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Parecer Nº 22/PP/2019-C

PROCESSO DE PARECER N.º 22/PP/2019-C

 

Requerente – Drª. CC...

 

Objecto:

Trabalhador em funções púbicas – estágio advocacia

Incompatibilidade

 

         Por requerimento entrado neste Conselho por carta em 09/07/2019, a requerente solicitou Parecer sobre a seguinte questão:

A requerente exerce funções de técnica de saúde ambiental, da carreira especial de técnico de diagnóstico e terapêutica, desde 1999 no Centro de Saúde de …, pertencente à Administração Regional de Saude de Lisboa e Vale do Tejo, IP.

Pretende saber se, nessa situação profissional se pode inscrever como advogada estagiária com patrono advogado em ….

         Considerando que se encontravam reunidos todos os pressupostos para emissão deste Parecer, e que esta questão é, territorial e hierarquicamente, assunto sobre o qual este Conselho Regional se deve pronunciar, foi este processo entregue à aqui Relatora.

A resposta a esta questão deverá ser encontrada na conjugação das normas dos art. 82º e 188º do EOA já que as incompatibilidades para a inscrição como advogada estagiária são idênticas às da inscrição como advogada – art. 188º nº 1 d).

         Pertencendo aos quadros de pessoal de um Instituto Público, é evidente o enquadramento da sua situação profissional na situação de incompatibilidade definida na alínea i) do nº 1 do art. 82º do EOA

1 - São, designadamente, incompatíveis com o exercício da advocacia os seguintes cargos, funções e atividades:

i) Trabalhador com vínculo de emprego público ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local;

         Mas, todos sabemos que essa situação de incompatibilidade tem uma excepção no seu nº 3.

         De facto, permite-se a quem detém vínculo de emprego público que exerça a advocacia em regime de subordinação e exclusividade para essa entidade.

”É permitido o exercício da advocacia às pessoas indicadas nas alíneas i) e j) do n.º 1, quando esta seja prestada em regime de subordinação e em exclusividade, ao serviço de quaisquer das entidades previstas nas referidas alíneas, sem prejuízo do disposto no artigo 86.º”.

        

Assim, em tese,

         É possível que uma licenciada em direito com contrato de trabalho em funções públicas se venha a inscrever como advogada, e exercer a advocacia, se a entidade para a qual presta serviços declarar, de forma expressa, que tem intenção de a mandatar como sua advogada, com exclusividade e em subordinação.

         Mas pode, nestas circunstâncias, em simultâneo, uma licenciada em direito exercer outras funções públicas e fazer o estágio de advocacia?

         Adiantamos, desde já, que entendemos que não.

         O estágio de advocacia pretende ser um verdadeiro ensaio no terreno.

         As expressões utilizadas nos art. 192º e 195º do EOA permitem-nos concluir que o Patrono (advogado) é um pilar na iniciação e preparação do seu estagiário, incumbindo-lhe, no seu escritório, o dever de o preparar, técnica e deontologicamente, para o exercício da advocacia.

 

         Impõe-se assim, como aliás se retira também do Regulamento de Estágio, que mais do que uma mera formação se conceda ao estagiário uma vivência da profissão.

         O estagiário deve acompanhar o Patrono no que é a sua vida quotidiana, em diligências (judiciais ou não), nos contactos com Colegas, contacto com Clientes, com os funcionários desses escritórios, e com quaisquer outras instituições.

E,

É participando, de forma efectiva e diária nessa mundivivência, que o estagiário experiencia a concretização quotidiana dos deveres inerentes à função: deveres para com a comunidade, para com os Clientes, para com os Colegas e para com os Tribunais.

         E, porque os vive e os respira,

         Passa a ser por eles inspirado, transformando-os numa orientação para o exercício da sua futura profissão.

         Ora, salvo melhor opinião, esta vivência que explicita aliás os deveres do advogado estagiário constantes dos arts. 196º e 197º do EOA, não se compadece nem com o exercício concomitante de uma outra profissão, a tempo inteiro, [e, para mais, para entidade que prossegue finalidades públicas],

         Nem o estágio sob tutela de quem exerça a advocacia com o espartilho e limitações do nº 3 do art. 82º do EOA.

 

         CONCLUINDO

a)    A vivência do advogado estagiário em escritório do Patrono tem de ser a concretização diária da experiência da advocacia, na sua multiplicidade de relações e funções;

b)   A participação do advogado estagiário nesse quotidiano exige deste uma disponibilidade quase total que impede a manutenção de outras funções profissionais cujos horários colidam com esse desiderato;

c)    Não é possível, simultaneamente, exercer funções públicas e fazer o estágio de advocacia.

d)   A advocacia permitida pelo nº 3 do art. 82º limita-se a quem tendo já efectuado o estágio de advocacia, e por vontade da sua entidade patronal, seja por esta mandatado em regime de exclusividade e subordinação.

e)    A subordinação prevista no nº 3 do art. 82º é incompatível com a frequência do estágio para advogado

f)     A exclusividade e subordinação do nº 3 do art. 82º impedem que esses Advogados sejam Patronos.

g)    Quem esteja abrangido pela previsão da alínea i) do nº 1 do art. 82º só pode inscrever-se como advogado estagiário se cessar essas funções.

 

Este é o nosso Parecer.

 

Maria Ana Alves Henriques

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