Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 10/PP/2022-C

Parecer n.º 10/PP/2022-C

Assunto: Exercício da Advocacia em regime de subordinação (contrato de trabalho com Instituição Particular de Solidariedade Social)

 

Por comunicação escrita, datada de 20 de Junho de 2022, remetida através de correio electrónico dirigido ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a Exma. Senhora Dra. FB…, Advogada, titular da cédula profissional nº …L, com domicílio profissional na Rua …, solicitou a emissão de parecer sobre a admissibilidade de um advogado cumular o exercício da advocacia com a celebração de Contrato de Trabalho com uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), nos seguintes termos:

 

“(…)  Venho solicitar resposta para a seguinte questão:

Poderá um advogado celebrar um Contrato de Trabalho com uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) ou para celebrar um contrato terá de suspender a sua actividade como advogado?

Tendo em conta os artigos 82 e 83 do Estatuto da Ordem dos Advogados, nomeadamente o disposto na alínea i) do nº1 do artigo 82 e as exceções do nº 2 e nº 3 do mesmo artigo, parece-me não existir qualquer incompatibilidade, uma vez que as Instituições Particulares de Solidariedade Social são entidades de natureza privada. Contudo, gostaria que me fosse esclarecida a referida questão.”

 

Na análise perfunctória do pedido formulado, reputou este Conselho Regional que para uma correcta apreciação e consequente pronúncia sobre a questão se impunha o esclarecimento por parte da Advogada Requerente do conteúdo funcional perspectivado, bem como, caso fosse possível que facultasse uma cópia da minuta do contrato gizado.

Em resposta prestada por mensagem de correio electrónico datada de 28 de Julho de 2022, veio a Ilustre Advogada Requerente esclarecer o que a seguir se transcreve:

“No seguimento da Notificação, venho informar que as funções seriam de Consultor Jurídico e não possuo nenhuma minuta do referido contrato de trabalho porque o mesmo ainda não foi celebrado. Contudo informo que seria um Contrato de Trabalho a Termo Certo em Regime de Tempo Parcial.”

 

Ora, atento o preceituado nos termos conjugados dos artigos 54º, nº 1, alínea f) e artigo 73º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro de 2015 (doravante designado abreviadamente EOA), o pedido de parecer em análise, versa sobre a questão de carácter profissional atinente ao exercício da actividade em regime de subordinação, inserindo-se, por conseguinte no âmbito das competências de pronúncia abstracta acometidas ao Conselho Regional de Coimbra.

Com efeito, dispõe o artigo 73º do EOA o seguinte:

 

Artigo 73.º

Exercício da atividade em regime de subordinação

“1 - Cabe exclusivamente à Ordem dos Advogados a apreciação da conformidade com os princípios deontológicos das cláusulas de contrato celebrado com advogado, por via do qual o seu exercício profissional se encontre sujeito a subordinação jurídica.

2 - São nulas as cláusulas de contrato celebrado com advogado que violem aqueles princípios.

3 - São igualmente nulas quaisquer orientações ou instruções da entidade empregadora que restrinjam a isenção e independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão.

4 - O conselho geral da Ordem dos Advogados pode solicitar às entidades públicas empregadoras, que hajam intervindo em tais contratos, entrega de cópia dos mesmos a fim de aferir da legalidade do respetivo clausulado, atentos os critérios enunciados nos números anteriores.

5 - Quando a entidade empregadora seja pessoa de direito privado, qualquer dos contraentes pode solicitar ao conselho geral parecer sobre a validade das cláusulas ou de atos praticados na execução do contrato, o qual tem carácter vinculativo.

6 - Em caso de litígio, o parecer referido no número anterior é obrigatório.”

 

Da leitura do supra citado normativo facilmente se conclui que a questão colocada pela Advogada Requerente merece resposta favorável, sendo admissível em face das normas vigentes a possibilidade do Advogado exercer a respectiva actividade profissional no âmbito de um contrato de trabalho.

Salvaguardando-se, no entanto, com especial relevância que, em qualquer circunstância impende sobre o advogado o dever de cumprir escrupulosamente os deveres estatutários.

Razão que justifica a atribuição de competência exclusiva ao Conselho Geral Ordem dos Advogados para a verificação da conformidade das cláusulas insertas no contrato de trabalho com o cumprimento dos deveres deontológicos que regem o exercício da actividade.

 

Em estreita conexão com o acabado de referir, preceitua o artigo 81º do EOA inserido no Capitulo II respeitante as Incompatibilidades e Impedimentos, sob a epígrafe “Princípios Gerais” o seguinte:

“1 - O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.

2 - O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.

3 - Qualquer forma de provimento ou contrato, seja de natureza pública ou privada, designadamente o contrato de trabalho, ao abrigo do qual o advogado venha a exercer a sua atividade, deve respeitar os princípios definidos no n.º 1 e todas as demais regras deontológicas que constam do presente Estatuto.

4 - São nulas as estipulações contratuais, bem como quaisquer orientações ou instruções da entidade contratante, que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão.

5 - As incompatibilidades ou os impedimentos são declarados e aplicados pelo conselho geral ou pelo conselho regional que for o competente, o qual aprecia igualmente a validade das estipulações, orientações ou instruções a que se refere o número anterior.

6 - O exercício das funções executivas, disciplinares e de fiscalização em órgãos da Ordem é incompatível entre si.”

 

A previsão de incompatibilidades e impedimentos com o exercício da profissão consigna, desde logo, um conjunto de situações e circunstâncias que pela sua natureza são susceptíveis de afectar o respeito pelos princípios que deve sempre nortear a actuação do advogado, visando, em suma assegurar que o advogado paute a sua conduta por princípios de autonomia técnica, isenção, independência e responsabilidade.

Neste conspecto, a matéria das incompatibilidades e impedimentos encontra-se em estreita conexão com os princípios da integridades e da independência (artigos 88º e 89º do EOA) que na senda do interesse público da profissão se assumem como pilares deontológicos fundamentais e intransponíveis, visando prevenir situações que possam fazer perigar a independência, dignidade e isenção do Advogado no exercício da sua actividade.

O advogado deve, por conseguinte, pautar a sua conduta profissional pela plena autonomia técnica, isenção, independência e responsabilidade, actuando de modo livre de qualquer pressão quer decorrente dos seus interesses quer de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar o respeito pela deontologia profissional.

Com efeito, após análise das normas estatutárias enunciadas conclui-se que o EOA não impede o Advogado de exercer a sua actividade em regime de subordinação através da vinculação a um contrato de trabalho, contudo, salvaguarda e enfatiza que, mesmo abrangido por tal regime, o Advogado mantem-se compelido ao cumprimento dos princípios deontológicos que regem a profissão.

 

Em conclusão, temos assim que:

1 – A Advogada pode exercer a sua profissão em regime de subordinação desde que mantenha a sua independência, liberdade e autonomia técnica no desempenho das funções acometidas;

2 – O contrato de trabalho celebrado pelo advogado com uma Instituição Particular de Solidariedade Social, ao abrigado do qual venha a exercer a sua actividade não carece de apreciação prévia da Ordem dos Advogados;

3 – Porém, cabe em exclusivo ao Conselho Geral Ordem dos Advogados a emissão de parecer quanto à validade das cláusulas ou dos actos praticados na execução do contrato, revestindo tal parecer carácter vinculativo.

4- Porquanto, são nulas todas as cláusulas contratuais bem como as orientações ou instruções da entidade patronal que restrinjam a isenção e independência do advogado ou por qualquer meio violem os dever deontológicos.

 

 

É este o nosso parecer.

Castelo Branco, 7 de Outubro de 2022

 

Sandra Gil Saraiva | António Sá Gonçalves | João Amado | Manuel Leite da Silva | Silvia Carreira | Elisabete Monteiro

Topo