Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 2/PP/2021-C

Parecer n.º 2/PP/2021-C

Assunto: Exercício da atividade em regime de subordinação

 

Por comunicação escrita, datada de 20 de janeiro de 2021, remetida através de correio eletrónico, dirigido ao Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, o Exmo. Senhor Dr. ASD…, solicitou a emissão de parecer que coloca nos seguintes termos e que por facilidade na análise se transcreve:

 

Exerço, atualmente, funções enquanto jurista numa instituição de crédito, mediante contrato de trabalho a termo certo de 12 meses, o qual, já teve uma renovação. No âmbito das minhas funções, presto apoio jurídico às diferentes áreas da IC, executo a recuperação de crédito extrajudicial e acompanho os processos judiciais de recuperação de crédito.

Embora não exerça de momento no âmbito do referido contrato, sou também Advogado com inscrição inativa.

Neste contexto e enquadramento, surge necessidade de esclarecimento, decorrente das necessidades funcionais da IC, de saber se, reativando a minha inscrição de Advogado e no âmbito do mesmo contrato de trabalho, poderei praticar actos, ditos notariais, como reconhecimentos, termos de autenticação, etc., internos da IC. Neste sentido, seguem as seguintes questões:

1. Poderei ou não realizar este tipo de atos, reconhecimentos, termos de autenticação etc…?

2. Poderei certificar e reconhecer atos “internos” da Instituição de Crédito? Nomeadamente, procurações, assinaturas dos seus representantes, declarações de renúncia à hipoteca, entre outros?

3. Poderei reconhecer assinaturas presencialmente e com menções especiais dos clientes da IC nos contratos nos contratos que celebram com esta?

4. Poderei autenticar os contratos da IC conferindo-lhe força executiva necessária nos termos do 703.º do CPC?

5. Reativando a minha inscrição como advogado nos termos em causa, deverei alterar a minha morada profissional para que coincida com a da IC onde exerço as minhas funções?”

 

Nos termos do que se encontra definido no artigo 54º nº 1 al. f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, o Conselho Regional de Coimbra tem competência para a emissão do parecer solicitado, porque configura uma questão de carácter profissional diretamente submetida à sua apreciação, pelo que, se procede à emissão de parecer nos seguintes termos:

 

Da exposição apresentada pelo Senhor Dr. ASD..., resulta que atualmente exerce a atividade profissional de jurista, mediante contrato de trabalho a termo, numa Instituição de Crédito, mantendo suspensa a sua inscrição de advogado.

Neste contexto, surge a questão de saber se requerendo o levantamento da suspensão da inscrição de advogado, e no âmbito do mesmo contrato de trabalho, poderá praticar os atos que enuncia nos pontos 1 a 4 da sua exposição.

 

Efetuando, desde logo, o enquadramento jurídico do exercício da atividade de advogado em regime de subordinação, uma vez que, operando o levantamento da suspensão da inscrição de advogado, a matéria colocada à nossa apreciação subsume-se na análise do exercício da atividade no âmbito de um contrato de trabalho de direito privado, e nesse intento o artigo 73.º do EOA determina:

Artigo 73.º

Exercício da atividade em regime de subordinação

1 - Cabe exclusivamente à Ordem dos Advogados a apreciação da conformidade com os princípios deontológicos das cláusulas de contrato celebrado com advogado, por via do qual o seu exercício profissional se encontre sujeito a subordinação jurídica.

2 - São nulas as cláusulas de contrato celebrado com advogado que violem aqueles princípios.

3 - São igualmente nulas quaisquer orientações ou instruções da entidade empregadora que restrinjam a isenção e independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão.

4 - O conselho geral da Ordem dos Advogados pode solicitar às entidades públicas empregadoras, que hajam intervindo em tais contratos, entrega de cópia dos mesmos a fim de aferir da legalidade do respetivo clausulado, atentos os critérios enunciados nos números anteriores.

5 - Quando a entidade empregadora seja pessoa de direito privado, qualquer dos contraentes pode solicitar ao conselho geral parecer sobre a validade das cláusulas ou de atos praticados na execução do contrato, o qual tem carácter vinculativo.

6 - Em caso de litígio, o parecer referido no número anterior é obrigatório”.

 

O citado artigo do EOA prevê assim, a possibilidade de o advogado exercer a sua atividade profissional no âmbito de um contrato de trabalho, contudo, atribui competência exclusiva à Ordem dos Advogados para a verificação da conformidade das suas cláusulas com os princípios deontológicos que devem reger a atividade.

 

Verifica-se desta forma que, os princípios estatutários conformadores do exercício da advocacia devem ser observados, quer a mesma ocorra em situação de prática profissional liberal, quer no âmbito de uma relação jurídica de subordinação de natureza pública ou de natureza privada e, designadamente, no âmbito de um contrato de trabalho.

Refira-se ainda que, nos termos do artigo 84.º do EOA, os Conselhos Regionais ou o Conselho Geral, podem solicitar às entidades com quem os advogados possam ter estabelecido relações profissionais, bem como a estes, as informações que entendam necessárias para a verificação da existência de incompatibilidade.

 

Por outro lado, integrado no Capítulo das Incompatibilidades e Impedimentos, o artigo 81.º do EOA prevê o que a seguir se transcreve:

Artigo 81.º

Princípios gerais

1 - O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.

2 - O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.

3 - Qualquer forma de provimento ou contrato, seja de natureza pública ou privada, designadamente o contrato de trabalho, ao abrigo do qual o advogado venha a exercer a sua atividade, deve respeitar os princípios definidos no n.º 1 e todas as demais regras deontológicas que constam do presente Estatuto.

4 - São nulas as estipulações contratuais, bem como quaisquer orientações ou instruções da entidade contratante, que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão.

5 - As incompatibilidades ou os impedimentos são declarados e aplicados pelo conselho geral ou pelo conselho regional que for o competente, o qual aprecia igualmente a validade das estipulações, orientações ou instruções a que se refere o número anterior.

6 - O exercício das funções executivas, disciplinares e de fiscalização em órgãos da Ordem é incompatível entre si.”

 

O sistema de incompatibilidades e impedimentos previsto no EOA, pretende salvaguardar que o exercício da advocacia se paute pelos princípios da autonomia técnica, isenção, independência e responsabilidade, motivo pelo qual, o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar esses princípios ou a dignidade da profissão.

 

A matéria das incompatibilidades e impedimentos encontra-se em estreita conexão com os princípios da integridade e da independência, estes previstos nos artigos 88.º e 89.º do EOA.

Os identificados princípios, a par do interesse público da profissão, são considerados pilares fundamentais da deontologia dos Advogados, valores essenciais ao Estado de Direito Democrático, e que visam evitar situações que possam traduzir-se em falta de independência do Advogado ou perda de dignidade e de isenção no exercício da profissão.

 

O Advogado deve assim pautar a sua conduta profissional com plena autonomia técnica, isenção, independência e responsabilidade, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros (artigo 89.º do EOA).

 

Da análise efetuada às normas supra descritas, preconiza-se que, o EOA não impede o Advogado de exercer a sua atividade em regime de contrato individual de trabalho, contudo, quando abrangido por esse regime, o Advogado está sujeito aos mesmos princípios deontológicos que devem reger a profissão.

 

Pois que, e apesar da existência de subordinação jurídica, inerente ao contrato de trabalho, ao Advogado impõe-se o cumprimento pontual dos deveres consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados, e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.

Com efeito, a subordinação jurídica presente nos contratos de trabalho, conforme supra se adiantou, poderá limitar a independência dos trabalhadores, na medida em que estes estão obrigados a respeitar as ordens e as instruções do empregador, no entanto, também o Código do Trabalho, nos artigos 116.º e 127.º n.º 1, alínea e) prevê que a sujeição à autoridade e direção do empregador, não pode prejudicar a autonomia técnica do trabalhador inerente à atividade prestada, nos termos das regras legais ou deontológicas aplicáveis, preceitos que se aplicam aos Advogados que prestem serviço em subordinação jurídica.

 

Efetuado assim o enquadramento do exercício da atividade em regime subordinação, procederemos à análise da realização dos atos que o Exmo. Senhor Dr. ASD... enuncia sob os pontos 1 a 4 da sua exposição.

Determina o artigo 66.º do EOA, que só os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar atos próprios da advocacia, nos termos definidos na Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto.

Os artigos 66.º, 67.º e 68.º do EOA tratam a matéria atinente ao exercício da advocacia, designadamente, o exercício do mandato forense e a consulta jurídica, atos que apenas podem ser praticados por Advogados inscritos na Ordem, e sempre que sejam praticados no interesse de terceiros e em representação destes.

A Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, por seu teu turno e entre o mais, elenca, define o sentido e o alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores.

Relativamente aos atos praticados em funções notariais, o Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de março, na sua versão atual, adotou medidas de simplificação e eliminação de atos e procedimentos registrais e notariais, atribuindo aos Advogados competência para a prática de determinados atos.

Com efeito, o artigo 38.º do citado Decreto-Lei atribuiu nomeadamente, aos Advogados e aos Solicitadores competência para poderem fazer reconhecimentos de assinaturas, autenticação e tradução de documentos e conferência de cópias, conforme a seguir se transcreve:

Reconhecimentos de assinaturas e autenticação e tradução de documentos

Artigo 38.º

“1 - Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.

2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.

3 - Os actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.

4 - Enquanto o sistema informático não estiver disponível, a obrigação de registo referida no número anterior não se aplica à prática dos actos previstos nos Decretos-lei n.os 237/2001, de 30 de Agosto, e 28/2000, de 13 de Março.

5 - O montante a cobrar, pelas entidades mencionadas no n.º 3, pela prestação dos serviços referidos no n.º 1, não pode exceder o valor resultante da tabela de honorários e encargos aplicável à actividade notarial exercida ao abrigo do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro.

6 - As entidades referidas no n.º 1, bem como os notários, podem certificar a conformidade de documentos electrónicos com os documentos originais, em suporte de papel, em termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

7 - As entidades mencionadas no número anterior podem proceder à digitalização dos originais que lhes sejam apresentados para certificação”.

 

Tendo em consideração a disposição legal citada, não encontramos na letra da lei qualquer limitação ao exercício da atividade notarial relacionada com o regime da prestação da atividade em que o Advogado se encontra abrangido, ou seja, no âmbito de um contrato de trabalho de direito privado.

Assim, quer a realização da atividade seja feita num regime de prestação de serviços, quer num regime de contrato de trabalho, o Advogado pode praticar os atos mencionados no artigo 38º e onde se incluem em síntese os seguintes:

Certificar a conformidade de fotocópias com os documentos originais apresentados e proceder à extração das mesmas para esse efeito; fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais ou por semelhança; autenticar documentos particulares; certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos.

 

Nessa medida, o Advogado pode praticar os atos que se encontram previstos no referido artigo 38.º, quando estes forem solicitados pela sua entidade patronal, ao abrigo do respetivo contrato de trabalho.

Para tal, terá ainda que obedecer às regras gerais de deontologia e referenciadas no âmbito das questões anteriores, bem como às regras gerais da certificação de atos.

 

Quanto à questão colocada sob o ponto 5 - “Reativando a minha inscrição como advogado nos termos em causa, deverei alterar a minha morada profissional para que coincida com a da IC onde exerço as minhas funções?”

A inscrição dos Advogados e dos Advogados estagiários mostra-se disciplinada no Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, aprovado em Assembleia Geral da Ordem dos Advogados, de 21 de dezembro de 2015 e que constitui o Regulamento nº 913-C/2015 (Série II) de 28 de Dezembro, estabelecendo-se sob o nº 1 do artigo 9.º, quanto à questão da apresentação do respetivo requerimento por Advogado, que o mesmo deve ocorrer junto do Conselho Regional competente em razão do domicilio escolhido como centro da sua vida profissional.

 

O artigo 91.º do EOA, por seu turno, sob a epigrafe “Deveres para com a Ordem dos Advogados”, concretiza nas alíneas g) e h) que constituem deveres do Advogado para com a Ordem dos Advogados:

“g) Comunicar, no prazo de 30 dias, qualquer mudança de escritório;

h) Manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, em termos a definir por deliberação do conselho geral”;

 

Ora, das supracitadas disposições legais retira-se que, se por um lado, é concedida ao Advogado a liberdade de escolher o seu domicílio profissional, por outro impõe-se-lhe o dever de manutenção de “um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos”.

 

Acresce que, por ser no seu domicílio profissional que o advogado irá receber todas as comunicações relativas à sua profissão, conforme determina o n.º 2 do artigo 186.º do EOA, este deverá ser o local onde o mesmo exerce, efetivamente, a sua atividade.

No caso que nos ocupa, o Advogado exerce a sua atividade no âmbito de um contrato de trabalho e nas instalações da sua entidade patronal, pelo que, tratando-se do local onde presta a sua atividade, deve ser este o seu domicílio profissional.

 

Deste modo, tendo em conta, como supra se referiu, não existe limitação legal do direito à escolha do domicílio profissional, entendemos que o Advogado pode escolher as instalações da empresa/entidade onde exerce a sua atividade como seu domicílio profissional; ainda que, nos termos do Estatuto, seja indispensável que esse local seja “dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos deveres deontológicos”, conforme determina o artigo 91.º do EOA.

 

Conclusão:

I - Um Advogado que exerce a sua atividade através de um contrato de trabalho, deve respeitar os princípios estatutários que conformam o exercício da atividade profissional.

II - O Advogado pode realizar os atos previstos no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29/03, no âmbito de um contrato de trabalho e quando estes forem solicitados pela respetiva entidade patronal.

III - O Advogado deve ter como domicílio profissional o local onde efetivamente realiza a sua atividade, devendo o local estar dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos deveres deontológicos do Advogado.

IV – Porque não existe limitação ao direito de escolha do domicílio profissional, o Advogado pode escolher as instalações da empresa/entidade onde exerce a sua atividade como seu domicílio profissional, conquanto o local escolhido se mostre dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos deveres deontológicos.

 

É este o nosso parecer.

 

Luisa Peneda Cardoso

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