Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 18/PP/2020-C

Parecer Nº 18/PP/2020C

Assunto: Procuração a advogado. Necessidade de reconhecimento de assinatura.

 

Por comunicação efetuada por correio eletrónico dirigida a este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a Exmª Srª. Drª. SV…, advogada, com escritório em P…, veio requerer que este se pronuncie sobre questão que ali coloca e que é a seguinte:

«Tendo sido confrontada com exigência de reconhecimento notarial da assinatura da outorgante (minha cliente) pela seguradora Fidelidade:

“A procuração tem que estar com a assinatura reconhecida em notário ou por advogado o qual não esteja ligado a qualquer entidade para a qual presta serviços jurídicos (obrigatoriedade face o atual Regulamento de Proteção de Dados, face estarmos no âmbito extrajudicial).

O que nunca me foi solicitado por nenhuma das demais seguradoras com que já trabalhei, solicito que me informe de Parecer quanto ao assunto (procurações passadas a advogado carecem de reconhecimento de assinatura), pois conforme comuniquei aos Exmos. Srs. irei, como devo, seguir o recomendado pela minha Ordem e não as instruções das Seguradoras. (…)»

 

Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.

 

O nosso parecer é balizado pela questão concreta que nos é colocada – se as procurações passadas a advogado carecem de reconhecimento de assinatura.

Vejamos,

O artigo 262º do Código Civil, no seu nº 1, define procuração como “o acto pela qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos” e, no que respeita à forma, o nº 2 deste artigo diz-nos que “salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar”.

Quer isto significar que a procuração é o ato unilateral pelo qual o mandante atribui poderes de representação ao mandatário, devendo a procuração revestir a forma que for exigida para o negócio para o qual a procuração é emitida.

As procurações que exijam a intervenção notarial podem ser lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado.

Por exemplo, se estivermos perante um negócio de compra e venda de um imóvel, a procuração deverá revestir a forma de documento público ou documento autenticado. Mas a procuração pode revestir a forma de documento particular, por exemplo, se se tratar de uma procuração forense ou de uma procuração para representação extrajudicial com poderes para receber determinada quantia e dar quitação da mesma.

Se a procuração revestir a forma de documento particular, a assinatura do mandante considera-se verdadeira, quando reconhecida ou não impugnada, conforme prescreve o artigo 374º do Código Civil. Quer isto dizer que, se a assinatura aposta no documento particular não estiver reconhecida notarialmente, considera-se que, enquanto não for posta em causa essa veracidade, a mesma pertence à pessoa identificada como a que efectuou a assinatura, cabendo aquele a quem é seja apresentado um tal documento particular contendo a assinatura sem reconhecimento notarial atacar a veracidade da mesma. Caso a assinatura se mostre reconhecida notarialmente, considera-se que a mesma é verdadeira (artigo 375º, nº 1 do Código Civil).

 

A procuração forense é o ato unilateral pelo qual o mandante (o cliente) confere ao mandatário (advogado ou solicitador) poderes de representação, designadamente poderes forenses.

 

Assim, devemos distinguir a procuração e representação forense da procuração e representação extrajudicial.

Como já tivemos oportunidade de ver, o conceito de procuração encontra-se no artigo 262º do Código Civil. O mandato, tal como é definido no artigo 1.157º do Código Civil, é o contrato pelo qual se conferem poderes de representação ao mandatário para a prática de um ou mais atos jurídicos. No caso do mandato com representação, situação em que é outorgada a procuração, o mandatário pode praticar atos jurídicos em nome do representado. O mandato conferido no âmbito do patrocínio judiciário é um mandato especial, designado mandato forense, envolvendo a atribuição de poderes específicos ao mandatário para representar o mandante em todos os actos e termos de um processo principal e respetivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores (artigo 44º do Código de Processo Civil). Trata-se, por isso, de um mandato assente na atribuição de um poder geral para pleitear em juízo, permitindo que o mandatário realize, em nome da parte, todos os actos compreendidos na tramitação dos processos judiciais.

 

Ou seja, procuração e procuração forense, são realidades diferentes. A procuração constitui-se como instrumento de representação voluntária geral, para a prática de actos jurídicos, em que se exigem poderes específicos para a prática de um acto. A procuração forense  materializa a representação forense, limitada a um processo, tendo em vista a prática de atos processuais com o desiderato de atingir o fim pretendido pelo mandante.

 

As procurações passadas a advogados para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do mandante, dos poderes para o acto, conforme prescreve o Decreto-Lei nº 267/92, de 28 de novembro, no seu artigo único.

A abolição do reconhecimento notarial da assinatura do mandante nas procurações forenses (para a prática de atos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário) consagrado no diploma vindo de referir justificou-se, não só por razões de desburocratização e agilidade na prática de certos atos, mas sobretudo pela especial fé de que gozam os atos praticados pelos advogados, pois aquele diploma apenas exige que os advogados se certifiquem e atestem a veracidade do mandato e a extensão dos poderes recebidos. Assim e de acordo com tal disciplina, basta que o advogado se certifique (e tem a obrigação de o fazer) dos poderes do mandante e, necessariamente, da sua identidade, para que a procuração seja legalmente válida, não sendo, por isso, exigível ou aceitável uma nova verificação de assinatura, designadamente pela pessoa ou entidade a quem a procuração é apresentada pelo advogado.

 

Importa fazer uma pequena referencia ao artigo nº 43º do atual Código Registo Civil, cujo nº 3, dispensada o reconhecimento da assinatura do mandante - declarante para efeitos de registo ou pessoa a quem o facto diretamente respeite, ou de vujo consentimento dependa a plena eficiácia do registo -   quando a mesma é passada a favor de advogado ou solicitado.

 

Posto isto, suscita-se a questão de saber se ficam dispensadas de reconhecimento notarial as assinaturas apostas em quaisquer procurações passadas a advogado ou se tal dispensa se aplica apenas às procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais.

 Manuel A. Domingues de Andrade, na sua obra “Noções Elementares de Processo Civil”, define patrocínio judiciário, “como a assistência técnica prestada às partes, por profissionais do foro (advogados e solicitadores), para a condução do pleito, mediante, em termos adequados, dos respectivos actos processuais.” Ou seja, podemos dizer que o patrocínio judiciário consiste na representação e assistência técnica das partes por profissionais do foro que conduzem técnico-juridicamente o processo, mediante a prática de atos processuais adequados, com respeito pelas regras legais.

 

O artigo único do Decreto-Lei nº 267/92, de 28 de novembro, refere que “1. As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto. 2 – As procurações com poderes especiais devem especificar o tipo dos actos, qualquer que seja a sua natureza, para as quais são conferidos esses poderes.”

 

Tendo em consideração o exposto, estamos em crer que a solução que melhor se adequa às  noções e às normas citadas, é aquela que passa por  restringir a não obrigatoriedade de reconhecimento notarial da assinatura do mandante  às procurações forenses.

Já quanto às demais procurações passadas a advogados, as exigências de forma  dependerão da forma dos atos a praticar pelo mandatário no âmbito do mandato conferido, e assim poderão ser exigíveis  procurações obrigatoriamente lavradas por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo mandante com reconhecimento presencial da assinatura e da letra ou por documento autenticado; tudo dependendo, como se disse, da forma exigida para os atos a praticar pelo mandatário, no uso dos poderes conferidos pelo mandante. Se os poderes conferidos não o determinarem, então mostra-se suficiente um documento particular assinado pelo mandante – documento esse cuja assinatura se presume verdadeira enquanto não for impugnada ou colocada em causa por aquele a quem a procuração seja apresentada, salvo nos casos em que se mostre reconhecida notarialmente.

 

Por último, importa perceber se o advogado pode reconhecer a assinatura do mandante numa procuração passada a seu favor.

A resposta a esta questão tem de ser negativa.

Os advogados, por força do artigo 38º, da Lei nº 76-A/2006, de 29.03, podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar ou fazer certificar traduções de documentos, nos termos previstos pela lei notarial, bem como, certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhe sejam presentes para certificar, nos termos do Decreto-Lei nº 28/200, de 13.03.

Contudo, o advogado não pode praticar tais atos quando seja o beneficiário das procurações, por tal se lhe mostrar vedado face ao disposto no nº1 do artigo 5º do Código do Notariado, segundo o qual: “1. O notário não pode realizar actos em que sejam partes ou beneficiários, directos ou indirectos, quer ele próprio quer o seu cônjuge ou qualquer parente ou afim na linha recta ou em 2º grau da linha colateral.”

 

Posto isto, não podemos deixar de fazer uma referência ao pedido formulado pela seguradora e que motivou o pedido deste parecer por parte da Senhora Advogada requerente.

A Sra. Advogada requerente, conforme refere, foi notificada pela seguradora do seguinte: “A procuração tem que estar com a assinatura reconhecida em notário ou por advogado o qual não esteja ligado a qualquer entidade para a qual presta serviços jurídicos (obrigatoriedade face o atual Regulamento de Proteção de Dados, face estarmos no âmbito extrajudicial).”

Desconhecendo o âmbito dos poderes conferidos na procuração apresentada pela Sra. Advogada junto da seguradora e quais os atos a praticar, apenas podemos dizer que, na nossa opinião, face às disposições legais supra citadas, a seguradora pode exigir o reconhecimento da assinatura do mandante na procuração, uma vez que, não estamos perante uma procuração forense.

 

Conclusões:

1.     O Decreto-Lei nº 267/92 de 28 de novembro veio abolir a obrigatoriedade de reconhecimento notarial das assinaturas nas procurações forenses passadas a advogados, com poderes gerais ou especiais, devendo o advogado certificar a identidade e  poderes do mandante.

 

2.     Tratando-se de procuração com poderes de representação extrajudicial, a entidade a quem a mesma é apresentada, pode  por em causa a veracidade da assinatura do mandante se  a mesma não estiver reconhecida notarialmente e exigir o seu reconhecimento.

 

3.     Os advogados não podem reconhecer assinaturas apostas em documentos em que sejam beneficiários diretos ou indiretos.

 

É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.

 

António Sá Gonçalves

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