Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 9/PP/2020-C

Parecer n.º 09/PP/2020-C

Assunto: Conflito de Interesses

 

Através de comunicação eletrónica de 29.04.2020 dirigida ao Conselho Regional de Coimbra, a Exma. Senhora Dr.ª VF…, Advogada, com escritório em O…, solicitou a emissão de parecer que coloca nos seguintes termos:

 

“(…)  1 – A ora mandatária patrocinou a sociedade MCD…, Lda quer na fase pré-negocial quer na concretização do negócio de cessão de quotas da sociedade Tipografia CS…, Lda. Sucede que no âmbito das negociações e a pedido da MCD…, sua única constituinte e representada, a ora signatária procedeu ao averbamento das actas da sociedade vendedora Tipografia quanto ao aumento de capital e alteração de objecto social, bem como a respectiva cessão de quotas junto da Conservatória do Registo Comercial ora necessárias à concretização do negócio por parte da sua constituinte, cujos custos de acordo com a negociação ficariam a seu cargo;

2 – Subjaz frisar que em momento algum a sociedade vendedora ou os seus ex-sócios foram patrocinados pela ora signatária, mas sim por um Colega, não obstante a ora signatária ter efetuado os registos das actas da sociedade a pedido da sua constituinte ora compradora;

3 – Durante as negociações foi asseverado pelos sócios vendedores e formalizado por contrato de cessão de quotas inexistirem quaisquer perante terceiros pelos sócios vendedores, sucede que após a cessão de quotas foi a ora sociedade compradora confrontada com um pedido de insolvência já decretado por créditos existentes de ex-trabalhadores;

4 – Pretende agora a sociedade compradora anular o contrato de cessão de quotas com base em dolo e erro, porquanto era fundamental inexistir quaisquer dívidas, pretendendo a ora signatária e Requerente que se dignem a indicar se a ora signatária poderá patrocinar a sociedade compradora no âmbito de acção declarativa condenatória junto dos ex-sócios ou se a mesma está impedida de o fazer ao abrigo do disposto no artigo 99.º do EOA.

5 – Mais requer um parecer Urgente, porquanto está pendente um processo de insolvência que poderá acarretar funestos e graves danos junto da constituinte.”

 

Cumpre assim, emitir o parecer solicitado:

É competência deste Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional, de acordo com o artigo 54.º nº 1 alínea f) do EOA.

 

A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da advocacia diz respeito, encontra-se regulada no artigo 99.º do EOA.

O objetivo do citado normativo assenta na preservação dos valores de independência, confiança e lealdade, fundamentais no exercício da advocacia, tendo ainda como fundamento evitar a quebra do segredo profissional.

A questão de saber se existe ou não conflito de interesses, pressupõe uma análise da situação concreta, contudo, o artigo 99.º do EOA concretiza algumas situações em que o dever de recusa do patrocínio é imposto, não porque em concreto e no imediato se verifique um conflito de interesses, mas porque, objetivamente, tais situações se apresentam como potenciadoras desse conflito.

Dispõe o artigo 99.º do EOA (que se transcreve):

Artigo 99.º

Conflito de Interesses

“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”

 

Ora, deve ser à luz do enunciado normativo que deve ser encontrada a solução para o caso em apreço.

As situações previstas nos números 1 e 2 do citado artigo determinam que o advogado deve recusar o patrocínio:

- De questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade;

- De questão conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária;

- De questão contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

Resulta ainda do nº 3 do citado artigo que o advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

Por outro lado, dispõe o nº 4 que, se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

 

Considerando a situação fáctica descrita, a Advogada requerente patrocinou a sociedade MCD… na concretização de um contrato de cessão de quotas da sociedade Tipografia, para o efeito, e a pedido da sua constituinte, procedeu à apresentação de atos para registo, da referida sociedade, e que se revelaram necessários para a concretização do negócio por parte da sua constituinte, designadamente, averbamento de atas, aumento de capital, alteração de objeto social, bem como a promoção do registo comercial dos atos titulados pelo contrato de cessão de quotas junto da Conservatória do Registo Comercial.

Resulta ainda da exposição da Advogada requerente que “(…) em momento algum a sociedade vendedora ou os seus ex-sócios foram patrocinados pela ora signatária.”

Pretende agora a Advogada requerente, patrocinar a sociedade MCD…, numa ação de condenação contra os sócios cedentes da sociedade Tipografia, com vista à anulação do contrato de cessão de quotas.

 

Ora, o EOA, no que se refere à matéria de conflito de interesses, prevê a recusa de patrocínio, em causas em que o advogado já tenha intervindo numa outra qualidade, em causas que sejam conexas com outras em que tenha representado a parte contrária, em causas contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado e, em causas que possam colocar em crise o sigilo profissional.

 

No caso em apreciação, diremos que não existe, pelo menos, objetivamente, uma situação de conflito de interesses que imponha um dever de recusa do patrocínio. A Advogada requerente, na formalização do contrato de cessão de quotas, não representou a sociedade e nem os sócios cedentes, que foram patrocinados por outro Colega, a sua atuação limitou-se à prática de atos para efeito de registo comercial, a pedido da sua constituinte.

 

 

Na situação em análise e face aos factos apresentados para a emissão de parecer, entendemos que não existe, conflito de interesses tal como definido no Estatuto da Ordem dos Advogados.

 

Conclusão:

        I.     Em termos de direito constituído, pode existir conflito de interesses quando o advogado tenha intervindo: i)  numa causa noutra qualidade; ii)  em causas que sejam conexas com outras em que tenha representado a parte contrária; iii)   em causas contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado; iv)   em causas que possam colocar em crise o sigilo profissional.

      II.     Tendo em consideração a factualidade descrita pela Sra. Advogada requerente não se verifica  nenhuma das situações previstas no artigo 99.º do EOA que imponha um dever de recusa do patrocínio, uma vez que, não representou nem representa a sociedade nem os sócios cedentes contra quem, deverá propor, em representação da sociedade sua patrocinada, uma ação judicial para anulação do contrato de cessão.

 

É este o nosso parecer.

 

Luisa Peneda Cardoso

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