Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 17/PP/2020-C

PARECER N.º 17/PP/2020-C

Incompatibilidades e impedimentos

 

Por comunicação remetida por correio electrónico em 13 de Julho de 2020 e dirigida ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a Exma. Senhora Dra. MD…, Advogada, portadora da cédula …C, com domicílio profissional sito na …, veio requerer a emissão de parecer, nos termos que infra se transcrevem: 

 

“MD…, Advogada portadora da cédula profissional nº …c, com domicilio profissional na … vem expor e requerer a V.Exª o seguinte: 1º A aqui signatária é, há alguns anos, associada de uma associação, com sede em Á…, denominada AA….

2º Por tal motivo, sempre que lhe é pedido, presta apoio jurídico pro bono para a supra mencionada associação.

3º A requerente não integra o órgão que obriga e representa a associação em juízo.

4º Na sequência de um protocolo que não foi cumprido a Direção daquela associação solicitou apoio jurídico à aqui signatária, no sentido de avançar com participação criminal e com ação junto do Julgado de Paz, contra a associação incumpridora, e interveniente no supra citado protocolo.

4º Sucede que, à aqui signatária suscitaram-se dúvidas sobre a representação da associação tendo em conta que o presidente da direção é seu irmão.

5º Pese embora a aqui signatária não tenha qualquer interesse na causa vem requerer a V.Exª a emissão de parecer sobre a existência de qualquer incompatibilidade ou impedimento para o exercício do mandato no caso concreto.”

 

Ao abrigo do disposto nos artigos 54.º, nº 1, alínea f) e 85.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro, o presente pedido de parecer versa sobre impedimentos e incompatibilidades havidos com o exercício da advocacia, cuja apreciação compete ao Conselho Geral e aos Conselhos Regionais (artigo 81.º, nº 5, do EOA).

Pelo que, proceder-se-á à emissão de parecer.

 

I.                    DA INCOMPATIBILIDADE

 

As normas relativas às incompatibilidades e impedimentos encontram-se previstas nos artigos 81.º a 87.º do EOA. 

O artigo 82.º do EOA contém um elenco não taxativo de cargos, funções e actividades incompatíveis com o exercício da advocacia. 

Por seu turno, o n.º 2 do artigo 81.º do EOA refere que “O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.”

Ora, a requerente não exerce nenhum dos cargos, funções ou actividades constantes do artigo 82.º do EOA.

 E assim sendo, haverá pois que aferir acerca de uma eventual incompatibilidade à luz da cláusula geral supra identificada - n.º 2 do artigo 81 do EOA. 

Vejamos, a Requerente é associada da referida associação, contudo não integra a direcção da mesma, pelo que não se afigura que tal facto, de forma abstracta, possa afectar a isenção ou a independência da Advogada ou pôr em causa a dignidade da profissão.

 Sendo certo que, também não é pelo facto de a Requerente ser irmã do presidente da direcção que, de forma abstracta, vê afectada a sua isenção, independência e/ou a dignidade da profissão. 

Sem prejuízo do supra exposto, sempre se dirá que, na eventualidade de a Requerente integrar algum cargo na Assembleia Geral ou no Conselho Fiscal da referida associação, não se afigura que os mesmos, de forma abstracta, possam afectar a isenção ou a independência do Advogado, ou pôr em causa a dignidade da profissão (como aconteceria, a título de exemplo, na hipótese da Advogada patrocinar determinada acção contra a associação ou patrocinar a associação em actos em que tenha intervindo no exercício das suas funções estatutárias). [1]

  

 

 

II.                  DO IMPEDIMENTO

 

No que concerne ao exercício do mandato no caso em concreto, deve atender-se ao estatuído no n.º 1 do artigo 83.º do EOA que refere que “Os impedimentos diminuem a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa ou por inconciliável disponibilidade para a profissão.”

E ainda ao facto de os impedimentos resultarem “ (…) de circunstâncias concretas que devem levar os Advogados a recusar mandato ou prestação de serviços em função de conflito de interesses ou de decoro, já que o exercício da profissão deve ser livre, independente e adequado à dignidade da função” [2]

Ora, tendo em conta o exposto pela requerente Advogada, não se nos afigura que exista qualquer situação de impedimento ou de conflito de interesses.

Pois que, o facto de a requerente ser associada e irmã do presidente da direcção da associação em causa, também não afecta a liberdade ou independência enquanto Advogada.

É certo que poderá existir na comunidade uma suspeita no que respeita à eventual condução do mandato, atendendo ao grau de parentesco existente entre a requerente e o presidente da direcção da associação. Todavia, nessa hipótese, o Advogado deverá fazer prevalecer o valor supremo da sua independência face a outros interesses, ainda que legítimos.  

Em resumo, entendemos que, de forma abstracta, a Requerente Advogada não está limitada relativamente ao aconselhamento jurídico ou patrocínio da referida associação, quer por razões de incompatibilidades, impedimentos, conflito de interesses e de decoro profissional.

 

CONCLUSÕES

 

I.                    O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possam afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão (n.º 2 do artigo 81 do  EOA).

 

II.                  Não se verifica, em abstracto, qualquer situação de incompatibilidade pelo facto de a Advogada ser associada de uma associação ou irmã do presidente da direcção da mesma. 

 

III.                Em abstracto, a advogada que é associada e irmã do presidente da direcção de uma associação, não se encontra impedida de patrocinar, judicial ou extrajudicialmente, a referida instituição.

 

IV.                A Advogada que exerça determinado cargo nos órgãos sociais de uma associação pode ver-se impedida de patrocinar, judicial ou extrajudicialmente, a associação em actos em que tenha tido intervenção nessa qualidade. 

 

É este, salvo melhor opinião, o parecer que proponho à apreciação e deliberação do Conselho Regional de Coimbra.

 

O relator,  



[1] Neste sentido vejam-se os pareceres do Conselho Geral n.º 21-PP-2008-G e n.º E-21/04.

[2] Fernando Sousa Magalhães, “Estatuto da Ordem dos Advogados – Anotado e Comentado”, 2ª edição, 2006, páginas 98 e 99.

 

Emanuel Simões

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