Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 22/PP/2021-C

Parecer n.º 22/PP/2021-C

Assunto: Conflito de Interesses

 

Por ofício exarado pelo Conselho Regional de Évora da Ordem dos Advogados, datado de 23 de Dezembro de 2021, foi remetido a este Conselho Regional, pedido e expediente para emissão de parecer quanto à eventual existência de incompatibilidade para o exercício do mandato forense pelo Exmo. Advogado Dr. RD…, titular da cédula profissional nº …c, com domicilio profissional no …, no âmbito dos processos nº 749/21.4T8… (Incumprimento das responsabilidades parentais) e processo nº 749/21.4T8…-A (Alteração da regulação das responsabilidades parentais), que correm termos (por apenso) no Tribunal Judicial da Comarca de .. – Juízo de Família e Menores de ….

 

Tal pronúncia foi requerida em cumprimento dos doutos despachos judiciais proferidos em 15 de Novembro de 2021, nos processos supra aludidos, e mostrava-se, ab initio, instruída com cópias extraídas de tais Autos (processo principal e apensos), dos articulados iniciais (petição inicial e alegações), despachos, requerimentos e procurações forenses subscritas pelas partes.

 

Após análise perfunctória dos elementos carreados para instrução do presente pedido de parecer, entendeu este Conselho Regional que se encontrava em falta um documento imprescindível a tal desiderato, pelo que, por ofício datado de 19 de Janeiro de 2022, dirigido ao Meritíssimo Juiz do Juízo de Família e Menores de …, foi requerida a junção de cópia da procuração forense que instruiu o processo de homologação das responsabilidades parentais, que correu termos sob o nº 815/2020, pela Conservatória do Registo Civil de ….

 

Por notificação datada de 1 de Fevereiro de 2022, foi dado cumprimento ao pedido formulado por este Conselho Regional, que deste modo, fica munido de toda a documentação necessária para emissão do parecer solicitado.

 

Ora, como questão prévia, e atento o preceituado no artigo 54º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro (doravante por uma questão de facilidade de exposição designado abreviadamente por EOA), o pedido de parecer em análise versa sobre matéria para cuja apreciação é territorialmente competente o Conselho Regional de Coimbra, a quem incumbe a pronúncia abstracta sobre questões de carácter profissional que se suscitem na respectiva circunscrição territorial.

 

Com efeito, conforme entendimento unanimemente acolhido pela Ordem dos Advogados, as questões de carácter profissional são todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas do Estatuto, bem como, de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo de poder regulamentar próprio conferido à ordem dos Advogados.

 

A questão aqui suscitada subsume-se, precisamente a temática de carácter profissional atinente à eventual existência de conflito de interesses, tratada no título III do EOA, sob a epígrafe “Deontologia Profissional”, no capítulo II que versa sobre a relação entre advogados e clientes, sendo à luz da disposição legal contida no artigo 99º do mencionado diploma que deve ser analisado e enquadrado o caso que a seguir nos ocupará.

 

Prescindindo nesta sede de reproduzir na íntegra o conteúdo dos articulados, requerimentos e despachos que instruem o pedido em virtude da sua extensão, para o devido enquadramento da questão fáctica e sintetizando, temos que,

 

  I – Em 30 de Julho de 2020, o Ilustre Advogado RD…, mandatado por JJSR… (doravante designado apenas por progenitor) e AMPMN… (doravante designada apenas por progenitora), por via de uma única procuração forense subscrita pelos referidos progenitores, lavrada no mesmo dia em …, conferindo-lhe poderes para o efeito, requereu junto da Conservatória do Registo Civil de … a homologação de Acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais dos menores ali melhor identificados, filhos dos seus constituintes supra identificados, processo que foi autuado sob o nº 815/2020;

II – O requerimento inicial do pedido apresentado junto da Conservatória do Registo Civil de …, foi assinado por ambos os progenitores e pelo Advogado RD…;

III – Com o referido pedido foi junto documento intitulado “Acordo sobre exercício das responsabilidades parentais”, lavrado em … no dia 31 de Julho de 2020, devidamente assinado e rubricado por ambos os progenitores e pelo respectivo mandatário e Procuração Forense assinada por JJSR… e AMPMN…, cujo conteúdo se transcreve, atenta a pertinência para o thema decidendum:

“Procuração

JJSR…, solteiro, maior, residente na …, contribuinte fiscal nº …, titular do Cartão de Cidadão nº …, válido até 03/07/2029, emitido pela República Portuguesa e AMPMN…, solteira, maior, residente na …, contribuinte fiscal nº …, titular do Cartão de Cidadão nº …, válido até 18/04/2028, emitido pela República Portuguesa, estabelecem procuração forense favor do Dr. RD…, advogado portador da Céd. …c, com escritório no …, dos mais amplos poderes forenses em direito permitidos e os especiais para os representar individual ou conjuntamente, em quaisquer actos ou conferências a praticar no âmbito da regulação das responsabilidades parentais por acordo de seus filhos menores que subscreveram, a correr termos em Conservatória do Registo Civil, podendo substabelecer.

…, 30 de Julho de 2020”

IV – Por notificação datada de 20 de Outubro de 2020, referente ao processo nº 625/20.8T9… (Acordo Responsabilidades Parentais – Parecer), que correu termos pela Procuradoria do Juízo de Família e Menores de …, dirigida à Conservatória do Registo Civil de …, foi veiculada a comunicação do parecer favorável emitido pelo Magistrado do Ministério Público quanto ao Acordo de regulação das responsabilidades parentais apresentado;

V – Por decisão proferida pela Exma. Senhora Conservadora do Registo Civil de … (em substituição legal), em 21 de Outubro de 2020, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 274º-A, nº (s) 5 e 6 do Código do Registo Civil, foi homologado o Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, ordenando o respectivo averbamento nas certidões de nascimento dos menores, decisão que transitou de imediato.

Processo nº 749/21.4T8… – Incumprimento das Responsabilidades Parentais

VI – Em 10 de Outubro de 2021, o Ilustre Advogado Dr. RD…, devidamente mandatado por AMPMN… (progenitora), através de procuração forense outorgada por esta em … em 13 de Setembro de 2021, deduziu incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, contra JJSR… (progenitor), peticionando o pagamento do montante de €12.000,00 (doze mil euros), respeitantes às pensões de alimentos vencidas e não pagas, mais requerendo a intervenção imediata do FGADM (fundo de garantia de alimentos devidos a menores).

VI – O progenitor ali requerido apresentou as respectivas alegações, pugnando pela inexistência do Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais em que se funda o incumprimento peticionado pela Requerente;

Processo nº 749/21.4T8… – A – Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais

VII – Em 12 de Novembro de 2021, JJSR… (progenitor), através de Petição Inicial subscrita pela Ilustre causídica Dra. AMV… requereu junto da Procuradoria da República da Comarca de … – Serviços do Ministério Público do Juízo de Família e Menores de …, providência cautelar em matéria tutelar cível, para protecção e defesa do superior interesse das crianças, alegando para tanto, a inexistência de qualquer regulação das responsabilidades parentais com respeito aos filhos menores do Requerente (progenitor) e Requerida (progenitora), com fundamento na falsidade das assinaturas apostas quer na procuração forense supra transcrita em III, quer no requerimento e acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais apresentado junto da Conservatória do Registo Civil de … e que aí viria a ser homologado por decisão proferida em 21 de Outubro de 2020;

VIII – Por requerimento datado de 16 de Novembro de 2021, a Requerida (progenitora), juntou aos Autos procuração forense emitida a favor do Ilustre Advogado Dr. RD…, em 13 de Setembro de 2021;

IX – Por douto despacho judicial proferido em 15 de Novembro de 2021, foi ordenada a apensão dos supra identificados processos, nos termos da pronúncia da Digníssima Magistrada do Ministério Público daquele Juízo de Família e Menores de …, vertida no despacho prolatado em 12 de Novembro de 2021;

X – Por requerimento com o mesmo conteúdo junto em ambos os apensos, a Ilustre Mandatária do progenitor, em 27 de Novembro de 2021, suscitou junto do Meritíssimo Juiz do Processo a eventual existência de conflito de interesses do Dr. RD… no patrocínio da progenitora AMPMN…, ali formulando o pedido que se transcreve:

“Nestes termos, de tudo o exposto e no mais de Direito que V/ Exªs Mui Doutamente Suprirão, requer:

1º Parecer quanto a eventual incompatibilidade do Dr. RD… patrocinar a requerida AMPMN… contra o requerente JJSR… por violação dos normativos deontológicos do Estatuto da Ordem dos Advogados, nomeadamente o ínsito no artigo nº 1 e 5 do artigo 99º e 89º do EOA e, consequentemente, deve cessar de imediato o patrocínio.

2º que se remeta cópia do pedido de parecer ao Conselho de Deontologia de Coimbra para se pronunciar e para eventual apreciação disciplinar”.

XI – Perante o expedido foi proferido despacho judicial, em cada um dos processos, ordenando que se solicitasse ao Conselho Regional da Ordem dos Advogados, a emissão de parecer sobre se existe alguma incompatibilidade do ilustre mandatário judicial da requerida exercer o mandato nos presentes autos em representação da requerida.

 

Ora, traçada uma breve resenha da factualidade descrita nos diversos articulados e demais elementos juntos aos referidos processos de Incumprimento das Responsabilidades Parentais (processo principal) e Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais (Apenso), cumpre emitir o parecer solicitado, desde já, esclarecendo que perante a evidente similitude da factualidade relevante em cada uma das situações se emitirá apenas um parecer.

 

Apreciando a questão à luz do respectivo enquadramento jurídico, dir-se-á a título antecipatório, que acolhemos na íntegra a profícua argumentação e conclusões expedidas no parecer nº 20/PP/2019-C[1], relatado pelo Ilustre Conselheiro deste Conselho Regional de Coimbra, Dr. Manuel Leite da Silva, que reflecte in totum a posição pacífica deste Conselho Regional quanto à matéria que nos ocupa.

 

Com efeito a matéria colocada à apreciação deste Conselho Regional configura, uma questão de carácter profissional, subsumível ao denominado “Conflito de Interesses”, regido estatutariamente no artigo 99º do EOA, cuja consagração radica dos princípios da independência, da confiança e da dignidade e constitui expressa manifestação do principio geral previsto no artigo 89º do EOA, segundo o qual “O Advogado, no exercício da profissão mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”

 

Ora, o advogado, no exercício da profissão está inevitavelmente vinculado ao rigoroso cumprimento dos deveres plasmados no EOA, impondo-se a sua escrupulosa observância de molde a garantir a dignidade e prestígio da advocacia.

O artigo 208º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 88º do EOA instituem a essencialidade do Advogado à Administração da Justiça, atribuindo-lhe um conjunto de direitos e deveres para cumprimento de tal desígnio. Deste modo, o Advogado enquanto parte integrante e essencial à Administração da Justiça deve assumir “um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.”

 

A advocacia é uma actividade de natureza liberal, mas que prossegue um notório e preponderante interesse público, circunstância que lhe confere elevada relevância social.

 

E é precisamente na senda do interesse público da advocacia que surge a consagração do instituto do conflito de interesses, com o objectivo de cumprir a tripla função: a) de defender a comunidade em geral e os clientes de um qualquer advogado em particular, de actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de outros advogados, conluiados ou não com algum ou alguns dos seus clientes; b) de defesa do próprio advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes; c) de defesa da dignificação da própria profissão;

 

Seguindo de perto os ensinamentos de António Arnaut “(…) seria altamente desprestigiante para a classe que o Advogado pudesse intervir a favor de outra parte, numa questão conexa ou noutro processo como se fosse “uma consciência que se aluga”. Aliás no lato sentido do segredo profissional sempre o impediria de assumir tal patrocínio.”, in Estatuto da Ordem dos Advogados, Anotado, Coimbra Editora, 9ª Edição, pág.111

 

O conflito de interesses, como já se referiu, radica dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão, apelando, numa primeira linha, à consciência profissional do advogado, ao seu decoro e dignidade profissional, devendo o advogado, em permanência e a todo o tempo formular um juízo sobre a existência ou não de conflito de interesses entre os seus clientes.

 

A propósito dos deveres impostos ao Advogado nas relações estabelecidas com os seus clientes, dispõe o artigo 99º do EOA, elencando situações concretas em que este deve recusar patrocínio face à iminência ou mera possibilidade de ver diminuída a respectiva independência, confiança, lealdade ou mesmo contender com o dever de guardar sigilo profissional.

 

Assim o advogado deve recusar ou abster-se de aceitar o patrocínio sempre que se verifique qualquer uma das situações expressas no artigo 99º do EOA, que preceitua o seguinte:

 

“1- O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 – O Advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os seus clientes, no âmbito desse conflito.

5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 – Sempre que o advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer a associação quer a cada um dos seus membros.”

 

O preceito supra citado identifica algumas das situações em que o dever de recusa do patrocínio se impõe, não porque em concreto e no imediato se verifique a existência de conflito de interesses, mas porque, objectivamente, tais situações se afiguram potenciadoras desse conflito.

 

Vejamos,

 

Com relevância para a situação em análise e no quadro actual – pelo menos enquanto não recair pronúncia em sede própria quanto à invocada falsidade da assinatura do progenitor aposta quer na procuração forense outorgada em 30 de Julho de 2020, cujo conteúdo pela relevância que assume neste particular, se mostra transcrito supra em III, quer no requerimento e acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, apresentados na Conservatória do Registo Civil de … a que foi atribuído o número 815/2020 (Processo de Regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo), [circunstância que a verificar-se, por certo redundará na aplicação de penas jurídico penais e sanção deontológica, cuja apreciação e decisão não cabe na esfera de competência deste Conselho Regional] – temos que, o Exmo. Advogado Dr. RD… actuou em representação dos dois progenitores, ao abrigo do mandato forense que lhe foi conferido no âmbito do aludido processo de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo.

 

O caso retratado na situação em análise é o mais recorrentemente utilizado (o verdadeiro exemplo de escola) para exemplificar o instituto do conflito de interesses.

 

Ora, com reporte à situação concreta que nos ocupa, mostra-se inequivocamente preenchida a previsão contida no nº 1 do artigo 99º do EOA, que impõe ao advogado o dever de recusar o patrocínio do cliente em questões onde já tenha intervindo ou sejam conexas com outras em que represente ou tenha representado a parte contrária.

 

Mais prescreve o nº 3 do mesmo preceito legal que o advogado não deve aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito de interesses desses clientes.

 

Por outro lado e na defesa do relevante dever que tem sempre de nortear a conduta do advogado, nos termos do nº 5 do artigo 99º, deve o advogado abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional, relativamente aos assuntos de um anterior cliente.

 

Na esteira do entendimento perfilhado pela Ordem dos Advogados existe conexão nos assuntos, quando se verifique uma “relação evidente entre várias causas, de modo que a decisão de uma dependa das outras ou que a decisão de todos dependa da subsistência ou valoração de certos factos”, conforme Parecer do Conselho Geral nº E-14/00[2], aprovado em 13 de Outubro de 2000.

 

É evidente que os processos aqui em causa estão indissociavelmente interligados e ambos dimanam do processo de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo com o nº 815/2020, que correu termos pela Conservatória do Registo Civil de …, em que o Dr. RD… assumiu o patrocínio de ambos os progenitores que são titulares de interesses antagónicos e indiscutivelmente controvertidos.

 

Pelo que, no estrito cumprimento dos deveres deontológicos, impunha ao ilustre causídico Dr. RD…, a imediata recusa do patrocínio da progenitora na acção de incumprimento das responsabilidades parentais, na acção para alteração das responsabilidades parentais e, em todas as demais situações futuras que venham a surgir entre as mesmas partes, conexas com a regulação das responsabilidades parentais em que representou e defendeu os interesses de ambos.

 

                Assim, não subsistem quaisquer dúvidas quanto à existência de uma situação de conflitos, actual e consumada, concluindo-se, desde já, que sem prejuízo da verificação de infracção disciplinar a apreciar pelo órgão competente, in casu, o Conselho de Deontologia de Coimbra, o Advogado, deve, renunciar de imediato ao mandato que lhe foi conferido pela progenitora em 13 de Setembro de 2021, no âmbito dos processos judiciais em curso, supra melhor identificados.

 

                Conclui-se que o caso exposto tem indiscutivelmente enquadramento na previsão do nº1, 3º, 4º e 5º, do artigo 99º do EOA, ficando o Advogado que patrocinou ambos os progenitores em processo de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo, impedido de representar qualquer um dos progenitores em quaisquer processos de incumprimento ou alteração da regulação das responsabilidades parentais.

 

O advogado deve estar, sempre e em qualquer circunstância, acima de qualquer suspeita, garantindo o cumprimento dos deveres de isenção, independência, salvaguarda do dever de sigilo profissional, decoro, probidade e dignidade da profissão, razão pela qual o advogado Dr. RD…, deve cessar de imediato o patrocínio da progenitora, nos processos a que respeita e se destina a presente pronúncia.

 

 

Conclusões:

 

1 – A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da Advocacia diz respeito, encontra-se regulada no artigo 99º do EOA, que elenca situações concretas em que o Advogado deve recusar o patrocínio, por se afigurar que naqueles casos concretos a independência, confiança, lealdade e dever de guardar sigilo profissional, podem ficar irremediavelmente comprometidos.

2 – A previsão da referida norma, que numa primeira linha remete sempre para a consciência individual do advogado, visa assegurar a protecção da comunidade em geral, defender o próprio advogado e dignificar a profissão, por via da preservação dos valores da lealdade, isenção, independência, confiança e decoro, tão caros ao exercício da advocacia.

3 – Com efeito, o advogado que patrocinou ambos os progenitores em processo de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo, fica impedido de representar qualquer um dos progenitores em quaisquer processos de incumprimento ou alteração da regulação das responsabilidades parentais.

4 – Porque o Sr. Advogado Dr. RD… patrocinou ambos os progenitores no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais nº 625/20.8T9…, que correu termos pela Conservatória do Registo Civil de …, deve cessar de imediato o patrocínio da progenitora no processo de Incumprimento das Responsabilidades Parentais nº 749/21.4T8… (principal) e, bem assim, no apenso de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais identificado como 749/21.4T8…-A.

4 – Verificando-se que, no caso concreto, a violação do dever contido no artigo 99º do EOA se encontra consumado, propõe-se a remessa de certidão do presente parecer ao Conselho de Deontologia de Coimbra para os fins tidos por convenientes.

 

É este o nosso parecer.

 



[1] A que alude a advogada do progenitor para fundamentar o pedido dirigido ao Meritíssimo Juiz do Processo, disponível para consulta, http://www.oa.pt/cd/Conteudos/Pareceres/detalhe_parecer.aspx?sidc=31846&idc=31847&idsc=116053&ida=157382  

[2] Disponível para consulta em http://www.oa.pt

 

Sandra Gil Saraiva

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