Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 4/PP/2021-C

Parecer n.º 4/PP/2021-C

Assunto: Competências dos Advogados Estagiários

 

Por requerimento datado de 13 de Fevereiro de 2021, apresentado através do endereço de correio electrónico em uso neste Conselho Regional de Coimbra, veio a Senhora Dra. SMS…, inscrita no Conselho Regional de Coimbra da ordem dos Advogados como Advogada Estagiária, portadora da cédula profissional nº …C, solicitar a emissão de parecer subsumível a questão das respectivas competências enquanto Advogada Estagiária, suscitando as suas questões nos exactos termos abaixo transcritos:

 

“ Venho pelo presente solicitar uma informação.

Fui pessoalmente contactada para elaborar/subscrever uma oposição à injunção.

Trata-se de uma injunção cujo valor não excede os €2000. Mas antes, pretendo alguns esclarecimentos.
Enquanto advogada estagiária, inscrita na fase complementar do estágio, com aproveitamento dos atos, posso patrocinar a pessoa em causa para eu subscrever a oposição à injunção? E havendo necessidade, posso intervir sozinha em fase de julgamento e/ou na obtenção de acordo? E elaborando a respectiva procuração apenas em meu nome, sem necessidade à procuração com o patrono? Ou seja, o que pretendo saber é se posso autonomamente praticar tal patrocinio ainda que possa ter alguma orientação do patrono.

(não pretendo que o processo conte para efeitos de intervenções no estágio, uma vez que tenho dispensa de entrega dos relatórios)

A meu ver, e nos termos dos artigos 196º EOA, posso aceitar tal patrocínio. Por ser um ato dentro da minha competência, por ser de valor inferior a €5.000,01.

No entanto, pretendo saber se estou efectivamente correta ou que me fosse prestados esclarecimentos.

Aguardo resposta.”

 

Em síntese, a Advogada Estagiária, pretende saber se tem cabimento, nas respectivas competências e desacompanhada pelo patrono, a subscrição de oposição à injunção com valor inferior a €2.000,00 (dois mil euros).

 

A temática em causa assume-se, inquestionavelmente, como uma questão profissional inserta na área da competência territorial do Conselho Regional de Coimbra, pelo que, ao abrigo do preceituado no artigo 54º, nº 1 alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados (por facilidade de exposição doravante designado abreviadamente por EOA), cumpre emitir o presente parecer.

 

As competências do advogado estagiário para a prática de actos próprios da profissão de Advogado encontram-se reguladas no Estatuto da Ordem dos Advogados no âmbito do artigo 196º, que com relevância para a questão em apreciação prescreve no seu nº1 “Concluída a primeira fase do estágio, o advogado pode, sempre sob orientação do patrono, praticar os seguintes atos próprios da profissão: a) Todos os actos da competência dos solicitadores; b) Exercer consulta jurídica. 2 – O advogado estagiário pode ainda praticar os atos próprios da profissão não incluídos no número anterior, desde que efectivamente acompanhado pelo respectivo patrono.” (Itálico e sublinhado nosso)

 

A correcta interpretação do dispositivo legal supra transcrito, impõe a articulação entre o objectivo da advocacia e os fins logrados pelo estágio. Deste modo, não se pode ignorar que a advocacia é uma profissão de interesse público que funciona como garante da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, indispensável na boa administração da justiça.

 

De outra face releva a função e princípios reguladores do estágio, em especial, na fase de formação complementar, sendo que, nos termos prescritos no artigo 195º nº 4 do EOA “A segunda fase do estágio visa uma formação alargada, complementar e progressista dos advogados estagiários através da vivência da profissão, baseada no relacionamento com os patronos tradicionais, intervenções judiciais em práticas tuteladas, contactos com a vida judiciária e demais serviços relacionados com a actividades profissional, assim como o aprofundamento dos conhecimentos técnicos e apuramento da consciência deontológica mediante a frequência de acções de formação temática e participação no regime do acesso ao direito e à justiça no quadro legal vigente”.

 

                Do expedido, bem se compreende que na regulamentação das competências do advogado estagiário o legislador tenha procurado estabelecer o necessário equilíbrio entre a essencialidade da advocacia e respectiva relevância social com o fim que visa prosseguir o estágio, com a clara preocupação de preparar o advogado estagiário de modo pleno e autónomo para o exercício da profissão.

 

Com relevância para o caso concreto, interessa o segmento normativo contido no artigo 196º, nº 1 do EOA que refere que é permitida ao advogado estagiário a prática de todos os actos que se encontrem compreendidos na esfera das competências dos solicitadores, efectuando, assim, a delimitação das funções consentidas aos estagiários por remissão para as competências atribuídas aos solicitadores, impondo-se, inevitavelmente e como questão prévia, a delimitação das competências atribuídas aos solicitadores.

 

Numa aparente equiparação entre as funções do advogado e do solicitador rege o artigo 1º da Lei nº 49/2004 de 24 de Agosto sob a epígrafe “actos próprios dos advogados e dos solicitadores”.

 

O legislador, dirimindo, qualquer dúvida quanto à diferenciação que se impõe quanto ás funções do advogado e do solicitador prescreve nos nº (s) 9 e 10 do mesmo artigo 1º, actos próprios apenas atribuídos aos advogados, donde, resulta inequivocamente que ao solicitador não é consentida plena actuação, mormente, nas matérias que em exclusivo integram o conteúdo funcional da advocacia.

 

A distinção funcional supra, encontra-se plenamente evidenciada nos artigos 40º do Código do Processo Civil e artigo 64º do Código do Processo Penal, com a estipulação das acções judiciais que impõe a constituição obrigatória de advogado, enquanto pressuposto processual.

 

Ora a injunção é um procedimento de natureza eminentemente administrativa, e no âmbito da propositura não se aplica qualquer limitação ao solicitador, actos que, por força da remissão constante na alínea a) do nº 1 do artigo 196º do EOA, cabem igualmente na esfera de competência dos advogados estagiários.

 

Sucede que, não raras vezes, motivados pela impossibilidade de notificação ou dedução de oposição, os procedimentos de injunção transmutam-se em acções judiciais, e neste caso, a delimitação da competência do solicitador encontra-se balizada pelo disposto no artigo 40º, nº 1, alínea a) do Código do Processo Civil, ou seja, pelo valor da acção.

 

Sem prejuízo, prescreve o número 2 do mencionado preceito legal, que “Ainda que seja obrigatória a constituição de advogado, os advogados estagiários, os solicitadores e as próprias partes podem fazer requerimentos em que não se levantem questões de direito.”

 

Em suma, atentos os elementos relatados pela requerente será forçoso concluir que face aos preceitos legais aplicáveis, nada obsta a que a advogada estagiária, sob a orientação do seu patrono, deduza oposição à injunção, por tal acto se inserir na esfera de competências atribuídas aos solicitadores, aplicável aos advogados estagiários por remissão da alínea a) do nº 1 do artigo 196º do EOA.

 

Conclusão:

 

  1. As competências atribuídas ao advogado estagiário encontram-se plasmadas no artigo 196º do EOA, por remissão para os actos de competência dos solicitadores;

 

  1. Nos casos de dedução de oposição à injunção nos termos para os efeitos consignados no 16º do D.L. 269/98 de 1 de Setembro, a intervenção do advogado estagiário só é admissível quando, nos termos do artigo 40º do Código do Processo Civil, não seja obrigatória a constituição de advogado;

 

  1. Em qualquer circunstância o advogado estagiário, pratica os actos que lhe são, legal e estatutariamente admissíveis, sempre sob a orientação do patrono.

 

 

É este o nosso parecer,

 

Sandra Gil Saraiva

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