Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 12/PP/2022-C

Parecer n.º 12/PP/2022-C

Assunto: Correspondência entre advogados, sigilo profissional e confidencialidade nos termos do artigo 113º do EOA

 

 

1 – Relatório

 

No dia 7 do corrente mês de Julho foi recebido no Conselho Regional de Coimbra, expediente proveniente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, com pedido de emissão de parecer que lhe havia sido solicitado pelo Juízo Central Civel de C…, através de oficio datado de 31.05.2022, com a referência 88573320, relativo ao processo nº 1093/22.5…, que corre termos pelo Juízo Central Civel da Comarca de C… – Juiz 1.

 

Do oficio supra referido, com o Assunto: Parecer, consta o seguinte: “Com referência ao assunto em epígrafe, tenho a honra de solicitar a Vª Exª. Se digne emitir Parecer sobre a (i)legalidade da junção pelos autores das comunicações aludidas nos arts. 6º e 11º da contestação e juntas com a petição que se anexa.”

 

Nos artigos 6º a 11º da contestação junta é alegado o seguinte:

 

6. Acresce que, com a ressalva supra indicada, os AA. Juntaram com a p.i. dois e.mail’s trocados entre o aqui mandatário da Ré – ora signatário . e a sociedade, à qual pertence a Sra. Advogada, subscritora da referida pela processual.

 

7. Do corpo das referidas comunicações, consta expressamente: Esta mensagem pode conter informação restrita ou confidencial, nomeadamente para efeitos do disposto no artigo 113º do Estatuto da Ordem dos Advogados, e dirige-se exclusivamente à entidade destinada, pelo que, a sua cópia e a divulgação do seu conteúdo são estritamente proibidas – sublinado nosso.

 

8. Estabelece o nº 1 do artº 113º do EOA que “sempre que um advogado pretenda que a sua comunicação, dirigida a outro advogado ou solicitador, tenha caráter confidencial, deve exprimir claramente tal intenção” – sublinado nosso.

 

9. Ora, salvo melhor opinião, consta em anotação, nos emails enviados e ora juntos aos Autos, a proibição da sua divulgação.

10. Com efeito, outro entendimento não se poderá extrair da manifesta vontade do emissor quando indica que “a sua cópia e a divulgação do seu conteúdo são estritamente proibidas”.

 

11. Em conformidade, nos termos do nº 2 do artº 113º do EOA, tais comunicações (documentos ora juntos) não podem constituir meio de prova, devendo ser ordenado o seu desentranhamento dos autos e os mesmos devolvidos à Ilustre Advogada subscritora da p.i. ou ao ora signatário e ordenada a emissão de certidão das referidas comunicações e, de seguida, comunicado/requerido à Ordem dos Advogados parecer sobre a (i)legalidade da referida junção, o que se requer.

 

Para melhor compreensão do presente parecer, procede-se à transcrição do texto dos dois mails remetidos pelo Sr. Advogado Dr. MAR…

 

“De: MAR…@adv.oa.pt»

Enviada; 1 de outubro de 2020 16:00

Para: Geral «geral@....pt»

Assunto: comunicação

Importância: Alta

 

N/Ref.ª: ESR…

V/Ref.ª: AMF…

 

Exm.os Senhores Dra. MFA e Dr. JRB…

M. Distintos Colegas

 

Os meus melhores cumprimentos.

Devidamente mandatado para o efeito, pela m/constituinte em referência, acusamos a recepção de vossa missiva, datado do passado dia 25/09, cujo teor mereceu a nossa melhor atenção.

Atento o mesmo e, se nos é permitida a frontalidade, pelo presente comunicamos o mesmo que, já anteriormente, comunicamos a outros Colegas:

1.       A m/constituinte declina qualquer responsabilidade nos eventuais e alegados danos sofridos e ora reclamados pelo vosso constituinte.

2.       O incêndio ocorrido deveu-se ao uso indevido, abusivo e desconhecido do prédio, por alguns meliantes que conseguiram aceder ao mesmo, pese embora o facto de o mesmo se encontrar fechado a cadeado, sem luz elétrica e sem gás.

3.       Pese embora tais factos, a n/constituinte assumiu a reparação de danos provados no imóvel do vosso constituinte, nomeadamente vidros, chão e pintura dos quartos, entre outros.

4.       Os alegados danos agora reclamados, são totalmente desconhecidos da m/constituinte.

5.       Não encontrando a mesma qualquer suporte factual e legal para os mesmos que, até à data, não lhe foram apresentados,

6.       Desconhece-se quais as razões de substância que sustentam o valor ora reclamado de 29.000,00€ quando há pouco eram de 20.000,00€.

7.       Finalmente, comunica-se que em consequência do referido incêndio, foi apresentada queixa crime junto das autoridades competentes contra desconhecidos.

8.       Pelo que, salvo melhor opinião parece-nos, no mínimo rebuscado, enquadrar tais factos à luz do disposto no ar.º 492º do C. Civil.

O Colega atento e ao dispor

      MAR…

                Advogado

(Responsabilidade limitada)

Telemóvel: …

Escritórios:

- Rua dos C…, . – Telef./fax …

- Rua M…

NOTA DE CONFIDENCIALIDADE:

Esta mensagem pode conter informação restrita ou confidencial, nomeadamente para efeitos do disposto no artigo 113º do Estatuto da Ordem dos Advogados, e dirige-se exclusivamente à entidade destinada, pelo que, a sua cópia e a divulgação do seu conteúdo são estritamente proibidas.

NA eventualidade de a receber por engano, agradecemos nos cmunique, de imediato, esse facto., por telefone e nos devlva o original da mesma, por correio, para um dos endereços supra indicados.

As despesas com a sua devolução ser-lhe-ão reembolsadas. Obrigado.”

 

 

“De: MAR…@adv.oa.pt»

Enviada; 1 de outubro de 2020 16:06

Para: Geral «geral@....pt»

Assunto: comunicação

Importância: Alta

 

N/Ref.ª: ESR…

V/Ref.ª: HDL…

 

Exm.os Senhores Dra. MFA… e Dr. JRB…

M. Distintos Colegas

 

Os meus melhores cumprimentos.

Devidamente mandatado para o efeito, pela m/constituinte em referênca, acusamos a recepção de vossa missiva, datado do passado dia 25/09, cujo teor mereceu a nossa melhor atenção.

Atento o mesmo, somos a comunicar o seguinte:

1.       A m/constituinte declina qualquer responsabilidade nos eventuais e alegados danos sofridos e ora reclamados pelo vosso constituinte.

2.       O incêndio ocorrido deveu-se ao uso indevido, abusivo e desconhecido do prédio, pro alguns meliantes que conseguiram aceder ao mesmo, pese embora o facto de o mesmo se encontrar fechado a cadeado, sem luz elétrica e sem gás.

3.       Pese embora tais factos, a n/constituinte assumiu a reparação de danos provados no imóvel do vosso constituinte, nomeadamente vidros, chão e pintura dos quartos, entre outros.

4.       Os alegados danos agora reclamados, são totalmente desconhecidos da m/constituinte

5.       Não encontrando a mesma qualquer suporte factual e legal para os mesmos que, até à data, não lhe foram apresentados,

6.       Desconhece-se quais as razões de substância que sustentam o valor ora reclamado de 18.000,00€. 

7.       Finalmente, comunica-se que em consequência do referido incêndio, foi apresentada queixa crime junto das autoridades competentes contra desconhecidos.

8.       Pelo que, salvo melhor opinião parece-nos, no mínimo rebuscado, enquadrar tais factos à luz do disposto no art.º 492º do C. Civil.

Sem outro assunto de momento, subscrevo-me

Renovando os meus melhores cumprimentos,

O Colega atento e ao dispor

      MAR…

                Advogado

(Responsabilidade limitada)

Telemóvel: …

Escritórios:

- Rua dos C…, . – Telef./fax …

- Rua M…

NOTA DE CONFIDENCIALIDADE:

Esta mensagem pode conter informação restrita ou confidencial, nomeadamente para efeitos do disposto no artigo 113º do Estatuto da Ordem dos Advogados, e dirige-se exclusivamente à entidade destinada, pelo que, a sua cópia e a divulgação do seu conteúdo são estritamente proibidas.

NA eventualidade de a receber por engano, agradecemos nos cmunique, de imediato, esse facto., por telefone e nos devlva o original da mesma, por correio, para um dos endereços supra indicados.

As despesas com a sua devolução ser-lhe-ão reembolsadas. Obrigado.”

 

2 – Da competência do Conselho Regional de Coimbra

Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.

 

3 - Enquadramento

O nosso parecer é balizado pela questão concreta que nos é colocada –  a (i)legalidade da junção pelos autores das comunicações aluidades nos art.ºs 6º e 11º da contestação e juntas com a petição inicial.

A resposta a dar está relacionada com o sigilo profissional do advogado.

O Estatuto da Ordem dos Advogados trata o Segredo Profissional no seu Título III, referente à Deontologia Profissional, integrando-o no Capítulo I - Princípios Gerais.

 

Assim, estabelece o art. 92º da EOA que:

“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;

c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;

d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;

e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;

f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.

4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.

5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.

7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.

8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo em infração disciplinar a violação daquele dever.

 

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 208º, dispõe que “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.”

 

Esta norma encontra projeção no artigo 13º da LOSJ, que no seu nº 2 dispõe que “Para garantir o exercício livre e independente do mandato que lhes seja confiado, a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias a um desempenho eficaz, designadamente:

a) O direito à proteção do segredo profissional;

b) (…)

c) O direito à especial proteção das comunicações com o cliente é a preservação do sigilo da documentação relativa ao exercício da defesa (…)”


Também o Código de Deontologia dos Advogados Europeus  revela preocupação sobre a matéria referente ao segredo profissional, e dispõe no ponto 2.3 que:

 “2.3.1 - É requisito essencial do livre exercício da advocacia a possibilidade do cliente revelar ao advogado informações que não confiaria a mais ninguém, e que este possa ser o destinatário de informações sigilosas só transmissíveis no pressuposto da confidencialidade. Sem a garantia de confidencialidade não pode haver confiança. O segredo profissional é, pois, reconhecido como direito e dever fundamental e primordial do advogado. A obrigação do advogado de guardar segredo profissional visa garantir razões de interesse público, nomeadamente a administração da justiça e a defesa dos interesses dos clientes. Consequentemente, esta obrigação deve beneficiar de uma proteção especial por parte do Estado.

2.3.2 - O advogado deve respeitar a obrigação de guardar segredo relativamente a toda a informação confidencial de que tome conhecimento no âmbito da sua atividade profissional.

2.3.3 - A obrigação de guardar segredo profissional não está limitada no tempo.
2.3.4 - O advogado exigirá aos membros do seu pessoal e a todos aqueles que consigo colaborem na sua atividade profissional, a observância do dever de guardar segredo profissional a que o próprio está sujeito.”

 

Assim, e como acima já se deixou referido, o art. 92º do EOA também refere que “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços…”. Trata-se de um dos primordiais dever do Advogado, expressamente consagrado na lei e que goza de proteção do Estado, que se funda no princípio da confiança necessário à execução do mandato, constituindo, por isso, um pilar fundamental do exercício da advocacia.

 

Como refere João Valente Cordeiro, “o advogado, no decurso da sua actividade profissional, toma, necessariamente, conhecimento de informações de natureza pessoal dos seus clientes – designadamente, dados sobre convicções religiosas ou políticas, dados de saúde, genéticos ou da vida sexual, comportamentos, estados psicológicos, entre outros – sobre as quais deve, por uma questão de respeito pelo direito à confidencialidade, manter sigilo. Tais informações – juntamente com outras que, ainda que não consideradas privadas aos olhos da lei, o são, por imposição ética – são objecto de tutela suplementar por via das competentes normas deontológicas que permitem complementar a perspectiva do direito com uma perspectiva especificamente contextualizada, dirigida e adequada à prática da advocacia.” É pois a obrigação de guardar segredo que impede o advogado de revelar matéria por este conhecida no exercício das suas funções, pois “o dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade.” – ver António Arnaut in “Introdução à Advocacia – Deontologia, Questões Práticas”, 8ª edição, Coimbra Editora, 2005, p. 105

 

E importará referir ainda que o dever de segredo abrange também os documentos ou outras coisas que se relacionem com factos sujeitos a sigilo, tal como se encontra consagrado no nº3 do referido art. 92º do EOA

 

Aqui chegados, ousamos dizer, em jeito de conclusão, que o segredo profissional é o dever mais importante do Advogado, constituindo uma obrigação primordial e de maior relevância em termos deontológicos, que implica que apenas possa ceder em circunstâncias absolutamente excecionais, tal como consagrado no regime legal.

 

Assim, “o segredo profissional traduz-se, em geral, na reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço prestado ou à sua profissão”. In Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07-12-2018, disponível em www.dgsi.pt

 

Como resulta claro em face do que acima se deixou exposto, quanto aos factos sigilosos de que um Advogado tenha conhecimento direta ou indiretamente, no exercício das suas funções, ou por causa delas, rege a regra da absoluta confidencialidade.

 

E a expressão “factos sigilosos” não é inocente, pois que haverá sempre que efectuar uma interpretação restritiva da norma do art. 92º nº1 do EOA. É pacífico, nomeadamente na jurisprudência da Ordem dos Advogados, que só quando estiver em causa um facto que obrigue a reserva é que o advogado estará sujeito ao dever de segredo, já que nem tudo que é dado a conhecer àquele terá esse caráter de confidência. Só os factos que, pelo seu teor, a fnte, as prórpias circunstâncias do conhecimento, se consideram imbuídos numa matriz de confiança é que integram o conceito de “factos sigilosos”.

 

Caso os factos (ou documentos) tenham carácter confidencial, o dever de guardar segredo pode, contudo, ceder, seguindo o quadro legal estabelecido no EOA, nomeadamente através do mecanismo da dispensa de segredo profissional. Esta cedência, a apreciar caso a caso, deverá ter por base uma rigorosa ponderação de valores, estabelecendo o Estatuto a possibilidade de revelar factos “confidenciais” perante a absoluta necessidade da defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do seu cliente (ou representante deste) (art. 92º nº4 do EOA).

 

Logo, a dispensa do segredo profissional, que tem carácter excecional tal como resulta do art. 4º nº1 do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional, deve aferir-se, casuisticamente, pela essencialidade, atualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo sobre o qual incide o pedido de dispensa, apreciando livremente os elementos de facto trazidos aos autos pelo requerente desta (artigo 4, nº 3 do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional).

 

De acordo com o citado artigo os advogados podem revelar factos abrangidos por segredo profissional “mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.”, remetendo o Estatuto para o Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional.

 

Este artigo 92º do E.O.A, estabelece que é da competência do Presidente do Conselho Regional autorizar a revelação dos factos abrangidos pelo dever de guardar sigilo profissional, que averiguará, as circunstâncias extraordinárias da absoluta necessidade da desvinculação, tendo como fim “a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes” (92º, nº4 do EOA).

 

Em termos de legitimidade para o pedido, é unanimemente aceite que “têm legitimidade para pedir o levantamento do segredo o advogado detentor do segredo e o tribunal (autoridade judiciária mencionada no art. 135º do CPP), mas já não o constituinte, como acontece noutras ordens jurídicas, nomeadamente em regimes de Common Law, nem outros interessados no processo.”

 

Quanto aos formalismos, temos que, nos termos do art. 3º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional, o requerimento de pedido de dispensa de sigilo profissional deve identificar de modo objetivo, concreto e exato, qual o facto ou factos sobre os quais a desvinculação é pretendida, conter a identificação completa do advogado requerente, vir acompanhado com os documentos necessários, à apreciação do pedido e, se se tratar de pedido relativo a processo em curso, vir acompanhado das peças processuais pertinentes. O nº 2 daquele normativo diz-nos, ainda, que o pedido de autorização é obrigatoriamente fundamentado sob pena de rejeição liminar.

 

Ainda, e com respeito ao momento da apresentação do pedido de dispensa, é também inequívoco que “não se admitem autorizações a posteriori, posteriores à data de revelação com efeito retroactivo (quando o “mal” já está feito) devendo este pedido ser sempre prévio ao efetivo levantamento do segredo”.

 

No que respeita á questão particular das ações de honorários, tem sido entendimento unânime que a nota/conta de honorários, de per si, não está sujeita a sigilo e, por via disso, o advogado que pretenda propor ação de honorários não carece de pedir autorização ao Presidente do Conselho Regional respetivo para juntar a mesma ao processo.

 

Já o mesmo não podemos dizer dos demais documentos dos quais se possa extrair o trabalho desenvolvido pelo advogado, sobretudo, quando o trabalho não foi desenvolvido no âmbito de um mandato judicial, caso em que, se torna necessário analisar cada um dos documentos, para se concluir se os mesmos contêm factos sujeitos a sigilo e, em caso afirmativo, se, no caso concreto, estão reunidos os requisitos necessários para autorizar a dispensa de guardar segredo.

 

A este propósito, Augusto Lopes Cardoso, in Do Segredo Profissional do Advogado, 2ª Edição Almedina, escreve o seguinte: “Referimo-nos aos conflitos de interesses, normalmente posteriores ao termo da relação profissional, que oponham Advogado a ex-cliente. Caso típico é o da acção de honorários, em que vemos atentar-se tão pouco nos nossos Tribunais. Poderá dizer-se que, em princípio, essa acção, não poderá ser intentada, para efeito de uma articulação perfeita dos factos, sem prévio pedido de autorização para desvincular o sigilo. É que a simples invocação dos pormenores da relação profissional, a junção da conta enviada ou de documentos do dossier que comprovam os serviços já representa muitas vezes matéria sigilosa. E, como é sabido, quando não tenha havido acção judicial, à qual a acção de honorários é apensa, toda a narração factual dos serviços prestados ficou no âmbito do sigilo, que só a autorização para sua dispensa permitirá revelar. Acresce que normalmente, e na primeira hipótese, - nem sempre, o Advogado tem de alegar perante o Presidente do CR mais do que aquilo que já é referível e já consta da análise da sua intervenção no processo judicial, e de que a acção de honorários é apensa. Mas já é de exigir uma redobrada probidade se os serviços não ocorreram em contencioso patente. Neste tio de caso, por exemplo, não se esqueça que a simples referência à presença do cliente no escritório já é segredo profissional. Outrossim deverá haver um enorme cuidado na admissão de divulgação de elementos para a ação de honorários, pelo que não bastará obter uma autorização genérica, como que “carta branca”, para invocar todos os elementos do dossier. Sempre deverá sobrestar-se à inovação de factos e junção de documentos que se traduzam “ de facto” em pressão ilícita sobre o cliente (“ilícita”, porque ele receie não a prova dos serviços profissionais, que porventura em nada acrescente, mas o conhecimento público desses factos) para o obrigar, por esse meio coactivo, ao pagamento que ele pretenda discutir. Nessas situações não existirá “absoluta necessidade” e antes a Deontologia deve nortear-se pela “absoluta impossibilidade” de revelação. Em particular é indesculpável um rol de serviços profissionais feito de tal modo que consigne de maneira comprometedora factos que o Advogado tinha obrigação de calar, pelo que a sua revelação torna o cliente sujeito a coacção moral grave e é ofensiva da ética.

 

O artigo 113º do EOA, sob a epigrafe de “Correspondência entre advogados e entre estes e solicitadores”, diz-nos que as comunicações entre advogados classificadas como confidenciais paralisam a possibilidade do recurso ao mecanismo geral do levantamento de sigilo e a possibilidade de as mesmas serem usadas como meio de prova. Sempre que as comunicações, por força da declaração expressa e inequívoca do declarante, estejam sujeitas ao regime de confidencialidade previsto neste artigo 113º do EOA, ficam sujeitas a um regime de proibição absoluta de levantamento de sigilo, prevalecendo tal regime execional sobre o regime previsto no artigo 92º do EOA, não podendo ser autorizada a respetiva divulgação.

Importa, fazer notar, que para que o regime de confidencialidade previsto no artigo 113º do EOA, possa produzir efeitos, é imprecindivel que os factos transmitidos na comunicação sejam factos sigiliosos tal como acima foram definidos supra. Pois, como temos defendido, apenas está sujeita a sigilo profissional a correspondência trocada entre mandatários, quando se verifique que do seu conteúdo, tendo em conta a relação de confiança existente entre as partes quanto à reserva dos factos transmitidos exista um interesse objectivo em que esses factos se mantivessem reservados.

 

4 - Apreciação

No caso em apreciação, e uma vez que estamos perante uma comunicação trocada entre mandatários, impõe-se, antes de mais, verificar se a mesma se subsume à previsão do nº 2 do artigo 113º do EOA, em termos que impeçam o recurso ao expediente previsto no nº 4 do artigo 92.º do EOA e à sua utilização como meio de prova.

Analisados os dois mails enviados pelo Sr. Advogado Dr. MAR… à Sra. Advogada, Dra. MFA…, constata-se que dos mesmos consta o seguinte “NOTA DE CONFIDENCIALIDADE: Esta mensagem pode conter informação restrita ou confidencial, nomeadamente para efeitos do disposto no artigo 113º do Estatuto da Ordem dos Advogados, e dirige-se exclusivamente à entidade destinada, pelo que, a sua cópia e a divulgação do seu conteúdo são estritamente proibidas.

NA eventualidade de a receber por engano, agradecemos nos cmunique, de imediato, esse facto., por telefone e nos devlva o original da mesma, por correio, para um dos endereços supra indicados.

As despesas com a sua devolução ser-lhe-ão reembolsadas. Obrigado.”

 

Esta nota de confidencialidade não se encontra no corpo da mensagem transmitida pelo mandatário  da contraparte, mas antes encontra-se relegada para local abaixo da respetiva assinatura do declarante. Não está repetida ou assinalada em qualquer outra parte da mensagem.

 

Ora, neste aspeto, temos defendido, tal como o Conselho Regional de Lisboa e o Conselho Regional do Porto, que a simples a referência no “template” do mail ao conteúdo confidencial da comunicação não é suficiente para concluir pela absoluta confidencialidade da correspondência, pois, para que determinada correspondência fique abrangida pelo dever de reserva previsto no artigo 113º do EOA, o seu subscritor terá, expressa e claramente, de referir que a mesma tem carácter confidencial, o que não é o caso. Aliás, o conteúdo da mensagem de confidencialidade inserida nos mails analisados leva-nos a concluir que a mesma se destina a quaisquer terceiros que, por qualquer razão externa à vontade do seu declarante, tenham acesso ao  mail. Veja-se que o  declarante utiliza a expressão “pode conter”e não “contém” ou “a esta mensagem é atribuído carater de confidencialidade ao abrigo do disposto no artigo 113º do EOA.  Acresce que, o declarante não se referiu à confidencialidade da sua mensagem ou, por qualquer forma, a deixou subentendida em qualquer outra parte do texto, não existindo, por isso, quaisquer elementos, à exceção da referida menção genérica incluída na mensagem abaixo da assinatura e contatos do declarante, que permitam supor a existência da intenção do seu autor de atribuir caráter de confidencialidade à sua mensagem, nos termos prescritos no artigo 113º do EOA.

 

Por outro lado, também não vislumbramos que do texto das duas comunicões constem quaisquer factos sujeitos a sigilo, tal como acima os definimos, por isso, mesmo que  pudesse  concluír e, já vimos que não, pelo caráter confidencial das mensagens, o seu conteúdo não está sujeito a sigilo profissional, pelo que, pode ser divulgado. O seu conteúdo não contém factos que digam respeito a negociações das partes, nem factos que tenham sido remetidos com caráter de reserva. Nas mensagens em questão, o declarante limita-se a transmitir que a sua cliente não aceita qualquer responsabilidade no incêndio, nem os danos que são alegados pela parte contrária. Referindo ainda que a sua cliente, apesar disso, aceitou reparar os danos nos vidros, janelas e portas, factos que não são sigilosos, pois já tinham sido praticados e do conhecimento dos lesados dos quais podiam fazer prova, através de testemunhas e até através da confissão da cliente do Sr. Advogado autor das mensagens.

 

Aqui chegados, só podemos concluir que a junção de tais comunicações aos autos pela Sra. Mandatária dos autores não viola, nem o disposto no artigo 92º nem no artigo 113º, ambos do EOA, pelo que, nehuma ilegalidade existe na sua junção.

 

5. Conclusóes

 

a)    A atribuição de caráter de confidencialidade à correspondência trocada  entre advogados ao abrigo do disposto no artigo 113º do EOA, impede a possibilidade do recurso ao mecanismo geral do levantamento de sigilo e a respetiva utilização dessa correspondência como meio de prova.

b)    Para que possa fazer uso da confidencialidade prevista no artigo 113º do EOA o advogado deve fazer essa declaração, de forma expressa e inequivoca no corpo da comunicação que faz ao outro advogado.

c)    Para que o regime de confidencialidade previsto no artigo 113º do EOA, possa produzir efeitos, é imprecindivel que os factos transmitidos na comunicação sejam factos sigiliosos.

d)    As menções genéricas de confidencialidade apostas no “template” ou “modelo” usado por um advogado, relegadas para local abaixo da respetiva assinatura e não repetidas ou assinaldas em qualquer outra parte da mensagem não são suficientes para se considerar que a mensagem está sujeita ao regime da confidencialidade previsto no artigo 113º do EOA.

e)    A junção dos dois mails, que foram remetidos pelo Sr. Dr. MAR… à Sra. Dra. MFA…, à ação de processo comum nº 1093/22.5…, que corre termos pelo Juízo Central Civel de C…, não viola o disposto nos artigos 92º e 113º do EOA, pelo que, nenhuma ilegalidade se verifica.

 

Este é o meu parecer.

 

António Sá Gonçalves

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