Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 3/PP/2020-C

Processo de Parecer n.º 03/PP/2020-C

 

Através de comunicação eletrónica de 30.01.2020 dirigida ao Conselho Regional de Coimbra, a Exma. Senhora Dra. IM…, Advogada, titular da cédula profissional n.º …C, com escritório na F…, solicitou a emissão de parecer que coloca nos seguintes termos:

 

“Em 14 de janeiro do corrente ano, a signatária foi contatada por telefone pela Sr.e Funcionária Judicial, respeitante ao Processo N.2 4024/…, que corre termos no Tribunal de Comarca de Coimbra Juízo Central Criminal de C… — Juiz 3, não qual foi nomeada defensora oficiosa ao arguido AA…, cidadão marroquino, com nacionalidade Francesa, entretanto já declarado contumaz, para que desse o seu consentimento para indicar a sua morada de domicílio profissional no TIR do arguido.

A signatária desprevenida, estranhou o pedido, e a funcionária referiu que o arguido se apresentou no Tribunal e não tinha morada em Portugal para indicar no TIR, falava mal a língua portuguesa e que o processo para seguir para frente para julgamento, teria aquele de ser citado, tudo as pressas ao que disse sem ponderar, pode ser.

Contudo e em dúvida acerca da admissibilidade legal de tal procedimento, refletiu e no dia seguinte telefonou e requereu para o Tribunal, dizendo que expressamente não consentia que fosse indicada a sua morada no TIR do Arguido, para além de que ele tinha familiares a residir em A….

A Sra. Procuradora da Republica veio fazer Vista de 20-01-2020, pronunciando- se no sentido que aqui interessa " Compulsados os autos verifica-se que o TIR prestado pelo arguido foi-o em conformidade com as disposições legais, já que foi obtido o consentimento da ilustre defensora, após solicitação do arguido, para que o endereço desta fosse o indicado no TIR"

Ora, a signatária não conhecia o arguido e ele nunca solicitou esse consentimento, nem sequer fala e expressa o português correto, foi o tribunal quem solicitou.

Mais se pronunciou a excelentíssima Senhora Procuradora que "Face ao Exposto, nenhuma violação da normatividade processual penal vigente ou eticidade deontológica poderá ser imputada à Ilustre defensora do arguido, pelo que impõe promover que: - se declare cessada a contumácia do arguido AA... e oportunamente, se designe data para audiência de julgamento"

Porém a signatária tem duvidas acerca desta situação, não que lese diretamente os direitos do arguido, dado que estará sempre presente nos atos processuais, designadamente na audiência de discussão e julgamento, em sua defesa, mas porque na realidade o arguido não vai ser notificado na sua pessoa dos atos a que lhe dizem respeito, como seja a data designada de audiência do julgamento, obstando-se a possibilidade de se apresentar para prestar declarações de arguido e assim melhor se defender, não vai ser notificado da sentença, para poder recorrer caso seja condenado e a signatária não sabe onde ele se encontra, pois são pessoas que tanto estão em França como estão noutro Pais, para além de que a defensora não lhe cabe competência de pesquisar nas base onde está o arguido, para o avisar das diligencias, não trabalha para o tribunal.

A advocacia é livre e independente e serve a defesa dos direitos constitucionais consagrados aos cidadãos e instituições.

Por isso, acautelando todos os interesses em causa, peço a V. Exas. parecer sobre esta situação concreta, atendendo sempre, salvo melhor entendimento, que a signatária em consciência manifestou por escrito não consentir tal indicação, e o tribunal não pode ir contra a vontade manifestada da signatária.

 

Cumpre assim, emitir o parecer solicitado:

É da competência deste Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional, de acordo com o artigo 54.º nº 1 alínea f) do EOA.

Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que questões de carácter profissional são todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de princípios, regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas do Estatuto, bem como, do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados e de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo de poder regulamentar próprio, conferido pelo Estado à Ordem dos Advogados.

A questão em apreço resulta, por um lado, das regras gerais sobre notificações, previstas no Código de Processo Penal, designadamente no n.º 9 do artigo 113.º onde se prevê que, “O notificando pode indicar pessoa, com residência ou domicílio profissional situados na área de competência territorial do tribunal, para o efeito de receber notificações. Neste caso, as notificações, levadas a cabo com observância do formalismo previsto nos números anteriores, consideram-se como tendo sido feitas ao próprio notificando.

E, no que às medidas de coação se refere, o artigo 196.º n.º 2 do CPP prevê, quanto ao Termo de Identidade e Residência, “Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha”, permitindo esta disposição legal que o arguido possa ser notificado em local diferente do da sua residência e em domicílio à sua escolha.

 

A Senhora Advogada requerente, contactada pelo Tribunal no âmbito do processo em que foi nomeada defensora oficiosa ao arguido, prestou o seu consentimento para que a morada do seu domicílio profissional fosse indicada no TIR, com as consequências legais que advém de tal opção.

Posteriormente, e porque com dúvidas sobre a legalidade de tal procedimento, uma vez que não conhecia o arguido e ele nunca solicitou esse consentimento, tendo sido o Tribunal a solicitar, apresentou requerimento nos autos declarando expressamente que não consente que se indique a sua morada no TIR do arguido, por considerar ser legalmente inadmissível.

 

Dispõe o artigo 89.º do EOA que, “O advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”.

O enunciado princípio da independência, assenta no facto de no exercício da atividade, os advogados têm o dever de agir com total independência e autonomia técnica, de forma isenta e responsável, na defesa de direitos, interesses ou garantias individuais que lhes sejam confiadas, encontrando-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão.

Como também decorre do artigo 97.º n.º 2 do EOA “O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas”.

Em termos Estatutários, o advogado deve agir na defesa dos interesses do cliente e na boa aplicação do direito, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas, nada obstando a que, no âmbito de um processo em que foi nomeado defensor oficioso, o advogado preste (ou não) consentimento ao arguido para que este indique o seu domicílio profissional no TIR, com todas as consequências legais decorrentes de tal anuência.

 

No entanto, o que está objetivamente em causa, é uma questão de carácter jurídico, relacionada com a observância do formalismo legal na prestação do TIR, no sentido de saber se o TIR prestado nos autos pelo arguido, foi em conformidade com as disposições legais aplicáveis, tal como aliás resulta do requerimento apresentado nos autos pela Senhora Advogada que questiona a sua admissibilidade legal, pelo que, e nesse âmbito, não compete ao Conselho Regional emitir parecer sobre questões de caracter jurídico colocadas a advogado no âmbito de um processo judicial.

 

 

Conclusão:

1.    Em termos Estatutários, o advogado deve agir na defesa dos interesses do cliente e na boa aplicação do direito, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas, nada obstando a que, no âmbito de um processo em que foi nomeado defensor oficioso, o advogado preste (ou não) consentimento ao arguido para que este indique o seu domicílio profissional no TIR, com todas as consequências legais decorrentes de tal autorização.

2.    Não cabe na competência do Conselho Regional emitir pareceres, sobre questões de caracter técnico-jurídico, colocadas a advogado no âmbito de um processo judicial.

 

É este o nosso parecer.

 

Luisa Peneda Cardoso

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