Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 23/PP/2018-C

Processo de Parecer n.º 23/PP/2018-C

 

Em 17 de Maio de 2018, por email remetido pela Advogada Dr.ª SM…, solicitou a emissão de parecer perante as seguintes situações que se lhe apresentaram:

- Quanto as chamadas “Assessorias (voltadas para a imigração – auxílio para tirar visto, e regularização perante o SEF, representação fiscal, representação perante bancos, instituições de ensino, etc), feita por “profissionais” não Advogados/Solicitadores seriam ou não considerados Procuradoria Ilícita?

Questionando, ainda, no seguimento da questão formulada o seguinte:

Isso é, esse auxílio para tirar visto, analisar casos, facultar informações, indicar procedimentos, e até mesmo acompanhar ou representar nas repartições públicas e privadas, são ou não actos próprios do Advogado e Solicitador?

Deste modo essas ditas “Assessorias”, “Consultorias” relativas a imigração, quando efectuadas por “profissionais” não Advogados/Solicitadores, com obtenção de pagamento (comumente sem a constituição de uma empresa, ou mesmo actividade aberta nas finanças) constituem procuradoria ilícita? Usurpação de funções?

No que refere as “Assessorias”, “Consultorias” sobretudo no âmbito da imigração (empresas constituídas ou não, conjunto de profissionais ou exercício individual) que divulgam uma equipe de advogados disponíveis, ou mesmo indicação de advogados configura Angariação de Clientela nos termos do artigo 94º EOA? E Procuradoria Ilícita?

O pedido de parecer foi distribuído à ora relatora em 12 de Junho de 2018.

Para responder às questões, acima enunciadas, é conveniente definir os conceitos de “Assessoria” e “Consultoria” para, então, se fazer uma correcta análise das questões à luz da Lei dos Actos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores – Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto.

A assessoria é a acção de assessorar. Este verbo – assessorar – faz referência ao acto de dar ou receber aconselhamento e auxiliar. A noção de assessoria está vinculada à de consultoria, que, em latim (consultus) significa precisamente assessoria. Pelo que pode-se dizer que um consultor é um especialista em determinado tema, que presta aconselhamento e assistência sobre a sua área de experiência.

Vejamos o que a lei nos diz:

A Constituição da República Portuguesa no seu artigo 20º n.º 2 estatui que:

2 -Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.”

 

Alberga este preceito um direito fundamental: o direito à informação e consulta jurídica. A Constituição, no entanto, não delimita o âmbito desse direito, remetendo antes para a lei, os termos em que tal imperativo constitucional deverá ser preenchido e concretizado. Há, então, que ter em conta os seguintes diplomas legais:

- a Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro – Estatuto da Ordem dos Advogados, doravante designada por EOA;

- a Lei n.º 49/2004 de 24 de Agosto – Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores, doravante designada por LAPAS.

O artigo 3º da LAPAS, em consonância com o artigo 68º do EOA, define a consulta jurídica como “…a actividade de aconselhamento jurídico que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas mediante a solicitação de terceiros.”. Sendo classificada como acto próprio dos advogados e dos solicitadores, estes sujeitos aos limites do seu estatuto e da legislação processual.

No dispositivo da LAPAS – artigo 1º n.º 5 alínea b) – determina que é acto próprio a consulta jurídica.

Tendo em conta o exposto, poderá concluir-se que a prática de consulta jurídica, no pedido de parecer identificada como consultoria e assessoria, por “profissionais não Advogados/Solicitadores”, logo sem preencherem os requisitos necessários para o fazer, configura a prática de procuradoria ilícita.

Questiona, ainda, a requerente deste parecer se poderão prestar “auxílio para tirar visto, e regularização perante o SEF, representação fiscal, representação perante bancos, instituições de ensino”. Relativamente a esta questão há que atentar no seguinte:

O EOA introduziu uma novidade no seu artigo 68º, com a aprovação do novo Estatuto da Ordem dos Advogados em 2015, no qual define o mandato forense do seguinte modo:

Artigo 67.º Mandato forense

1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, considera-se mandato forense:

 

· a) O mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;

 

· b) O exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas;

 

· c) O exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas coletivas públicas ou respetivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto.

2 - O mandato forense não pode ser objeto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante.”

 

O mandato forense é um acto próprio dos advogados e dos solicitadores, nos termos do preceituado no artigo 1º n.º 5 alínea a) e 2º da LAPAS. Com a extensão da sua definição no novo EOA, é mandato forense para além do mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz, o exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas e, ainda, o exercício do mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas colectivas públicas ou respectivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto.

Deste modo, a representação de cidadãos por terceiros não advogados ou solicitadores junto do SEF, Repartição de Finanças configura o exercício de mandato forense, pois implica o preenchimento de formulários para os quais é indubitável a real necessidade de conhecimentos jurídicos, designadamente da respectiva legislação, obrigando a quem preenche a ter a sabedoria de interpretar a lei e, eventualmente, a apresentação de uma reclamação ou impugnação de um acto administrativo do SEF ou da Repartição de Finanças.

Na nossa opinião, o exercício de mandato forense junto do SEF, da Repartição de Finanças, configura a prática de procuradoria ilícita, nos termos do preceituado no artigo 1º n.º 5 alínea a) da LAPAS.

Outra questão colocada é: “Deste modo essas ditas “Assessorias”, “Consultorias” relativas a imigração, quando efectuadas por “profissionais” não Advogados/Solicitadores, com obtenção de pagamento (comumente sem a constituição de uma empresa, ou mesmo actividade aberta nas finanças) constituem procuradoria ilícita? Usurpação de funções?

Depende das circunstâncias em que tais actos sejam praticados. No caso dos actos próprios dos advogados e dos solicitadores praticados por terceiros que não sejam advogados ou solicitadores, mas também não se arroguem publicamente ou perante o seu hipotético cliente a qualidade de advogado ou solicitador, incorrem na prática de um crime de procuradoria ilícita. Se, pelo contrário, quem pratica os actos próprios dos advogados e dos solicitadores se arrogar o título de advogado ou solicitador, estaremos perante um concurso aparente entre o crime de procuradoria ilícita e o crime de usurpação de funções. Este último diferencia-se do crime de procuradoria ilícita pelo facto de exigir um elemento adicional, o arrogo, expresso ou tácito, do título ou das condições legais exigidas para o exercício da profissão de advogado ou solicitador, correspondendo-lhe uma moldura penal mais pesada. Logo, neste caso, incorre na prática de um crime de usurpação de funções. Esta situação tem de ser analisada casuisticamente, sendo que neste pedido de parecer é colocada a questão de uma forma geral.

Relativamente à questão de pagamento dos serviços, há que salientar que para a prática de crime de procuradoria ilícita não é condição sine qua non o pagamento pelos serviços, bastará que seja uma prática regular e continuada, no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional. Sendo, deste modo, indiferente a constituição ou não de uma empresa ou declaração da actividade às finanças.

Finalmente, a última questão colocada: “No que refere as “Assessorias”, “Consultorias” sobretudo no âmbito da imigração (empresas constituídas ou não, conjunto de profissionais ou exercício individual) que divulgam uma equipe de advogados disponíveis, ou mesmo indicação de advogados configura Angariação de Clientela nos termos do artigo 94º EOA? E Procuradoria Ilícita?

É prática recorrente, sobretudo empresas, publicitarem actos próprios de advogados e de solicitadores informando que dispõem de advogados para o efeito. No entanto, não podem fazer a publicitação de tais actos, ainda que disponham de advogados para praticar os actos publicitados.

Dispõe o artigo 6º n.º 1 da LAPAS que “Com excepção dos escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por advogados, por solicitadores ou por advogados e solicitadores, as sociedades de advogados, as sociedades de solicitadores e os gabinetes de consulta jurídica organizados pela Ordem dos Advogados e pela Câmara dos Solicitadores, é proibido o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de actos próprios dos advogados e dos solicitadores.”.

A simples publicitação não se consubstancia na prática de actos próprios, mas também aquela poderá ter consequências, no caso, constitui contra-ordenação a promoção, divulgação ou publicidade de actos próprios dos advogados e dos solicitadores, quando efectuada por pessoas, singulares ou colectivas, não autorizadas a praticar os mesmos. Tal é estipulado pela LAPAS no seu artigo 8º, podendo vir a ser aplicadas coimas.

Relativamente à angariação de clientela, tal como é estipulado pelo artigo 90º n.º 2 alínea h) do EOA, constitui dever do advogado para com a comunidade não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa.

 

Como refere FERNANDO SOUSA MAGALHÃES “A proibição de angariação de clientela a que alude a alínea h) do n.º2 do artigo 90.º está intimamente associada ao princípio da escolha livre do advogado pelo mandante ou interessado, por se entender que tal forma de escolha é a única que garante a necessária relação de confiança entre o advogado e o seu cliente como impõe radicialmente o artigo 97.º n.º 1. Assim permanece intocado o princípio da escolha livre, agora consignado nos artigos 67.º nº 2 e 98.º n.º1 do E.O.A..”.

Com esta limitação procura-se também defender a dignidade da profissão, a independência e o decoro.

A indicação do advogado por terceiros, sejam pessoas singulares ou colectivas, para a prática de actos de advogados e solicitadores por aqueles publicitados configura, certamente, angariação ilícita de clientela.

Conclusões:

1 - A prática de consulta jurídica - consultoria e assessoria - por “profissionais não Advogados/Solicitadores”, logo sem preencherem os requisitos necessários para o fazer, configura a prática de procuradoria ilícita, nos termos do artigo 1º n.º 5 alínea b) da LAPAS.

2 - A representação de cidadãos, por terceiros não advogados ou solicitadores, junto de qualquer entidade pública ou privada, quando respeite a actos que reclamem conhecimentos jurídicos e da legislação a eles atinente e até mesmo quando apenas se suscite ou discuta meras questões de facto, configura o exercício de mandato forense, o qual configura a prática de procuradoria ilícita, nos termos do preceituado no artigo 1º n.º 5 alínea a) da LAPAS.

3 - Os actos próprios dos advogados e dos solicitadores praticados por terceiros que não sejam advogados ou solicitadores enquadram-se na prática de um crime de procuradoria ilícita, previsto e punível pelo artigo 7º da LAPAS.

4 - Os actos próprios dos advogados e dos solicitadores praticados por quem não é advogado ou solicitador e se arrogue, expressa ou tácitamente, do título ou das condições legais exigidas para o exercício da profissão de advogado ou solicitador, incorre na prática de um crime de usurpação de funções, previsto e punível pelo artigo 358º do Código Penal.

5 – O Artigo 90º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) dispõe, no seu nº 2, al. h) que constituem, em especial, deveres do advogado para com a comunidade, a não solicitação de clientes, por si ou por interposta pessoa.

6 – A angariação de clientela por intermédio de pessoas singulares ou colectivas põe em risco a relação de confiança entre advogado e cliente já que não garante a liberdade de escolha por parte do mandante ou interessado.

 

É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.

 

Coimbra, 10 de Janeiro de 2019

 

Graziela Antunes

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