Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 8/PP/2021-C

Parecer n.º 08/PP/2021-C

Assunto: Incompatibilidade entre o exercício da Advocacia e as funções de Mediador Imobiliário

 

 

 

Por comunicação escrita datado de 22 de Março de 2021, expedida através do endereço de correio electrónico em uso neste Conselho Regional de Coimbra, veio a Exma. Senhora Dra. MBR…, titular da cédula profissional nº …C, com domicílio profissional na Rua …, solicitar a informação melhor indicada no pedido apresentado, que por facilidade de exposição se transcreve:

 

“ Venho por este meio requerer um esclarecimento relativamente à situação de um advogado poder, ou não, a par com a sua actividade, vender imóveis no âmbito da actividade de uma imobiliária passando recibos pelas comissões das vendas efectuadas. “

 

Carecendo este Conselho Regional de aclarações quanto à pretensão deduzida pela Advogada Requerente vertida no texto supra reproduzido no cotejo com os elementos facultados, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra, proferiu despacho, datado de 24 de Março de 2021 de cujo conteúdo a Requerente foi devidamente notificada em 26 de Março de 2021, instando-a a esclarecer por um lado se pretendia a emissão de parecer do Conselho Regional de Coimbra quanto ao assunto exposto e na afirmativa, por se reputar essencial, para informar se o Advogado actua como mediador/angariador imobiliário e a quem é que o Advogado passa os correspondentes recibos.

 

Em 15 de Abril de 2021 este Conselho Regional insistiu para que a Advogada Requerente no prazo de 5 dias desse a devida resposta ao ofício supra referido, com a cominação de arquivamento do expediente.

 

Por comunicação de correio electrónico datada de 20 de Abril de 2021, veio a Advogada Requerente esclarecer o que segue:

 

“Serve a presente para dar resposta ao despacho exarado por V/Exª., Exmº. Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra com a ref.ª S-CRCOA/2021/….

Em primeiro lugar lamento o atraso na resposta, que se deveu a um problema de saúde, ora sanado.

O Advogado actuará como mediador imobiliário e passará recibos em nome da empresa imobiliária. Conjugará com o apoio jurídico que já presta à empresa imobiliária.

A decisão poderá ser emitida em parecer ou despacho. O que se pretende é que o Advogado não incorra em qualquer incompatibilidade, se ela existir. Não se crê que exista mas na incerteza requereu-se o esclarecimento da dúvida a V.Exª.”

 

Em síntese, a Advogada Requerente solicitou a este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados pronúncia no sentido de saber se o exercício da actividade de mediação imobiliária é incompatível com o exercício da advocacia, considerando as normas legais e estatutárias vigentes.

 

Nos termos do disposto no artigo 54º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro de 2015 (doravante designado abreviadamente EOA), compete aos Conselhos Regionais a pronúncia sobre questões de carácter profissional que se suscitem no âmbito da sua circunscrição territorial.

 

A matéria colocada à apreciação deste Conselho Regional subsume-se, precisamente, a uma questão de carácter profissional, atinente à verificação de eventual incompatibilidade, com reporte à situação narrada, para o exercício da Advocacia, impondo-se, em consequência, a emissão do presente parecer.

 

A resposta à questão suscitada pela Advogada Requerente decorre inequivocamente do preceituado no artigo 82º, nº 1, alínea n) do EOA, onde se pode ler que “São, designadamente, incompatíveis com o exercício da advocacia os seguintes cargos, funções e actividades: n) Mediador mobiliário ou imobiliário, leiloeiro e trabalhadores com vínculo de emprego público ou contratados do respectivo serviço.”

 

Ora admitindo que em determinadas situações – com especial enfoque para as concretas actividades que não se encontram expressamente elencadas no Estatuto da Ordem dos Advogados – se suscite a dúvida razoável quanto a sua natureza incompatível com o exercício da Advocacia, tal não se verifica de todo no caso que nos ocupa.

 

Com efeito, o preceito legal supra citado consagra de modo expresso e inequívoco que o exercício da advocacia é incompatível com a função de mediador mobiliário ou imobiliário. Relevando a este propósito que dispõe o nº 2 do mesmo artigo que “as incompatibilidades verificam-se qualquer que seja o título, designação, natureza e espécie de provimento ou contratação, o modo de remuneração e, em termos gerais, qualquer que seja o regime jurídico do respectivo cargo, função ou actividade (…)”, excepcionando algumas situações, nas quais não se inclui a relatada pela Ilustre Advogada Requerente.

 

O regime das incompatibilidades estabelecido pelo EOA visa proteger a isenção, independência e dignidade do exercício da advocacia, prevenindo a ocorrência de situações de violação do dever de segredo profissional, conflito de interesses ou angariação de clientela pelo próprio ou interposta pessoa.

 

A actividade de mediação imobiliária nos exactos termos decorrentes do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro “(…) consiste na procura, por parte das empresas, em nome clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto imóveis.”

 

E prossegue o nº 2 do mesmo preceito e diploma legal que “A actividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes acções: a) prospecção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes; b) promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões”.

 

As empresas de mediação imobiliária podem, ainda prestar outros serviços que legalmente não estejam atribuídos em exclusivo a outras profissões. (cfr. nº 4 do artigo 2º da Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro)

 

Ora o Estatuto da Ordem dos Advogados fixa expressamente que a actividade de mediação imobiliária é incompatível com o exercício da advocacia por entender que tal actividade é susceptível de diminuir a isenção, independência e dignidade do advogado.

 

Como bem decorre do Parecer nº 47/2008 do Conselho Regional de Lisboa, Relatado pelo Ilustre Colega Jaime Medeiros “esta incompatibilidade é fixada no EOA por se entender que a duplicidade de actividades é susceptível de geral uma promiscuidade contaminadora da independência e dignidade da profissão”.

 

                Nesta senda refira-se que a Advocacia é tida como uma actividade tendencialmente exclusiva, motivo pelo qual o legislador entendeu colocar obstáculos ao respectivo exercício em cumulação com outras actividades, como seja, a actividade de mediação imobiliária, de molde a garantir que a Advocacia, indispensável à realização da justiça, permanece acima de qualquer suspeita e nela pode ser depositada toda a confiança.

 

Em suma, perante os elementos descritos pela Advogada Requerente, dúvidas não restam de que o pedido formulado pela Advogada Requerente a este Conselho Regional de Coimbra não pode deixar de merecer resposta negativa, inclusive, por decorrência expressa e inequívoca do estatuído no artigo 82º, nº 1, alínea n) do EOA.

 

No ademais, refira-se que da exposição apresentada pela Advogada Requerente não decorrem as circunstâncias concretas do modo ou vinculação determinada para o exercício da advocacia em simultâneo com a actividade de mediação imobiliária e nessa medida prescindimos, nesta sede de tecer quaisquer outros considerando, designadamente à verificação das excepções previstas no nº 2 do artigo 82º do EOA cuja apreciação, como bem se compreende, é casuística.

 

Conclusões:

 

  1. O elenco das funções que por natureza são incompatíveis com a advocacia encontra-se plasmado a título exemplificativo no artigo 82º, nº 1 do EOA;
  2. À luz do disposto no nº 2 do artigo 82º do EOA, toda e qualquer actividade de mediação que possa afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão é incompatível com o exercício da profissão;
  3. A consagração do regime de incompatibilidades visa além da salvaguarda da dignidade, isenção e independência da advocacia, obstar a que a actividade de mediador possa colocar o Advogado em condições mais vantajosas quanto à angariação de cliente sem relação aos seus pares no exercício da profissão de advogado, com quem poderia concorrer em condições desiguais;
  4. Por decorrência expressa e consequente consagração estatutária o exercício da advocacia em simultâneo com a actividade de mediação imobiliária é incompatível; (artigo 82, nº 1, alínea n) e nº 2, 1ª parte do EOA)

 

É este o nosso parecer,

 

Sandra Gil Saraiva

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