despacho dirigido à Chefe de Repartição do Serviço de Expediente do …, nele tendo exarado o seguinte: “Para os devidos efeitos determino que toda a correspondência remetida ao Gabinete Jurídico desta instituição deverá ser entregue pessoalmente à Exma. Sra. Dra. …, designada pelo Conselho de Administração como Coordenadora do Gabinete Jurídico, por despacho de … de 2004.”;

            h. Cópia do aludido despacho foi remetida ao Gabinete Jurídico “para conhecimento e efeitos tidos por convenientes”;

            i.- A partir de … de 2004 o Sr. Dr. … passou a receber a correspondência que lhe era dirigida, aberta, visada e despachada pela Dra. …, Coordenadora do Gabinete Jurídico do …;

            j.- Perante esta situação o Sr. Dr. … dirigiu à Chefe de Repartição do Serviço de Expediente do …, em … de 2004, com conhecimento aos membros do CA, uma comunicação onde plasmou: “...tendo verificado que a correspondência que me é dirigida pelos Tribunais, no âmbito do mandato regularmente conferido pelo …, tem sido objecto de visto e despacho prévio da Senhora Dra. …, comunico a V. Excia., na qualidade de responsável pelo Serviço de Expediente do …, que a partir deste momento não autorizo a sua abertura, devendo esta de futuro ser remetida ao próprio, no envelope fechado.”;

            l.- Em resposta, a Chefe de Repartição do Serviço de Expediente informou que o procedimento adoptado decorria do cumprimento do despacho do Vogal Executivo do CA de … de 2004 e que “...não poderemos considerar que a correspondência que lhe está nominalmente dirigida seja particular, uma vez que vem dirigida ao …, e por isso deve ser aberta, registada e remetida ao Gabinete Jurídico de acordo com a ordem do órgão de gestão em anexo.

            m.- Em face desta informação o Sr. Dr. …, em … de 2004, solicitou ao CA do … a revisão da posição assumida pelo seu Vogal Executivo, alertando para o facto de tal comportamento ser potencialmente violador do segredo profissional consagrado no art. 81º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e ainda, em abstracto, passível de violar o disposto no art. 194º do Código Penal.

            n.- Em … de 2004 o CA do … comunicou àquele Ilustre Advogado o teor da deliberação tomada em … de 2004 sobre o assunto: “O Conselho de Administração subscreve na integra o despacho de … de 2004 do Exmo. Vogal do Conselho de Administração, Dr. ….”.

 

            I.3.- Neste quadro fáctico apresentado, o Sr. Dr. … pede ao CDF a emissão de parecer sobre as seguintes questões:

            a.- Possibilidade de designação de um coordenador com poderes de ingerência na actividade de advocacia exercida no âmbito de um contrato de prestação de serviços (avença) e ainda no âmbito do próprio mandato forense;

            b.- Legitimidade da determinação do senhor Vogal Executivo do CA de … de 2004, e sua confirmação por este órgão, atendendo a que a correspondência postal é nominativa e endereçada ao Ilustre Advogado no âmbito do mandato forense cometido pelo …;

            c.- Eventual violação do disposto no art. 81º do EOA e do art. 194º do Código Penal;

            d.- Procedimentos a seguir pelo Ilustre Advogado.

 

 

II

            II.1.- O Sr. Dr. … mantém com o … um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, pelo qual presta a este estabelecimento de saúde os seus serviços profissionais de advocacia (concretamente o patrocínio judiciário), mediante uma contrapartida mensal certa.

            Tal contrato fidelizará o Sr. Dr. … como advogado do …, mas em nada altera o conteúdo, relação e natureza do mandato judicial que, para cada processo, o … terá de conceder àquele Ilustre Advogado, para adequada representação e regular patrocínio.

            A existência daquele contrato de prestação de serviços, em regime de avença, também não pode beliscar, limitar ou distorcer a isenção e a independência do advogado contratado, mormente no aspecto técnico.

            De igual modo, a existência do mandato forense e/ou do contrato de prestação de serviços não poderá nunca afectar os direitos e deveres que ao Sr. Dr. …, como advogado, são reconhecidos e impostos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pelo Decreto-lei nº 84/84 de 16 de Março e recentemente alterado e repristinado pela Lei nº 80/2000 de 20 de Junho).

           

II.2.- Ou seja, é por demais evidente que, qualquer que seja a natureza do vínculo profissional estabelecido, quaisquer que possam ser os interesses e as pretensões do cliente a defender e a prosseguir, quaisquer que sejam as instruções recebidas do patrocinado, existe um conjunto de direitos e deveres (designadamente os consignados no EOA) que o advogado não pode deixar de observar, mesmo em caso de eventual colisão com a natureza daquele vínculo ou com os interesses, pretensões e instruções do cliente ou patrocinado.

 

 

III

            III.1.- Um desses direitos (ou, mais propriamente, um direito/dever) do advogado é o da sua plena independência, característica essencial da profissão, amplamente consagrada no nosso EOA (p. ex., art. 76º, nº 2) e reconhecida em muitos outros diplomas legais, maxime  na Constituição da República Portuguesa (art. 208º). Essa independência abrange seguramente os aspectos técnicos da actuação processual e profissional insusceptíveis de serem determinados, controlados, avaliados, limitados ou conformados pelo cliente ou por quem quer seja.

            Assim sendo – como, efectivamente, é – não pode o cliente do advogado, por si ou por designada pessoa, ter qualquer pretensão de ingerência na actividade concreta deste nem determinar-lhe ou controlar a sua actuação técnica, mesmo no âmbito de um mandato forense. Por tal independência técnica é que se mostra reconhecido o direito do cliente solicitar ao advogado a opinião sobre o merecimento do seu direito ou pretensão e o dever deste fornecê-la de forma conscienciosa e fundamentada (cf. alínea c. do nº 1 do art. 83º do EOA); o direito-dever do advogado recusar o patrocínio a questões que considere injustas e não advogar contra lei expressa (cf. alíneas b. e c. do art. 78º do EOA); o dever do advogado prestar ao cliente informação sobre o andamento das questões que lhe estão confiadas (cf. alínea c. do nº 1 do art. 83º do EOA).

 

            III.2.- Ora, no caso em apreço, e quanto à primeira das questões colocadas pelo Sr. Dr. …, afigura-se-nos incontroverso e inteiramente legítimo poder o CA do … designar ou nomear quem muito bem entender para, preenchendo os requisitos legais para o efeito, ser o Coordenador do Gabinete Jurídico. É um poder que não lhe pode ser retirado e sobre o qual nenhum comentário emitiremos sequer.

            Porém, nem o CA do … nem a Coordenadora do Gabinete Jurídico nomeada podem interferir ou ingerir-se na área de conhecimentos e de actuação concreta dos advogados que prestam serviço profissional a … e/ou integram o seu Gabinete Jurídico. Mesmo possuindo a licenciatura em Direito (o que, só por si, não basta para se poder exercer a advocacia), não pode a Coordenadora do Gabinete Jurídico nomeada pelo CA do … determinar ao Sr. Dr. … formas de actuação concreta processual e profissional que não sejam meras orientações gerais quanto às pretensões do … nos diferentes processos em que intervém, distribuir processos pelos diferentes advogados daquele Gabinete, fornecer os elementos e documentos indispensáveis à instrução desses processos, decidir sobre propostas transaccionais apresentadas.

            A isenção e a independência que são elementos essenciais da profissão de advogado não permitem que ninguém – nem mesmo o cliente – se imiscua nas decisões, comportamentos e aspectos técnicos processuais e comportamentais concretos do advogado, no exercício da consulta jurídica e do patrocínio forense, actos exclusivos da advocacia.

            À Coordenadora do Gabinete Jurídico do … assistirá o direito de colher dos advogados a opinião técnica sobre os assuntos que lhes forem distribuídos e confiados, opinião que estes devem prestar de forma conscienciosa e fundamentada, bem como a informação sobre o andamento e estado dos processos (art. 83º do EOA). Qualquer outra atitude de controlo ou pretensão de ingerência nos aspectos técnicos da profissão de advogado é ilegítima e inadmissível.

 

 

IV

            IV.1.- Pelo que vem relatado (e documentado por fotocópias), há correspondência expressamente dirigida ao Sr. Dr. … recepcionada nos serviços do …. Isto porquanto, identificando perfeitamente como destinatário dessa correspondência aquele Ilustre Causídico, tem a mesma como referência de endereço postal o “”.

            Ora, não obstante aí haver referência ao …, é absolutamente inequívoco que naquela correspondência está expressamente indicado o seu concreto e individualizado destinatário: o Sr. Dr. …. Não pode haver a mínima dúvida de que essa correspondência é dirigida a este Ilustre Advogado, para um endereço postal onde figura, como melhor referência de localização conhecida, o ….

            É contra todo o bom senso, cultura social e civilidade entender-se que, por se fazer referência ao …, qualquer dirigente ou funcionário desta instituição está legitimado a abrir e tomar conhecimento de correspondência que vem dirigida, individualizadamente, a um funcionário ou colaborador do …. Tal peregrino e viciado entendimento conduziria a que toda e qualquer carta dirigia, por exemplo, a um médico que aí prestasse serviço, nominando-o expressamente e contendo, v.g., um cheque ou um convite para Secretário de Estado da Saúde, pudesse ser aberta e devassada por quem o CA nomeasse para o efeito, apenas com o absurdo argumento de que essa carta, não obstante a clara individualização do seu destinatário, havia sido dirigida para o …, ou de que, por aquele aí prestar serviço, havia sempre legitimação para abertura dessa correspondência...

            Diferente seria se a correspondência não se mostrasse pessoalizada; ou seja, se fosse dirigida ao “…”, ou ao “Gabinete Jurídico do …” ou aos “Serviços de Cardiologia do …”. Mas não é esta a situação, de em todo.

            O pedido deste parecer contém documentos fotocopiados que comprovam que a correspondência em causa é nominativa, dirigida ao Sr. Dr. …, nela expressa e perfeitamente individualizado, para um endereço postal que identifica a localização do ….

            O único destinatário dessa correspondência é, inegavelmente, o Sr. Dr. … e não o ….

 

            IV.2.- A inviolabilidade de correspondência está consagrada constitucionalmente (art. 34º da Constituição da República Portuguesa). A violação da correspondência constitui crime, previsto e punido pelo art. 194º do Código Penal.

            Por isso, não queremos sequer acreditar que o despacho do Sr. Vogal Executivo do CA do … de … de 2004 (despacho posteriormente subscrito e assumido pelo CA) envolvesse ou tivesse alguma vez previsto a abertura, pelos serviços de expediente ou outros, de correspondência dirigida a quem nela se mostrasse devidamente individualizado. Não nos passa sequer pela ideia que tal despacho pudesse ter em vista a abertura de correspondência dirigida ao Ilustre Advogado Sr. Dr. … e nela claramente identificado, apenas porque endereçada ao ….

            E não queremos ter essa convicção pelo simples facto de ser tão gritante e grave tal intenção e comportamento, que muito dificilmente se pode acreditar estar o Conselho de Administração do … a determinar, com aquele despacho, a prática de um crime de violação de correspondência (art. 194º do Código Penal).

 

            IV.3.- Aquela nossa convicção está também assente na análise do texto do próprio despacho do Vogal Executivo do CA de … de 2004. Com efeito, o que se mostra exarado naquele despacho é o seguinte: “Para os devidos efeitos determino que toda a correspondência remetida ao Gabinete Jurídico desta instituição deverá ser entregue pessoalmente à Exma. Dra. …, designada pelo Conselho de Administração como Coordenadora do Gabinete Jurídico, por seu despacho de … de 2004.”.

            Como é bom de ver, em nenhum passo deste despacho se faz referência a qualquer abertura de correspondência pessoalizada e individualizada remetida para o …. Nem, ao que julgamos, poderia tal despacho atrever-se a tanto. Nos exactos termos desse despacho o Serviço de Expediente deverá entregar pessoalmente à Coordenadora do Gabinete Jurídico toda a correspondência que venha dirigida a tal Gabinete. E tão só. Em nenhum trecho desse despacho se diz ou se permite que correspondência dirigida individualmente a funcionários e/ou colaboradores desse Gabinete possa ser aberta por terceiros ou entregue àquela Coordenadora para ser aberta. Nem o podia fazer, por tal constituir crime.

            O despacho em alusão limita-se a instruir o Serviço de Expediente do … que correspondência dirigida ao “Gabinete Jurídico” deverá ser entregue pessoalmente (sem ser aberta, presumimos nós) à respectiva Coordenadora. Tão só e ponto final.

Na prática, todas as cartas recebidas no …, onde venha indicado como destinatário “Gabinete Jurídico”, devem ser entregues pessoalmente à Coordenadora daquele Gabinete pelo Serviço de Expediente do ….

Daí que toda a correspondência dirigida ao Sr. Dr. …, individualizando-o como destinatário da mesma, se bem que endereçada para o …, não pode estar abrangida por aquele despacho, devendo-lhe ser entregue (ou a quem ele indicar) ainda fechada.

 

            IV.4.- Todavia, o que vem demonstrado pelas fotocópias juntas com o pedido de parecer é que correspondência expressamente dirigida ao Sr. Dr. … (nela perfeitamente individualizado) foi aberta e visada, bem como objecto de despacho da Coordenadora do Gabinete Jurídico. O que é, em todos os aspectos, inadmissível.

            Poderia ter havido, porventura, uma deficiente e distorcida interpretação do despacho do Sr. Vogal Executivo do CA do …, confundindo-se o serviço (“Gabinete Jurídico”) com as pessoas que o integram.

Porém, a resposta da Chefe de Repartição do Serviço de Expediente do … à comunicação que lhe dirigiu o Sr. Dr. … não autorizando a abertura de correspondência que lhe fosse dirigida, afasta essa “confusão” e encerra uma preocupante interpretação: não considerar particular a correspondência que, estando individualizada, seja endereçada para o …, e, por isso, permitir-se abri-la, registá-la e distribui-la. E para tal absurda interpretação, alicerça-se essa resposta naquele mencionado despacho, referindo estar a cumpri-lo como ordem do órgão de gestão. Ora, tal despacho, em lado algum, refere a possibilidade de abertura de correspondência individualizada; e se porventura a referisse, ao mesmo não seria devida qualquer obediência, por se tratar duma ordem manifestamente inconstitucional, absurda e ilegal.

De facto, determina o nº 1 do art. 194º do Código Penal que “Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido (...) é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.

Não só não poderiam ter sido abertas as cartas dirigidas ao Sr. Dr. … como, após a comunicação deste acusando tal situação e não autorizando essas aberturas, se mostra intencional e premeditada a prática daquele crime de violação de correspondência. Sem qualquer margem de dúvida.

 

            IV.5.- Destarte, o despacho de … de 2004 do Sr. Vogal Executivo do CA do … (posteriormente assumido por este órgão de gestão), se entendido como encerrando uma determinação de abertura de correspondência individualizada dirigida a funcionários e colaboradores do …, será abusivo e ilegal, fazendo incorrer em crime quem, com tal entendimento, lhe der cumprimento e execução.

 

 

V

            V.1.- À situação supra descrita acresce o facto do Sr. … ser advogado e, nessa sua actividade, prestar serviços ao …, no âmbito de consulta e patrocínio judiciário.

            Ora, como advogado, está aquele Ilustre Causídico obrigado a segredo profissional, ou seja, a não revelar factos relativos a assuntos profissionais que tenham sido conhecidos no exercício da profissão ou revelados pelo cliente, co-autor, co-réu, co-interessado do cliente ou pela parte contrária ou respectivos representantes e mandatários (art. 81º, nº 1, do EOA).

            Ao mesmo segredo estão vinculados, como tem sido pacífico entendimento, os colegas, colaboradores ou funcionários do advogado depositário de tal segredo. Colegas, colaboradores e funcionários que, como não podia deixar de ser, são livremente escolhidos pelo advogado e em quem terá este, necessariamente, que depositar plena confiança. Se assim não fosse, não seria possível ao advogado controlar os detentores desse segredo, para efeitos de apuramento da fonte de eventual fuga ou revelação.

            Ora, se um desconhecido e indeterminado número de pessoas, à revelia do advogado, tiver acesso ao segredo de que este é depositário, acedendo, sem o seu conhecimento e/ou autorização, ao conteúdo da correspondência profissional trocada, dificilmente, em caso de revelação desse segredo, se poderá detectar a origem e fonte da mesma e desresponsabilizar o seu directo obrigado.

            E o sigilo profissional não constitui apenas um privilégio ou um direito dos advogados. Configura-se, sobretudo e antes do mais, como um dever de ordem pública, dado que o valor jurídico de tutela do segredo profissional é o interesse social e público da confiança, matiz de toda a relação advogado/cliente.

 

            V.2.- É notadamente provável que a maior parte da correspondência dirigida ao Sr. Dr. …, endereçada para o …, seja de índole profissional. Nela estarão, seguramente, notificações judiciais de despachos e peças processuais; cartas de colegas patrocinando a parte contrária, com propostas de resolução dos litígios, revelando factos atinentes a transacções que se poderão concretizar ou malograr; comunicações de co-autores, co-réus ou co-interessados nos processos em que o … é parte, com revelação de factos acobertados por segredo profissional - e que o Dr. … está vinculado a não revelar e a não permitir sejam conhecidos (por vezes, até com impedimento de conhecimento do próprio cliente, por se poder tratar, porventura, de comentários de colegas sobre a actuação daquele cliente).

            Daí que, não obstante ser o … cliente e patrocinado do Dr. …, não lhe é, só por isso, ilimitado e absoluto o acesso aos factos que ao advogado seja dado conhecer. Fica na esfera decisória do advogado seleccionar, de acordo com os critérios legais e estatutários, o que deve dar a conhecer ao cliente, sem prejuízo de dever observar escrupulosamente as obrigações que lhe são impostas pelo art. 83º do EOA..

 

            V.3.- Para além do direito geral de inviolabilidade de correspondência alheia, impõe-se, no que ao advogado respeita, uma absoluta restrição de terceiros quanto ao conhecimento do conteúdo da correspondência que envia e que recebe, para eficaz observância e controle da obrigação de segredo profissional a que está adstrito. Restrição que só permite, sempre sob responsabilidade do advogado, seja este a decidir e definir quem, com ele colaborando, possa proceder à elaboração, envio, recepção e abertura da sua correspondência.

            Assim, não pode o CA do …, nenhum seu membro, nem nenhum seu funcionário, sem expressa autorização do Sr. Dr. …, proceder à abertura (ou ordená-la a terceiros) da correspondência dirigida àquele advogado, seleccioná-la, controlá-la, visá-la e despachá-la. Bem pelo contrário, para garantir a inviolabilidade dessa correspondência e tornar segura e eficaz a obrigação do segredo profissional do advogado que lhe presta serviço, tem o … o dever de criar os mecanismos adequados a tal fim e prevenir, reprimir e denunciar a violação daqueles direito à inviolabilidade e dever de segredo.

 

 

VI

            VI.1. – No que tange aos procedimentos a adoptar, saberá concerteza o Sr. Dr. … defini-los e concretizá-los, sem necessidade de desenvolvidas explicações e orientações por parte deste Conselho Distrital de Faro. Desde procedimentos administrativos a participações criminais, passando por providências cautelares que obstaculizem de imediato a continuação da violação do direito da inviolabilidade da sua correspondência, deverá e poderá aquele Ilustre Causídico agir na defesa dos seus direitos de cidadão e de advogado.

 

            VI.2.- No que concerne ao …, prestigiada instituição regional, deverão os seus responsáveis, vinculados à observância e cumprimento da lei, adoptar as medidas que reputarem convenientes e adequadas à situação relatada que, a persistir, é grave e atentatória dos direitos de qualquer cidadão.

 

 

 

Faro, 30 de Junho de 2004

 

 

Conselho Distrital de Faro

António Cabrita

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