Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 27/PP/2019-C

Processo de Parecer nº 27/PP/2019-C

 

Requerente: Exm.º Sr. Dr. IP…

Objecto: Celebração de “Protocolo Preferencial de Desconto”

 

I -

 

Por comunicação que dirigiu ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, datada de 03 de Outubro de 2019, a Delegação de ... da Ordem dos Advogados, remeteu um e-mail que recepcionou do Exm.º Sr. Dr. IP…, onde este solicita a emissão de parecer sobre a admissibilidade dos Advogados e/ou respectivas sociedades aderirem a uma proposta que lhe foi apresentada pela Associação Comercial de ..., juntando a mesma em anexo.

 

Com efeito, a Associação Comercial de ... remeteu um e-mail ao Requerente, com a seguinte informação:

 “ A Associação Comercial do Distrito de ..., procura alargar o seu alcance e gostávamos de o convidar a que se juntasse a nós.

Para tal convidamo-la(o) a aderir ao nosso protocolo com a vantagem de integrar uma rede de que já conta com mais de um milhar de empresas dando-se a conhecer e a poder usufruir de descontos especiais nessa mesma rede.

Para tal basta clicar aqui: Link de inscrição.

 Para mais explicações recomendamos a leitura do anexo desta mensagem ou entrar em contacto connosco

 

O anexo em causa é composto por uma carta com o timbre daquela Associação, com a informação que, em parte, a seguir se transcreve por se entender pertinente para a apreciação da questão:

“ A Associação Comercial do Distrito de ... acredita que é vital encontrar sinergias entre as Empresas e convida todos os nossos estimados Empresários a aderirem ao Protocolo Preferencial de Desconto.

Ideia: criar uma rede de sinergias entre os diferentes serviços/produtos que as Empresas vendem. A venda dos seus produtos/serviços, para além dos consumidores que já dispõem, pode ser aumentada ao incluírem as empresas Parceiras e os funcionários das mesmas.

Exemplo: os funcionários de uma empresa Parceira que venda eletrodomésticos, ao deslocarem-se, na hora de almoço, a um restaurante parceiro têm desconto no valor da refeição- Por outro lado, o restaurante, caso venha a necessitar de eletrodomésticos para o seu negócio, terá desconto na empresa de eletrodomésticos.

Depois: criado o Protocolo Preferencial de Desconto e estabelecido o desconto para as Empresas Parceiras e seus funcionários (facultativo), será emitido um cartão com a informação necessária para poderem apresentar nos nossos outros Parceiros e assim usufruírem do desconto. Sem a apresentação deste cartão o protocolo não poderá ser ativado. “

(…)

 

“O projecto terá as seguintes fases:

 

FASE 1 (até setembro)

  1. Dar a conhecer este conceito às empresas, pedindo que revejamos seus Protocolos, e convidar outras empresas que não sejam protocoladas a se juntarem;
  2. Entregarem novos cartões dos associados que permitam a devida identificação dos mesmos e entrega dos dísticos que identificam;
  3. Preparação dos vídeos “teaser” para promover nas redes sociais, com os protocolos de cada uma das empresas protocoladas”
  4. Preparação das páginas online no site da Associação, onde constarão todos os Protocolos e promoções pontuais que virão a existir;
  5. Preparação da divulgação nas redes sociais;

 

FASE 2 (setembro)

Arranque com as vantagens que as diferentes empresas dão ao universos associados ACA, através de:

A.     E-mail directo a todos os detentores do cartão com todas as promoções existentes;

B.     Divulgação no nosso site, num espaço dedicado, com todos os protocolos e as suas vantagens;

C.     Divulgação nas redes sociais que a Associação detém;

D.    Informação aos órgãos de informação social;

E.     Envio de sms, com as actualizações dos protocolos e promoções pontuais que possam desejar oferecer a todos os protocolados;”

(…)

Para si, ao se associar a este projecto, fica o repto para uma ante-estreia e assim durante este verão dar-vos o espaço de nos apresentarem os serviços e/ou produtos que possam ser adquiridos pelos pertencentes à rede ACA com preços e condições bombásticas, com o objectivo de surpreender os nossos colegas com preços e condições fantásticas já em setembro

 

Considerando que se encontram reunidos todos os pressupostos para emissão deste Parecer, e que a questão é, territorial e hierarquicamente, assunto sobre o qual este Conselho Regional se deve pronunciar (art.º. 54º, nº1 al f) do Estatuto da Ordem dos Advogados), foi este processo entregue à aqui Relatora.

 

 Vejamos então a questão colocada.

 

II –

Antes da análise em concreto da questão colocada, parece-nos adequado rever, nesta sede, algumas normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, que são essenciais à respetiva apreciação.

 

Vejamos, em primeira linha, o art. 88º do EO, que tem a seguinte redacção:

1 - O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.

2 - A honestidade, probidade, retidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais.

 

Temos de concluir, tendo por base o teor do artigo citado, que o exercício da advocacia rege-se pelo princípio da dignidade da profissão, constituindo afloramento deste princípio geral as disposições relativas à publicidade e à proibição de angariação de clientela, que também importa nesta sede relembrar.

 

As normas relativas à publicidade encontram-se no art. 94º do EOA, que esclarece, no seu nº1, que “os advogados e as sociedades de advogados podem divulgar a sua actividade profissional de forma objectiva, verdadeira e digna, no rigoroso respeito dos deveres deontológicos do segredo profissional e das normas legais sobre publicidade e concorrência. “. Nos números seguintes, apesar do elenco não ser taxativo, o legislador veio especificar situações que enquadram a noção de informação objectiva (nº2 do art. 94º do EOA), actos lícitos de publicidade (nº3 do art. 94º) e actos ilícitos de publicidade (nº4 do art. 94º do EOA),

 

Pela sua pertinência, chamamos também à colação, o disposto no art. 90º nº2 do EOA, que refere “ 2 - Em especial, constituem deveres do advogado para com a comunidade:

a) Não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade;

b) Recusar os patrocínios que considere injustos;

c) Verificar a identidade do cliente e dos representantes do cliente, assim como os poderes de representação conferidos a estes últimos;

d) Recusar a prestação de serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos e que o interessado não pretende abster-se de tal operação;

e) Recusar-se a receber e movimentar fundos que não correspondam estritamente a uma questão que lhe tenha sido confiada;

f) Colaborar no acesso ao direito;

g) Não se servir do mandato para prosseguir objetivos que não sejam profissionais;

h) Não solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa.”

 

As últimas duas disposições acima elencadas visam salvaguardar, de facto, a dignidade da profissão, porquanto o advogado não é um mero prestador de serviços - nem pode como tal ser entendido! -, pelo que não pode envolver-se em estratégias comerciais que coloquem em crise a imagem que deve prevalecer na sociedade, e violem os valores que são impostos por lei.

 

De facto, o Advogado tem um papel importante enquanto servidor da Justiça, que lhe impõe uma conduta social e ética de reconhecida importância, estando-lhe vedados comportamentos que vulgarizem o exercício da advocacia e actuações que possam criar uma ideia de excessiva mercantilização da profissão.

 

Por último, temos ainda o art. 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que refere:

1 — Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.

2 — Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.

3 — Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.

 

Em súmula, a remuneração do advogado deverá ser definida tendo por base uma ponderação criteriosa e casuística dos diversos critérios referidos no artigo acima transcrito.

 

Aqui chegados, resta-nos questionar se a adesão de um advogado a um modelo de parceria como o proposto pela Associação Comercial do Distrito de ..., será possível face ao disposto nos artigos acima transcritos.

 

Ora,

 

Parece-nos, em resumo e salvo melhor opinião, que a “parceria” proposta pela Associação Comercial de ..., tem como objectivo essencial a promoção e publicidade das empresas aderentes numa lógica de obtenção de clientela, com a fixação de descontos no pagamento dos serviços prestados. E perante estes factos, parece-nos ser de concluir pela impossibilidade de um advogado e/ou sociedade de advogados aderir a esta rede.

 

E porquê?

 

Primeiro porque a divulgação que se pretende efectuar (Preparação dos vídeos “teaser” para promover nas redes sociais, com os protocolos de cada uma das empresas protocoladas”/ Preparação das páginas online no site da Associação, onde constarão todos os Protocolos e promoções pontuais que virão a existir;/Preparação da divulgação nas redes sociais;/ E-mail directo a todos os detentores do cartão com todas as promoções existentes;/ Divulgação no nosso site, num espaço dedicado, com todos os protocolos e as suas vantagens;/Divulgação nas redes sociais que a Associação detém; / Envio de sms, com as actualizações dos protocolos e promoções pontuais que possam desejar oferecer a todos os protocolados;”), é completamente desconforme com o regime da publicidade constante do artigo 94.º do Estatuto, que visa permitir a divulgação de informação objectiva por parte do advogado, e não, como in casu, a publicidade da profissão de forma a comercializar os serviços prestados pelo advogado perante os aderentes (e seus trabalhadores), o que sempre colocaria em causa a dignidade da profissão.

 

Por outro lado, o modelo em apreço conduzirá a uma eventual angariação de clientela, ilícita à luz do artigo 90.º, n.º 2, alínea h) do EOA, dado que através do protocolo em causa e da publicidade que a este seria efectuada, os advogados aderentes estariam em vantagem em relação aos outros advogados atentos os descontos nos honorários que seriam aplicados.

 

Ainda, a constituição de advogado por outra empresa (ou trabalhador) que tenha subscrito o Protocolo teria por base uma escolha que não assenta na confiança necessária à constituição de mandatário, mas na possibilidade de obter descontos nos serviços prestados, dadas as condições comerciais mais aliciantes a praticar entre os aderentes. É também por demais evidente que a entender-se pela possibilidade de aderir a tal rede, a liberdade de escolha do mandatário seria colocada em crise, e, em consequência, (também) a dignidade da profissão e a função social do advogado.

 

Finalmente, também a ideia de os aderentes ao Protocolo (e seus trabalhadores) usufruírem de descontos pelos serviços prestados nos parece colidir de forma peremptória com a dignidade da profissão, pois este beneficio a conceder aos aderentes levaria a uma excessiva mercantilização da advocacia, que acima se referiu ser contrária aos princípios do EOA. Recordamos que os honorários pelo exercício do mandato devem ser fixados ao abrigo do art. 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, considerando a” importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.”.

 

 

III –

Concluindo,  

 

  1. A adesão a um Protocolo Preferencial de Desconto promovido pela Associação Comercial do Distrito de ... que visa promoção e publicidade das empresas aderentes numa lógica de obtenção de clientela, com a fixação de descontos pelos serviços prestados não se afigura consentânea com as normas que regem a actividade dos advogados,

 

  1. A dignidade da profissão e a função social do advogado impedem a excessiva mercantilização da profissão (art. 88º do EOA), e a adesão por parte dos advogados a parcerias que se apresentem como tendo objectivos de cariz promocional e que permitem descontos na remuneração desses serviços entre os diversos parceiros, colide com o regime da publicidade do EOA (art. 94º do EOA) e com as normas relativas à angariação de cliente (art. 90ºnº2 al. h) do EOA).

 

 

É este o nosso parecer

 

Sílvia Carreira

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