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Parecer Nº 13/PP/2021-C

Parecer n.º 13/PP/2021-C

Assunto: Conflito de Interesses

 

Por comunicação escrita datada de 21 de julho de 2021, dirigida, através de correio eletrónico, ao Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, o Exmo. Senhor Dr. ASC…, advogado portador da cédula profissional …L, com escritório profissional no …, solicitou a emissão de parecer que, pelos termos que encerra, determinou o seu desdobramento em dois processos autónomos, desta feita por serem distintas e autónomas as questões sujeitas a pronúncia. Assim, quanto à primeira das enunciadas- a que constitui objecto do presente parecer- opta-se, pela facilidade com que concorre para o enquadramento da mesma, por transcrever o segmento expositivo à mesma atinente:

“1. No dia 11 de Junho de 2018, foi o ora signatário nomeado patrono de M…, Ré nos autos processados sobre o n.º …/19.9T8CTB que correram termos no Juiz 2 do Juízo Central Cível de Castelo Branco, do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, conforme documento n.º 1.

2. Acção na qual eram autores J…, MF…, MM…, NG… e Réus, para além de M… (patrocinada do ora signatário), o sr. JO….

3. Mais se esclareça que os autores são filhos do réu JO…, que por sua vez era ex-conjuge da Ré M…, ainda que esta não tenha qualquer ligação sanguínea aos autores, uma vez que estes foram fruto de casamento anterior (primeiro casamento do réu JO…).

4. Nessa acção os autores pretendiam declarar nulo contrato de compra e venda de um imóvel entre os réus JO… e M….

5. Alegando que o negócio era simulado.

6. A acção foi julgada totalmente improcedente por Sentença datada de 04 de Março de 2019.

7. Sentença que viria a ser confirmada por acórdão de 4 de Fevereiro de 2020.

8. Após o transito em julgado dos referidos autos, naturalmente, terminou o patrocínio do ora signatário, ainda que, devido ao voluntarismo do mesmo, este continue a responder a quaisquer questões/dúvidas que a patrocinada M… tenha, desde que relacionadas com o tema dos autos.

Sucede que,

9. Recentemente, foi o ora signatário contactado pelos autores MF… e J… para tratar de três assuntos:

a) Interpor acção de acompanhamento de maior do réu JO…, seu pai, que sofre de doença do foro mental há já vários anos;

b) Analisar negócios realizados pelo réu JO… em Espanha e fazer valer eventuais direitos que o mesmo possa ter;

c) Analisar a compra do imóvel por parte do réu JO..., que mais tarde seria vendido à ré M... (patrocinada do ora signatário) e verificar se a mesma foi realizada ainda durante o anterior casamento, ou até à realização de partilhas na sequência do mesmo e, em face dessa análise, verificar se a mãe dos autores tem algum direito sobre o imóvel ou pecuniário sobre o réu JO....

10. Nestes moldes, o ora signatário tem algumas dúvidas em enquadrar os pedidos que lhe são feitos com o disposto no artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

11. Sendo que, os temas, a), b) e c) estão organizados por ordem crescente, ou seja, do que menos dúvidas lhe suscita para o que mais dúvidas lhe merece.

12. Em relação ao tema a), parece-nos que o processo de acompanhamento de maior do réu JO..., terá como especial finalidade acautelar os interesses pessoais e patrimoniais do mesmo.

13. Sendo que, estando a causa contra a patrocinada do ora signatário, transitada em julgado e definitivamente decidida, não nos parece que possa vir a ser prejudicada pela determinação do acompanhamento

14. Nem tampouco nos parece enquadrável nesta sede, o conceito de “causa conexa”.

15. No entanto, humildemente aguardo o vosso parecer.

16. O mesmo raciocínio nos parece de aplicar ao tema b).

17. Pois, averiguar e fazer valer eventuais direitos do sr. JO... e seus filhos em negócios realizados com outros sujeitos que não a patrocinada M..., em nada nos parece prejudicar a mesma.

18. Contudo, quanto ao tema c), apresentam-se-nos as mais variadas dúvidas.

19. Pois, parece-nos existir o risco, ainda por mais diminuto que seja, de se chegar à conclusão de que a mãe da sra. MF… e do sr. J..., primeira esposa do réu JO..., possa ter algum direito sobre o imóvel1.

20. E, a ser assim, tal direito pode vir a colidir com a propriedade do imóvel por parte da patrocinada M....

21. Em nosso humilde entendimento, parece-nos que podemos estar perante o escopo do n.º 3 do artigo 99.º do EOA.

22. Ou seja, estamos perante um assunto conexo com aquele no qual foi prestado o patrocínio e, sobre o qual, poderá vir a existir um conflito de interesses entre a patrocinada M... e a mãe dos autores.

Termos nos quais, mui respeitosamente se requer a v. Exa. se digne a determinar a emissão do respectivo parecer sobre uma eventual situação de incompatibilidade deontológica do ora signatário no tratamento das questões a), b) e c), por força do estatuído no artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, ou qualquer outro artigo que vos pareça relevante para a presente questão.

1 O que nos parece improvável, mesmo sem analisar qualquer documentação

 

Nos termos do estatuído no artigo 54º nº 1, al. f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, o Conselho Regional de Coimbra tem competência territorial e material para a emissão do parecer solicitado, uma vez que, requerido por Advogado da sua área de circunscrição territorial, tem por objecto questão de carácter profissional, razão pela qual se procede à emissão de parecer nos termos que seguem:

 

A exposição apresentada pelo Sr. Advogado reconduz-se, no segmento factual em que se alicerça o presente parecer (pontos 1 a 20), a uma questão de conflito de interesses no exercício da advocacia, regida estatutariamente pelo artigo 99º do E.O.A. Na ratio do citado normativo pontifica a preservação dos valores da independência, confiança e lealdade, fundamentais e imprescindíveis ao exercício da actividade, constituindo expressa manifestação do princípio geral consagrado no artigo 89º do E.O.A., segundo o qual, o “Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”

Com efeito, no exercício da profissão, o Advogado está vinculado ao cumprimento do vasto leque de deveres plasmados no seu Estatuto, impondo-se-lhe uma observância conscienciosa, contínua e intransigente, absolutamente indispensável a assegurar e garantir a dignidade e o prestígio da profissão.

Sendo pacífico o entendimento de que para aferir da (in) existência de um conflito de interesses se revela mister a análise do caso concreto, entendeu o legislador consagrar, desde logo, um universo de situações em que o dever de recusa do patrocínio se impõe, não porque em concreto e no imediato se verifique um conflito de interesses, mas porque, objetivamente, tais situações se apresentam como potenciadoras desse conflito.

Assim dispõe o artigo 99.º do EOA (que se transcreve):

Artigo 99.º

Conflito de Interesses

“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”

 

À luz das enunciadas previsões normativas contidas sob os números 1 e 2 do invocado artigo 99º temos que o advogado deve recusar o patrocínio:

- De questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade;

- De questão conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária;

- De questão contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

Resulta, ainda, do inciso que compõe o nº 3 do citado artigo que o Advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

Por outro lado, dispõe a norma vertida sob o nº 4 que se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, ou se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito; e sob a que compõe  o n.º 5, que o advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente.

Da concatenação de tais normas resulta, inequivocamente, que se uma tal disciplina visa, em primeira linha, defender a comunidade em geral e os clientes em particular de eventuais actuações ilícitas de advogados menos escrupulosos- conluiados, ou não, com outros clientes-,  não pode deixar de considerar-se que a mesma tem, igualmente, por finalidade, a defesa do advogado, desta feita do labéu da suspeita de uma actuação tendente à prossecução de qualquer outro fim que não a defesa intransigente dos direitos e interesses do seu cliente.

 

Importa, outrossim e de forma congruente com o entendimento vindo de expressar, realçar o facto de a matéria do conflito de interesses ser, também, uma questão de consciência do próprio Advogado, competindo-lhe, sempre que colocado numa concreta situação susceptível de conformar um tal quadro, avaliar se o mandato cuja atribuição subsiste/ perspectiva não esbarra/esbarrará noutro conferido, ao ponto de se verificar um objectivo impedimento ao exercício livre e sem constrangimentos da sua atividade, e tal como exigido pelas normas que compõem o seu Estatuto Profissional.

 

É, pois, à luz destes normativos que deve ser encontrada a solução para o caso em apreço.

 

Os termos da exposição que Sr. Advogado requerente apresenta a este Conselho Regional suscitam a apreciação das seguintes intervenções que pretende patrocinar:

a) Interpor acção de acompanhamento de maior do réu JO..., seu pai, que sofre de doença do foro mental há já vários anos;

b) Analisar negócios realizados pelo réu JO... em Espanha e fazer valer eventuais direitos que o mesmo possa ter;

c) Analisar a compra do imóvel por parte do réu JO..., que mais tarde seria vendido à ré M... (patrocinada do ora signatário) e verificar se a mesma foi realizada ainda durante o anterior casamento, ou até à realização de partilhas na sequência do mesmo e, em face dessa análise, verificar se a mãe dos autores tem algum direito sobre o imóvel ou pecuniário sobre o réu JO....”

 

Da exposição fáctica em que radicam as preditas interrogações resulta que o Sr. Advogado requerente patrocinou M... no âmbito do processo n.º .../19.9T8CTB que, ao lado de JO..., assumiu a qualidade processual de ré e em que foram autores os filhos do dito JO....

Na aludida acção, já transitada em julgado, os autores pretendiam ver declarada a nulidade do contrato de compra e venda de um imóvel celebrado entre os réus JO... e M... (ex-cônjuge de JO...).

 

Ora, o que importa ajuizar no caso concreto é se, ao assumir a representação dos filhos de JO... – MF… e J... – no âmbito das enunciadas questões, o Sr. Advogado requerente se coloca numa situação de conflito de interesses, conforme previsão contida no artigo 99.º do EOA.

 

Vejamos, então.

 

Relativamente ao processo de acompanhamento de maior- cujo objetivo é definir judicialmente os tipos de atos que podem ser praticados pelo maior que não está em condições de exercer devidamente, por si só, os seus direitos ou deveres, em função da situação concreta- cabe ao tribunal definir o regime a que o maior ficará sujeito, conforme previsto no n.º 2 do artigo 145.º do Regime Jurídico do Maior Acompanhado (Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto), o qual pode implicar o recurso à assistência, mediante a autorização do acompanhante para a prática de certos atos, ou consistir num mero apoio deste à atuação do acompanhado.

O processo especial de acompanhamento de maiores, orientado por um princípio de efectividade, e´ o único meio para obter quer o decretamento da correspondente medida, ja´ que o acompanhamento só pode ser decidido pelo tribunal (artigo 139º, nº 1 do Código Civil ), quer a cessação ou a modificação de uma medida de acompanhamento ja´ decretada, dado que essa modificação ou cessação também so´ podem ser realizadas através de uma decisão judicial (artigo 149º, nº 1 do Código Civil), quer ainda a revisão das medidas de acompanhamento, porque também esta revisão só pode ser efectuada pelo tribunal (artigo 153º do Código Civil).

Em sede adjectiva, o processo de acompanhamento de maiores encontra-se regulado quanto aos concretos procedimentos que o compõem, nos artigos 892º (requerimento inicial), 895º (citação e representação do beneficiário), 896º (resposta do requerido), 897º, nº 1 (instrução do processo), 897º, nº 2, e 898º (audição pessoal do beneficiário), 899º (relatório pericial), 900º (decisão do tribunal), 901º (recursos) e 904º, nº 3 (termo e modificação das medidas de acompanhamento), todos do Código do Processo Civil, sendo que - e para o que aqui importa- da decisão, deve constar, entre o mais, a designação do acompanhante, a definição da medida ou medidas de acompanhamento adequadas, e, sempre que possível, a fixação da data a partir da qual a medida de acompanhamento decretada se tornou conveniente (artigo 900.º, nº 1 do CPC).

Ora, do quadro procedimental vindo de traçar emerge, desde logo, que, os efeitos resultantes de um tal tipo de processo especial- cujo escopo fundamental se traduz na efectiva protecção do acompanhado- se projectam sobre todos os actos praticados no espectro temporal abrangido pela(s) medida(s) de acompanhamento decretada(s), com a consequente repercussão ao nível da validade dos mesmos. E se assim é- como não pode deixar de ser- poderá estar-se, entre o mais, perante um quadro de eventual anulabilidade de negócios jurídicos.

Ora, baixando ao caso dos autos, mostra-se adquirido que o Sr. Advogado Requerente patrocinou M... no âmbito do processo n.º .../19.9T8CTB que a opunha aos filhos do seu, então, cônjuge JO...- precisamente os filhos que agora pretendem conferir mandato ao mesmo Sr. Advogado.

Naquela aludida acção- tal como se referiu já mas que, pela importância que reveste, não é demais repetir- os autores (as mesmas pessoas que agora pretendem ser patrocinados pelo Sr. Advogado Requerente) peticionaram a declaração de nulidade do contrato de compra e venda de um imóvel celebrado entre a M...- patrocinada pelo Sr. Advogado Requerente- e o JO... (pai dos ali autores, que agora pretendem conferir mandato ao Sr. Advogado Requerente, e que agora é ex-cônjuge de M...).

Ora, ainda que se desconheça a concreta causa de pedir em que se alicerçou aquela indicada acção declarativa comum, não podem existir dúvidas de que, tratando-se de uma acto de disposição com produção de efeitos na esfera patrimonial do JO..., o mesmo é susceptível de, pelo menos em abstracto e do ponto de vista hipotético, vir a ser recenseado e apreciado na acção de acompanhamento de maior que, com referência a tal indivíduo, se pretende instaurar. (Este – realce-se - e todos os outros, designadamente aqueles que materializem o que o Sr. Advogado Requerente descreve como “negócios realizados pelo réu JO... em Espanha” e relativamente aos quais é pretendido “fazer valer eventuais direitos que o mesmo possa ter.”) Em momento algum pode olvidar-se que sendo a fixação da data a partir da qual a medida de acompanhamento decretada se tornou conveniente um dos elementos a constar da decisão a proferir, pode muito bem dar-se o caso de a mesma ser anterior à celebração da aludida compra e venda- caso em que, tratando de acto abrangido pela medida decretada, veria a sua validade potencialmente afectada por efeito desta mesma decisão (e, de idêntica forma, todos os actos praticados em idênticas circunstâncias). E não se diga, sequer, que, pelo facto de a decisão proferida naquela acção declarativa cujo objecto visava a declaração de nulidade do negócio ter transitado em julgado, um tal tipo de asserção pode ver-se comprometido. É que, nem os fundamentos, nem os efeitos desta decisão proferida em processo de acompanhamento de maior podem, em circunstância alguma, coincidir com os daquela outra, antes se lhe sobrepondo. Com efeito, a decretação de medida susceptível de abalar a validade do negócio jurídico discutido naquela outra acção há-de necessariamente radicar não só em fundamento constituído ex ante mas, também e necessariamente, em causa que, pela prejudicialidade com que se projecta sobre a mesma, tende a absorver e/ou eliminar os efeitos de uma decisão viciada nos respectivos pressupostos. E, salvo melhor opinião, será assim, porque o mesmo resulta da aplicação do princípio da harmonização dos institutos que compõem o nosso ordenamento jurídico.

 

 

A jurisprudência da Ordem dos Advogados entende de forma pacífica que “conexão” significa “relação evidente entre várias causas, de modo que a decisão de uma dependa das outras ou que a decisão de todas dependa da subsistência ou valoração de certos factos”, cfr. Parecer do Conselho Geral número E-14/00, aprovado em 13/10/2000, Relatado pelo Dr. Carlos Grijó, disponível em www.oa.pt.

 

Aqui chegados é, pois, forçoso concluir pela existência de conexão-  como, aliás, bem o evidenciam as dúvidas colocadas pelo Sr. Advogado Requerente a propósito da eventual existência de conflito de interesses em sede da ressuscitada questão da compra e posterior venda do imóvel pelo JO... à M... (outrora patrocinada pelo Sr. Advogado Requerente), dos efeitos e consequências extraíveis da cadeia de transmissões e os direitos emergentes das relações jurídicas constituídas com referência a tal bem, e que, pela insusceptibilidade de expurgação desta daquela outra que resulta da concreta  natureza do processo de acompanhamento de maior, a reproduz - entre as questões cujo patrocínio foi solicitado ao Sr. Advogado requerente aceitasse.

Mais, a assunção do patrocínio para instauração de acção de acompanhamento do maior JO... pode significar, pelas razões precedentemente enunciadas, a concomitante e inerente assunção do tratamento das duas outras questões.

Contudo, e assumindo que, por mera hipótese, uma tal acção de acompanhamento não venha a ser proposta, a solução não pode deixar de ser a mesma.

É que, tendo em consideração a posição processual assumida pelas partes na ação n.º .../19.9T8CTB, é patente a existência de interesses antagónicos, relacionados com a gestão do património de JO..., antagonismo que, enfocado deontologicamente, se traduz na existência de conflito de interesses. E se inexistem dúvidas de que naquela indicada acção n.º .../19.9T8CTB o Sr. Advogado patrocinou uma concreta cliente com interesses contrários aos da parte cuja assunção de patrocínio lhe é agora pedida, dúvidas não poderão existir quanto à existência do conflito de interesses. E se assim é, pelo golpe fatal que a assunção deste patrocínio desferiria na obrigação de guardar segredo profissional, no decoro e na lealdade que, necessária e indefectivelmente, devem presidir às relações entre advogado e cliente, outra não pode ser a conduta do Sr. Advogado que não seja a de o recusar.

 

Na verdade, quando o artigo do 99º EOA proíbe o patrocínio de causas em que o Advogado já tenha intervindo em qualquer qualidade ou que sejam conexas com outras em que tenha representado a parte contrária, contra quem seja por si patrocinado noutra causa pendente e em causas que possam por em crise o sigilo profissional relativamente a assuntos de um anterior cliente, ou, ainda, se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente, fá-lo pela essencialidade que uma tal imposição assume, entre o mais, em matéria de salvaguarda da dignidade profissional.  

Na verdade, o risco de violação do sigilo profissional tal como se mostra preceituado no n.º 5 do artigo 99.º do EOA é efectivo e real, sendo da concreta avaliação casuística que há-de concluir-se – ou não- pela sua existência.

Baixando, novamente, ao caso que nos vem ocupando, mostra-se adquirido que o Sr. Advogado requerente patrocinou a ré M... no âmbito da ação n.º .../19.9T8CTB, sendo, por isso, absolutamente certo e, por isso, tenha de ser dado como garantido que, no âmbito de tal mandato tenha tomado conhecimento de factualidade e tido acesso a informação que nunca teria conhecido se não fosse um tal exercício. Ora, sendo inescapável que, de um tal conhecimento, podem resultar vantagens ilegítimas ou injustificadas para os novos clientes, outra não pode ser a conclusão de que, também por esta via se mostra vedada ao Sr. Advogado requerente a aceitação do mandato que a MF… e o J... pretendem atribuir-lhe.

 

 

Conclusões:

I.                    A questão do conflito de interesses no exercício da Advocacia encontra-se regulada sob artigo 99º do E.O.A., sendo as normas que o incorporam expressa consagração dos princípios da lealdade, isenção, independência, confiança e decoro, quais valores fundamentais no exercício da advocacia.

II.                O escopo visado pelo indicado conjunto de normas é, para além da defesa da comunidade em geral e dos clientes em particular ante eventuais actuações ilícitas de advogados, o da defesa do próprio advogado, desta feita do labéu da suspeita de uma actuação tendente à prossecução de qualquer outro fim que não a defesa intransigente dos direitos e interesses do seu cliente.

III.                Na análise casuística sobre a existência de conflito de interesses deve ser considerado, entre o mais, o referencial exemplificativo previsto no artigo 99º do EOA, cujo elenco de situações impõe o dever de recusa do patrocínio, não porque em concreto e no imediato o mesmo se verifique, mas porque, objetivamente, tais situações se apresentam como potenciadoras desse conflito.

IV.                Existe conexão relevante para efeitos de subsunção à hipótese geradora de conflito de interesses entre uma acção declarativa em que se discute a validade de negócio jurídico de transmissão onerosa de imóvel e uma acção de acompanhamento de maior interveniente no negócio.

V.                  Existe conflito de interesses impeditivo da assunção de patrocínio para acompanhamento de questões de natureza patrimonial alargada, o anterior patrocínio em acção declarativa comum cujo objecto se traduza, igualmente, em questão de natureza patrimonial, concretamente traduzida na apreciação da validade de negócio jurídico de transmissão onerosa de imóvel.

 

 

É este o nosso parecer.

 

Teresa Letras | Luísa Peneda Cardoso

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