Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 15/PP/2020-C

Parecer n.º 15/PP/2020-C

Assunto: Conflito de Interesses e Sigilo Profissional

 

Através de comunicação eletrónica de 06/07/2020 dirigida ao Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a Exma. Senhora Dr.ª IM…, advogada, portadora da cédula profissional …C, com domicílio profissional na …, solicitou a emissão de parecer que coloca nos seguintes termos e que por facilidade se transcreve:

 

Em tempos fui contactada por um cliente, na qualidade de sócio gerente de uma sociedade unipessoal, que me outorgou procuração forense, tendo o mandato sido outorgado com o intuito de analisar algumas questões financeiras da empresa e agir em conformidade, quer negociando extrajudicialmente com alguns fornecedores, quer propondo as ações judiciais caso se justificasse a sua necessidade.

Não obstante se ter colocado a hipótese de requerer insolvência, o cliente em questão nunca me facultou a informação e elementos necessários para o efeito, pelo que nunca dei entrada do processo.

Sucede que, o Contabilista Certificado que, entretanto, assumiu funções, era o meu marido, tendo celebrado contrato de prestação de serviços através da sociedade da qual é sócio e gerente.

Porém, eu renunciei ao mandato por quebra de confiança, tendo o meu marido rescindido unilateralmente o contrato por falta de colaboração e pagamento de honorários.

Tendo em consideração que tinha sido pedida autorização por parte do Contabilista Certificado (meu marido) para recusar a assinatura da prestação de contas dos anos em aberto, foi solicitada pela Ordem dos Contabilistas Certificados, uma ata de uma reunião, na qual se expusessem todas as questões contabilistas ao gerente da empresa, e na qual se demonstrasse que o mesmo tinha tido conhecimento da gravidade e consequências da falta de colaboração.

Eu acabei participar nessa reunião, realizada quando eu já não era advogada da sociedade, com autorização do gerente, tendo ficado a constar da ata, que eu participava na qualidade de esposa do Contabilista Certificado, com o único intuito de redigir a supra mencionada ata.

Acontece que, algum tempo após, deu entrada em juízo um requerimento de insolvência, processo no qual a sociedade é representada por um Ilustre colega que não me contactou nem antes, nem após o início do processo, e no qual eu reclamei honorários, tendo apresentado requerimento na qualidade de advogada em causa própria.

Por sua vez, o meu marido reclamou igualmente um crédito de honorários, sem estar representado por advogado.

Sucede que, por questões financeiras que acabei por justificar no processo, resolvi anular a minha fatura, tendo cessado a minha posição como credora.

No entanto, juntei procuração forense na qual o meu marido, na qualidade de gerente da sociedade de contabilidade, me outorgava poderes para o representar no processo de insolvência, uma vez que, como advogada, poderia consultar o processo integralmente através do CITIUS, uma vez que, cessando a minha posição de credora, deixei de ter acesso ao mesmo.

Acontece que, o meu Ilustre colega requereu a extração de certidão para efetuar uma participação disciplinar contra mim, por alegada quebra de sigilo profissional e exercício de mandato em conflito de interesses.

Com efeito, estas questões foram por mim ponderadas no início do processo, ainda antes de dar entrada da minha reclamação de créditos.

Porém, analisada a situação em concreto, e efetuadas algumas pesquisas de doutrina e jurisprudência, concluí pela não verificação de qualquer destas situações, pelos motivos que passo a expor:

1. O cliente nunca me facultou informação contabilística relevante que possa ser usada no processo;

2. Isto porque, eu apenas tive conhecimento da verdadeira situação da empresa, quando foi realizada a reunião, na qual eu participei, não como advogada, mas na qualidade de esposa do Contabilista Certificado;

3. O Contabilista Certificado, meu marido, tem conhecimento de toda a informação contabilista da empresa e na qual se baseia a insolvência;

4. O conhecimento que eu possuo sobre a situação financeira da empresa, advém da informação que me foi transmitida pelo meu marido e não diretamente da cliente;

5. Logo, não existe forma de privilegiar este meu “novo” cliente com informação da empresa insolvente, uma vez que é este quem detém o conhecimento

6. Por outro lado, a lei permite-me que eu advogue em causa própria num processo de insolvência;

7. Sendo exatamente a mesma posição que eu possuo atualmente como profissional, i.e., represento um credor;

8. Existe jurisprudência que reconhece a um advogado a possibilidade de reclamar o seu crédito contra um cliente, fazendo cessar o dever de guardar sigilo profissional;

9. Em bom rigor, a insolvência é um processo em que se reclama créditos da massa insolvente e não diretamente da devedora.

10. Assim concluindo que não adquiri qualquer conhecimento sobre a situação da devedora que possa ser usado nesta nova representação forense, até porque se trata de uma mera reclamação de créditos.

11. Sendo que, reitero, a informação sobre a empresa não me foi transmitida por esta, mas pelo meu marido, numa reunião em que eu estive presente com autorização do gerente da sociedade, sem que estivesse no exercício das minhas funções, uma vez que já não era advogada da empresa ora insolvente, não havendo qualquer possibilidade de transmitir ao meu marido elementos que eventualmente eu tivesse conhecido no exercício do meu anterior mandato, porque não existem.

12. Relativamente a estes factos, existem documentos escritos que provam a solicitação de elementos à devedora, então cliente, que nunca me foram facultados, bem como documentos e até testemunhas que conseguem provar que o meu marido, na qualidade de Contabilista Certificado, tinha conhecimento prévio da situação fiscal e contabilística da insolvente.

13. Os deveres deontológicos em apreço devem ser aferidos em função do caso concreto e não em termos abstratos ou potenciais.

Pelo supra exposto, não obstante a ora requerente considerar que conscientemente não violou qualquer preceito deontológico, tendo em consideração a questão levantada pelo Ilustre colega, requer-se a V.Ex.ª que seja emitido parecer, com caráter urgente, tendo em consideração que o processo de insolvência está a decorrer e que inclusivamente é tramitado em período de férias judiciais, esclarecendo os seguintes pontos:

 

1. Existe violação do dever de guardar segredo profissional na representação judicial quer da própria advogada, quer do Contabilista Certificado daquela, em processo de insolvência, em que a devedora já foi cliente da mandatária?

2. Existe conflito de interesses na representação do Contabilista Certificado, detentor de toda a informação contabilística e fiscal da devedora, num processo de insolvência em que a devedora tenha sido cliente da mandatária?

3. Existe alguma diferença em termos deontológicos, relativamente à representação da própria advogada e de outro credor no processo de insolvência?

 

Certa de um cabal esclarecimento que permita à ora signatária exercer as funções profissionais com respeito pelo cumprimento dos deveres deontológicos que tanto preza, assumindo se for o caso, a responsabilidade pelo incumprimento, e cessando o mandato que viole esses princípios, apresento os meus melhores cumprimentos, com os protestos da minha mais elevada consideração.”

 

O Conselho Regional de Coimbra tem competência para a emissão do parecer solicitado, não apenas por estar em causa situação verificada em localidade pertencente à sua área de competência territorial, mas ainda porque configura questão de carácter profissional diretamente submetida à sua apreciação, nos termos do artigo 54º, nº1 e al. f) do EOA.

Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que questões de carácter profissional são todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de princípios, regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas do Estatuto, bem como, do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados e de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo de poder regulamentar próprio, conferido pelo Estado à Ordem dos Advogados.

 

Cumpre assim, emitir o parecer solicitado respondendo às questões suscitadas pela Exma. Advogada requerente:

 

Existe violação do dever de guardar segredo profissional na representação judicial quer da própria advogada, quer do Contabilista Certificado daquela, em processo de insolvência, em que a devedora já foi cliente da mandatária;

 

A questão colocada assenta na análise e alcance da obrigação de sigilo profissional do advogado e que está regulada no artigo 92.º do EOA, que, no seu n.º 1 indica que “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a)      A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

b)      A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;

c)       A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;

d)      A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;

e)      A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;

f)       A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

O nº 2 daquele artigo indica que “A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.”

No nº 3 determina que, “O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.”

O nº 4 daquele artigo dispõe que: “O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.”

O nº 5 prevê ainda que, “Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.”

 

O dever de segredo profissional constitui uma das principais obrigações que no desempenho da profissão, o advogado deve observar, conforme se encontra previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados, e que visa, em primeira linha, proteger a relação de confiança instituída entre o Advogado e o seu cliente, permitindo ao cliente deter confiança absoluta no seu Advogado para lhe poder revelar todos os factos.

O segredo profissional respeita assim, a todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do advogado em virtude da intrínseca relação de confiança estabelecida entre advogado e cliente.

Significa isto que, todos os factos que cheguem ao conhecimento de um advogado no exercício da sua atividade, encontram-se submetidos ao dever de sigilo profissional, que abrange por isso todas as situações suscetíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu cliente e também, as situações que possam representar uma quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue.

Nessa medida, o advogado apenas pode revelar factos abrangidos pelo sigilo quando a ponderação dos interesses em causa o justifique, e desde que, tal se afigure como absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio Advogado ou do cliente ou seus representantes, e mediante prévia autorização do Presidente do Conselho Regional respetivo.

 

No seguimento do que escreve o Dr. António Arnaut O dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade. O cliente, ou simples consulente, deve ter absoluta confiança na discrição do Advogado para lhe poder revelar toda a verdade, e considerá-lo um sésamo que nunca se abre.”

A regra é, pois, a da absoluta confidencialidade dos factos e dos documentos de que o Advogado tenha conhecimento, directa ou indirectamente, no exercício das suas funções, ou por causa delas.”

 

Conforme preconiza o Dr. Rodrigo Santiago “O advogado está obrigado a guardar segredo profissional no tocante aos factos confidenciais de que tenha tido conhecimento no exercício da sua profissão, relativamente aos quais seja de presumir que quem lhos confiou tinha um interesse objectivo em que se mantivessem reservosos.” Considerações Acerca do Regime Estatutário do Segredo Profissional dos Advogados, pág. 239.

 

Traçadas as linhas gerais, e procedendo à análise da questão concreta, diremos que, saber se determinado facto está ou não abrangido pelo segredo profissional pressupõe uma análise casuística, onde, e para além da consideração do próprio facto e das circunstâncias em que o advogado delas teve conhecimento, impõe também considerar a particular relação material controvertida onde se pretende a revelação do facto ou, onde o mesmo já foi revelado.

Será assim feita a ponderação se o facto a ser revelado, contende com os valores subjacentes à consagração do dever de guardar segredo profissional.

 

Resulta da exposição da Exma. Advogada requerente que, após ter renunciado ao mandato da sociedade reclamou os respetivos honorários no processo de insolvência, tendo apresentado requerimento na qualidade de advogada em causa própria. Ora, na reclamação de honorários poderá o advogado ter que indicar determinados elementos e factualidade, tais como, a proveniência do crédito, através da identificação dos serviços prestados, diligências efetuadas, a complexidade do assunto que lhe foi submetido etc. e juntar ao processo documentos que permitam comprovar o que alega, só sendo possível determinar quais desses estão a coberto da obrigação de guardar segredo através da avaliação casuística .

Diremos por isso que, em termos abstratos, e por força da relação profissional estabelecida entre as partes, os factos de que, nesse âmbito, o advogado tenha tido conhecimento poderão estar abrangidos pela esfera de proteção do sigilo profissional por força do disposto no artigo 92º do EOA.

 

No entanto, não está vedado ao advogado litigar em causa própria, contra um seu anterior cliente, por forma a garantir os seus direitos, no caso, o direito legitimo do Advogado receber honorários pelos serviços prestados, pois que, não pode, a coberto do segredo profissional ser limitado ao advogado o patrocínio em causa própria para defesa dos seus interesses legítimos, por isso, em certas circunstâncias pode, o advogado ficar desvinculado da obrigação do segredo profissional e divulgar os factos e documentos que ao abrigo desse dever lhe foram confiados pelo cliente.

Mas, e para que tal aconteça, com quebra legítima do sigilo profissional, e para defesa de direitos ou interesses legítimos, in casu, do próprio Advogado, terá que ser expressa e previamente autorizado a fazê-lo pelo Presidente do Conselho Regional respetivo ou, pelo Bastonário, em caso de recurso da decisão daquele, conforme resulta do n.º 4 do artigo 92.º do EOA.

 

Assim, para que a Sra. Advogada requerente possa fazer uso, no processo de insolvência em questão, de factos sujeitos a sigilo, quer tais factos tenham chegado ao seu conhecimento enquanto advogada da sociedade devedora, quer tenham chegado ao seu conhecimento através do contabilista certificado da empresa, só o poderá fazer depois de devida e previamente autorizada pelo Presidente do Conselho Regional respetivo, sob pena de violação do segredo profissional e consequente infração disciplinar.

 

Existe conflito de interesses na representação do Contabilista Certificado, detentor de toda a informação contabilística e fiscal da devedora, num processo de insolvência em que a devedora tenha sido cliente da mandatária.

 

A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da advocacia diz respeito, encontra-se regulada no artigo 99.º do EOA.

O objetivo do citado normativo assenta na preservação dos valores de independência, confiança e lealdade, fundamentais no exercício da advocacia, tendo ainda como fundamento evitar a quebra do segredo profissional.

A questão de saber se existe ou não conflito de interesses, pressupõe uma análise da situação concreta, contudo, o artigo 99.º do EOA concretiza algumas situações em que o dever de recusa do patrocínio é imposto, não porque em concreto e no imediato se verifique um conflito de interesses, mas porque, objetivamente, tais situações se apresentam como potenciadoras desse conflito.

Dispõe o artigo 99.º do EOA (que se transcreve):

Artigo 99.º

Conflito de Interesses

“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”

 

Ora, à luz do enunciado normativo, as situações previstas nos números 1 e 2 do citado artigo determinam que o advogado deve recusar o patrocínio:

- De questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade;

- De questão conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária;

- De questão contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

Resulta ainda do nº 3 do citado artigo que o advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

Por outro lado, dispõe o nº 4 que, se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como, se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

Segundo o n.º 5, O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, procurando-se, defender a comunidade e os clientes dos advogados em especial, de atuações ilícitas destes, conluiados, ou não, com outros clientes e, defender o advogado da hipótese de sobre ele recair a suspeita de uma atuação visando qualquer outro fim, que não a defesa intransigente dos direitos e interesses do seu cliente.

 

No entanto, a matéria do conflito de interesses é também uma questão de consciência do próprio Advogado, competindo-lhe, pois, avaliar se o novo mandato não o impedirá de exercer, de forma livre e sem quaisquer constrangimentos, a sua atividade, conforme exigido pelas normas ínsitas no Estatuto Profissional.

 

Considerando a situação fáctica descrita, diremos que, genericamente não está vedado ao advogado, exercer patrocínio contra um anterior cliente, impondo-se apenas averiguar se tal patrocínio configurará, ou não, uma situação de conflito de interesses.

Face ao relato da Exma. Advogada requerente, enquanto advogada da empresa nunca teve acesso a qualquer informação contabilística relevante que possa ser usada no processo de insolvência, mas que, o conhecimento da situação financeira da sociedade advém da informação transmitida numa reunião na qual participou na qualidade de esposa do Contabilista Certificado, e portanto, sem que estivesse no exercício da profissão, uma vez que já não era advogada da empresa insolvente, bem como informação transmitida pelo Contabilista Certificado, que tem conhecimento de toda a informação contabilista da empresa e na qual se baseia a insolvência.

A finalidade prevista no artigo 99.º é evitar o risco sério, ainda que apenas potencial, do conflito de interesses dos clientes do advogado, quando o interesse de um é contrário ao interesse de outro e, no processo de insolvência os interesses da empresa insolvente não serão exatamente os mesmos interesses do credor, uma vez que, e de forma muito simplista, este pretenderá receber a totalidade do seu crédito, e o insolvente pretenderá que o seu património chegue para ressarcir todos os credores.

Assim, numa primeira leitura parece inequívoco que a situação exposta se enquadra na previsão, do n.º 1 do citado artigo 99.º do EOA, que prevê as situações, em que o advogado já tenha intervindo em qualquer outra qualidade na mesma questão ou em que a questão seja conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária, sendo ainda, reforçada pelo consignado nº 5 do mesmo preceito legal, pois a lei basta-se com o risco do não cumprimento do dever de guardar sigilo profissional, não sendo necessário que este se mostre violado.

 

Pelo que, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 99º do E.O.A. o advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente sempre que tal possa colocar o seu dever de guardar sigilo profissional relativamente a assuntos de anterior cliente, ou se do conhecimento desses assuntos possam resultar vantagens ilegítimas ou injustificadas para o seu potencial novo cliente, não sendo necessária uma concreta violação do dever de guardar segredo profissional, basta a mera probabilidade de tal violação, para que exista uma situação de conflito de interesses.

 

Existe alguma diferença em termos deontológicos, relativamente à representação da própria advogada e de outro credor no processo de insolvência.

 

A Deontologia é o conjunto de regras ético-jurídicas pelas quais o advogado deve pautar o seu comportamento profissional e cívico.

A deontologia profissional é tratada no Estatuto da Ordem dos Advogados, nos Regulamentos aprovados pela Ordem, e em disposições legais avulsas.

Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 88.º do EOA “O advogado é indispensável à administração da justiça, e como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem”.

Nas palavras de António Arnaut, “A exigência de conduta privada irrepreensível radica, assim, na própria natureza da advocacia. Se o advogado exerce uma função de interesse público, não pode ser respeitado e impor-se quando a sua vida pessoal merece censura ética, não se consubstanciando na sua pessoa um pólo de autoridade moral” - Iniciação à Advocacia – História Deontolgica. Questões práticas, Coimbra Editora, pág.81.

O Advogado, no exercício da sua profissão quer seja em nome e interesse pessoal, advogando em causa própria, quanto tal for permitido, quer seja no patrocínio de terceiro está vinculado ao cumprimento escrupuloso do mesmo conjunto de deveres consignados no Estatuto da Ordem dos advogados e ainda àqueles a que a lei, os usos, os costumes e as tradições profissionais lhe impõem.

Conclusão:

 

1.      O Advogado só poder fazer uso de factos sujeitos a sigilo, quer deles tenha tido conhecimento enquanto advogado do seu cliente quer deles tenha tido conhecimento através de terceiro que teve relações com o seu ex-cliente, depois de previamente autorizado pelo Presidente do Conselho Regional respetivo, sob pena de cometer infração disciplinar.

2.      Nos termos do disposto no nº 5 do artigo 99º do E.O.A. o advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente sempre que tal possa colocar o seu dever de guardar sigilo profissional relativamente a assuntos de anterior cliente, ou se do conhecimento desses assuntos possam resultar vantagens ilegítimas ou injustificadas para o seu potencial novo cliente.

3.       Face ao disposto no nº 5 do artigo 99º do E.O.A, não é necessária uma concreta violação do dever de guardar segredo profissional, basta a mera probabilidade de tal violação, para que exista uma situação de conflito de interesses.

4.      O Advogado, no exercício da sua profissão quer seja em nome e interesse pessoal, advogando em causa própria, quanto tal for permitido, quer seja no patrocínio de terceiro está vinculado ao cumprimento escrupuloso do mesmo conjunto de deveres consignados no Estatuto e ainda àqueles a que a lei, os usos, os costumes e as tradições profissionais lhe impõem.

 

É este o nosso parecer.

 

Luisa Peneda Cardoso

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