Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 12/PP/2020-C

Parecer n.º 12/PP/2020-C

Assunto: Acumulação das funções de advogado e agente de execução

 

Por comunicação escrita remetida no dia 2 de junho de 2020 e dirigida ao Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a Exma. Senhora Dra. IS..., advogada portador da cédula …C, com domicílio profissional na …, na qualidade de Presidente da Delegação de S… da Ordem dos Advogados, solicitou “parecer no sentido de saber se os advogados podem exercer cumulativamente as funções de agente de execução e a prática do mandato judicial, constituído depois de 31 de dezembro de 2017, bem como se pode um advogado colocar um placa com os seguintes dizeres Advogado / Agente de Execução.”

 

Nos termos conjugados nos arts. 54.º, nº 1, al f) e 85.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de setembro, o pedido de parecer em análise versa sobre matéria que se integra nas atribuições de pronúncia sobre questões de carácter profissional do Conselho Regional de Coimbra, sendo este territorialmente competente para o efeito. Nessa medida emite-se parecer.

 

No sentido de corresponder ao pedido da Ex.ma Advogada requerente, propõe-se a análise das questões colocadas de acordo com a seguinte sistematização:

i.     É admissível exercer cumulativamente as funções de agente de execução e a prática do mandato judicial?

ii.    É admissível anunciar em simultâneo e no mesmo suporte de placa a dupla condição profissional de advogado e agente de execução?

 

I. Cumulação das funções de agente de execução com a prática do mandato judicial

 

A questão colocada contende com a análise dos estatutos profissionais do advogado e do agente de execução.

 

Quanto à perspetiva do advogado, o EOA estipula as funções e cargos que são incompatíveis com o exercício da advocacia, bem como as circunstâncias em que o advogado está impedido de intervir (arts. 81.º a 87.º do Estatuto). No que concretamente se refere à acumulação de funções como advogado e agente de execução, o art. 85.º estabelece a proibição de inscrição cumulativa na Ordem dos Advogados (OA) e na Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE), permitindo embora que os advogados regularmente inscritos na primeira possam inscrever-se no Colégio dos Agentes de execução, desde que não exerçam o mandato judicial, nos termos do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (EOSAE).

Por outro lado, o art. 3.º, n.º 4 da Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro de 2015 (Lei que aprova o EOA), determina que os advogados regularmente inscritos na OA e na Câmara dos Solicitadores como agentes de execução, relativamente aos quais se verifiquem incompatibilidades em resultado das alterações introduzidas pelo Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, devem pôr termo a essas situações de incompatibilidade até 31 de dezembro de 2017.[1]

Não existem outras normas no EOA que se debrucem sobre a acumulação das funções que aqui se aprecia.

 

O quadro normativo alusivo ao estatuto profissional dos agentes de execução encontra-se no EOSAE, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro. Também no segmento alusivo às incompatibilidades e impedimentos (especiais, ou seja, aplicáveis aos agentes de execução e não também aos solicitadores) estabelece-se que o exercício da profissão de agente de execução é incompatível com o exercício do mandato judicial (art. 165.º, n.º 1, al. a) do EOSAE).

No exercício das respetivas funções, o agente de execução não atua como mandatário do exequente (ou do autor) e deve manter em relação às partes processuais uma posição de equidistância e imparcialidade (art. 162.º, n.º 3 do EOSAE). No sentido de garantir o adequado posicionamento do agente de execução, para além da incompatibilidade alusiva ao mandato judicial, a lei determina que lhe sejam aplicáveis os impedimentos e suspeições próprios do juiz (art. 166.º, n.º 1 do EOSAE[2]) e impede-o de intervir em ações executivas quando tenha participado na obtenção do título que serve de base à execução e quando tenha representado, judicial ou extrajudicialmente, alguma das partes nos últimos dois anos (art. 166.º, n.º 2, als. a) e b) do ESOAE).

Por outro lado, o agente de execução não pode representar judicialmente a parte que tenha tido intervenção em processo de execução no qual aquele tenha exercido funções de agente de execução antes de decorrerem 3 anos sobre a cessação dessas funções (art. 166.º, n.º 5 do EOSAE).

Tanto as incompatibilidades como os impedimentos são extensíveis aos sócios do agente de execução ou a qualquer profissional que com ele partilhe instalações ou estrutura, designadamente advogados e solicitadores (arts. 165.º, n.º 4 e 166.º, n.os 3 e 4 do EOSAE). Quanto à incompatibilidade que aqui se analisa, se o agente de execução não pode exercer o mandato judicial, também não podem exercê-lo os advogados, solicitadores e outros colaboradores com quem aquele partilhe instalações (art. 165.º, n.º 4 do EOSAE).

Finalmente, a lei que aprova o EOSAE estabelece uma regra transitória idêntica à do art. 3.º, n.º 4 da Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro de 2015, na medida em que o respetivo art. 3.º, n.º 13 obriga os solicitadores e advogados que exerçam funções de agentes de execução regularmente inscritos na Câmara dos Solicitadores, em relação aos quais se verifique incompatibilidade relativa ao mandato judicial, a pôr termo a essas situações de incompatibilidade até 31 de dezembro de 2017, sem prejuízo de poderem prosseguir com os mandatos judiciais já constituídos até à data da entrada em vigor do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado em anexo à presente lei.

 

No que se refere ao que deva entender-se por mandato judicial, não existe uma norma que expressamente se debruce sobre a sua definição ou âmbito. Contudo, entende-se que a definição de mandato forense enquanto ato próprio das profissões de advogado e solicitador, tal como consta da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, pode aqui ser aproveitada de molde a considerar abrangido pela incompatibilidade o mandato conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz. Ou seja, trata-se da representação de um cliente em tribunal, bem como junto de instâncias para ou extrajudiciais equivalentes destinadas à resolução alternativa de litígios.

 

Da leitura conjugada das normas dos dois estatutos profissionais retira-se que:

a)    a atividade profissional de advogado pode ser acumulada com a atividade profissional de agente de execução (o mesmo profissional pode estar simultaneamente inscrito na Ordem dos Advogados e no Colégio dos agentes de execução da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução);

b)    o advogado que seja agente de execução não pode exercer o mandato judicial, entendendo-se por mandato judicial a representação do cliente em tribunal, incluindo tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;

c)     o advogado que seja agente de execução, não pode intervir como agente de execução em ações em que as partes tenham sido por si representadas (judicial ou extrajudicialmente) nos últimos dois anos;

d)    o advogado que seja agente de execução, não pode intervir como agente de execução em ações executivas fundadas em título em cuja obtenção haja participado;

e)    o advogado que tenha sido agente de execução, não pode representar judicialmente a parte que tenha tido intervenção em processo de execução no qual aquele tenha exercido estas funções antes de decorrem 3 anos sobre essa cessação;

f)     as incompatibilidades a que está sujeito o agente de execução estendem-se aos advogados, solicitadores e demais colaboradores com quem aquele partilhe instalações ou tenha sociedade profissional;

g)    os impedimentos a que está sujeito o agente de execução estendem-se aos respetivos sócios, agentes de execução e profissionais que partilhem a mesma estrutura, derivando igualmente da atividade destes;

h)    o agente de execução designado considera-se impedido independentemente de a circunstância impeditiva se verificar em si ou em qualquer outra pessoa com quem partilhe instalações.

 

Sendo este o quadro de restrições que deve ser observado pelo profissional que cumule as duas profissões, há que ter em consideração que esse conjunto de restrições resulta do cruzamento normativo de dois estatutos profissionais, o dos advogados e o dos agentes de execução.

 

À Ordem dos Advogados caberá intervir dentro do que são as suas atribuições, o que vale por dizer que lhe cabe intervir em matéria de exercício do mandato judicial pelo advogado que seja também agente de execução. Sem prejuízo desta limitação, sempre que seja aplicada ao advogado sanção disciplinar irrecorrível, deve essa aplicação ser comunicada à OSAE, bem como à Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), quando o advogado for também agente de execução (art. 173.º, n.º 4 do EOA).

 

Os restantes deveres são impostos pelo EOSAE, sendo a competência para a fiscalização e ação disciplinar da própria OSAE ou da CAAJ.[3]

 

II. Anunciar, em simultâneo e no mesmo suporte, da dupla condição profissional de advogado e agente de execução

 

Quanto à segunda questão colocada, afigura-se que não é admissível o anúncio público e cumulativo, no mesmo suporte (designadamente, de placa), da dupla condição profissional de advogado e agente de execução.

A forma como o advogado anuncia publicamente o exercício da sua atividade está regulada no art. 94.º do EOA. Por um lado, do extenso leque de informações permitidas ou atos lícitos de publicidade, nenhuma indicação permite explicitamente a cumulação, isto é, a possibilidade de, no mesmo suporte, anunciar ambas as atividades profissionais. Por outro lado e mais importante, o disposto no art. 94.º, n.º 4, al. c) do EOA contraria expressamente essa possibilidade. Com efeito, o artigo proíbe que sejam prestadas informações erróneas ou enganosas. O anúncio com a menção “Advogado / Agente de execução” pode induzir o destinatário / interlocutor a considerar a possibilidade de usufruir dos dois serviços recorrendo a um único profissional, o que, como vimos, é manifesta e expressamente proibido (por exemplo, porque o agente de execução não pode exercer funções quando seja parte na ação um seu cliente ou porque o agente de execução não pode exercer funções em ações executivas quando tenha participado na obtenção do título).

Conclui-se, assim, que não é lícito anunciar em simultâneo e no mesmo suporte de placa a dupla condição profissional de advogado e agente de execução.

 

Em conclusão,

i.            É ilícita a acumulação do exercício da profissão de agente de execução com o exercício do mandato judicial, por violação do disposto no art. 85.º, n.º 3 do EOA;

ii.           É ilícito o anúncio, em simultâneo e no mesmo suporte de placa, da dupla condição profissional de advogado e agente de execução, por violação do disposto no art. 94.º, n.º 4, al. c) do EOA.

 

É este o nosso parecer.

Coimbra, 6 de Julho de 2020

 

Aprovado na reunião do Conselho Regional de Coimbra de 17 de Julho de 2020.

 

(Nuno Abranches Pinto)

 

(António Sá Gonçalves)

 

(Teresa Letras)

 

(João Amado)

 

(Fátima Duro)

 

(Silvia Carreira)

 

(Elisabete Monteiro)

 

(Emanuel Simões)

  

(Luísa Peneda Cardoso)

 

(Sandra Gil Saraiva)

 



[1] O art. não refere expressamente o mandato judicial mas é inequívoco que esta incompatibilidade traduz uma novidade resultante da aprovação do EOSAE pela Lei n.º Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro de 2015. No pretérito Estatuto da Câmara dos Solicitadores a incompatibilidade dizia apenas respeito ao exercício do mandato judicial em ações executivas (art. 120.º, n.º 1, al. a) do [entretanto revogado] Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril, a com a redação resultante do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro).

[2] Os impedimentos e suspeições próprios dos juízes estão previstos nos arts. 115.º e 120.º do Código de Processo Civil (CPC).

[3] A sindicância disciplinar dos atos do agente de execução está subordinada a um regime complexo que pode implicar a intervenção da OSAE ou da CAAJ, consoante o teor da infração disciplinar que estiver em causa (arts. 182.º, n.º 2 do EOSAE e 3.º, n.º 1, als. g) e h) da Lei n.º 77/2013, de 21 de novembro).

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