Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 18/PP/2021-C

Parecer n.º 18/PP/2021-C

Assunto: Incompatibilidades – advogado sócio de sociedade comercial

 

Por comunicação efetuada por correio eletrónico dirigida a este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a Exmª Srª. Drª. BC…, advogada portadora da cédula profissional nº …L, com escritório em …, veio requerer que este se pronuncie sobre questão que ali coloca e que é a seguinte:

 

“Um Advogado pretende constituir uma empresa de Consultadoria Financeira, Imobiliária e Recuperação de crédito conjuntamente com outra pessoa singular que não exerce advocacia.

O objeto da sociedade é o seguinte: Recuperação de Crédito. Gestão e cessão de cateiras. Compra e venda de bens imóveis, compra e venda de automóveis, importação e exportação dos mesmos, O objeto da sociedade não figura mediação imobiliária, nem angariação imobiliária.”

 

Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.

 

A matéria das incompatibilidades vem regulada nos artigos 81º e 82º do EOA.

 

Sob a epígrafe “Princípios gerais” dispõe o artigo 81º do EOA o que segue:

“1 – O Advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.

2 – O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.”

 

O artigo 82º do EOA estabelece, desde logo, uma enumeração exemplificativa dos cargos, atividades ou funções que inequivocamente são incompatíveis com o exercício da advocacia, sem prejuízo da existência de outras situações que, não obstante a inexistência de expressa previsão legal, possam reputar-se incompatíveis com a advocacia.

 

Com o estabelecimento de um regime de incompatibilidades, o Estatuto visa proteger a generalidade dos demais deveres de isenção, independência e dignidade da profissão de advogado, prevenindo, igualmente, situações de violação do dever de segredo profissional, conflito de interesses ou angariação de clientela pelo próprio ou por interposta pessoa, de molde a garantir que o Advogado cumpra a sua atuação livre de qualquer pressão, especialmente dos constrangimentos inerentes aos seus próprios interesses ou de influências exteriores.

 

Tem sido entendimento do Conselho Regional de Coimbra que a mera qualidade de sócio duma sociedade por quotas não é incompatível com o exercício da advocacia, mesmo nas situações elencadas nos artigos 81º e 82º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

 

No entanto, é incompatível com a advocacia o exercício da gerência, seja de facto ou apenas de direito, nos casos em que a atividade da sociedade colida com as incompatibilidades que, de modo expresso, se encontram definidas no Estatuto da Ordem dos Advogados ou sempre que esse exercício possa pôr em causa a isenção, independência e dignidade da advocacia.

 

Apreciado o indicado e futuro objeto social da sociedade em causa no cotejo com as situações elencadas nas várias alíneas do artigo 82º nº 1 do EOA, antecipamos, desde já, que não se nos afigura a existência de qualquer incompatibilidade entre as atividades de “Gestão e Cessão de cateiras. Compra e venda de bens imóveis, compra e venda de automóveis, importação e exportação dos mesmos”.

 

Por isso, a nosso ver, não existe qualquer incompatibilidade com o exercício da advocacia na situação em que um advogado é sócio e gerente de uma sociedade que tenha por objeto social “Gestão e Cessão de cateiras. Compra e venda de bens imóveis, compra e venda de automóveis, importação e exportação dos mesmos”.

 

Contudo, caso o advogado seja sócio duma sociedade com o referido objeto deve abster-se de ser advogado dos clientes da sociedade, para prevenir situações de violação de dever de segredo profissional, conflitos de interesse ou angariação de clientela por si ou interposta pessoa e salvaguardar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.

 

Já o mesmo não podemos dizer relativamente à atividade de Recuperação de Crédito, pois tem sido entendimento da Ordem dos Advogados que a tal atividade constitui ato próprio de advogado.

 

Constituindo a recuperação de créditos um ato próprio de advogado, a sua prática por quem não é advogado ou solicitador constitui crime de procuradoria ilícita previsto e punido pela Lei nº 49/2004, de 24 de agosto, devendo, por isso, um advogado abster-se de integrar o capital social, como sócio, de uma sociedade cujo objeto social seja ou contenha a atividade de recuperação de créditos e, obviamente, de ser gerente da mesma.

 

Conclusões:

 

1.      As incompatibilidades visam proteger a isenção, independência e dignidade do exercício da advocacia, prevenindo situações de violação de dever de segredo profissional, conflito de interesses ou angariação de clientela pelo próprio ou interposta pessoa;

2.      A mera qualidade de sócio de uma sociedade comercial por quotas não é incompatível com o exercício da advocacia, mesmo nas situações previstas nos artigos artigo 81º e 82º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

3.      No entanto, é incompatível com a advocacia o exercício da gerência, seja de facto ou apenas de direito, nos casos em que a atividade da sociedade colida com as incompatibilidades que, de modo expresso, se encontram definidas no Estatuto da Ordem dos Advogados ou sempre que esse exercício possa pôr em causa a isenção, independência e dignidade da advocacia.

4.      O exercício da atividade de recuperação de créditos é ato próprio de advogado, pelo que o exercício por quem não é advogado ou solicitador constitui crime de procuradoria ilícita, previsto e punida pela Lei nº 49/2004, de 24 de agosto.

5.      Uma sociedade por quotas não pode exercer a atividade de recuperação de créditos, devendo um advogado abster-se de integrar o capital social de uma sociedade que tenha no seu objeto social a “recuperação de créditos”.

6.      Deste modo e, em abstrato, a situação reportada a este Conselho Regional para emissão de parecer não encerra qualquer incompatibilidade, nos termos e para os efeitos consignados no artigo 82º do EOA, quanto às atividades de “Gestão e Cessão de cateiras. Compra e venda de bens imóveis, compra e venda de automóveis, importação e exportação dos mesmos”.

7.      O advogado que seja sócio duma sociedade comercial que tenha por objeto socialGestão e Cessão de cateiras. Compra e venda de bens imóveis, compra e venda de automóveis, importação e exportação dos mesmos”, deve abster-se de ser advogado dos clientes da sociedade, para prevenir situações de violação de dever de segredo profissional, conflitos de interesse, ou angariação de clientela por si ou interposta pessoa e salvaguardar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.

 

 

É este, salvo melhor opinião, o nosso parecer.

 

António Sá Gonçalves

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