Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 18/PP/2022-C

Parecer n.º 18/PP/2022-C

Assunto: Competência de advogado estagiário para o exercício de mandato judicial.

 

Por mensagem de correio electrónico de 10 de Outubro de 2022 a Exm.ª Senhora Dr.ª BCM, advogada estagiária titular da cédula profissional nº …C com domicílio profissional na Av. António …, solicitou a emissão de parecer sobre a possibilidade de, enquanto advogada estagiária, representar determinada parte em acção judicial em curso. Relata, em súmula, que a sua patrona é autora e advogada em causa própria em determinado processo cível. No âmbito de tal processo foi provocada a intervenção principal, ao lado do réu, de uma terceira pessoa (a secretária do escritório) e determinada a constituição obrigatória, por esta, de mandatário. Mais refere que o valor de tal causa é de € 21.525,00, excedendo, por conseguinte, o valor, de € 5.000,00, das causas em que os advogados estagiários podem, sem acompanhamento do patrono, assumir o patrocínio das partes.

Face a um tal quadro pretende saber se lhe é possível, enquanto advogada estagiária, “ser mandatária única na procuração da nossa secretária, tendo em conta que a minha patrona também estará presente, ou seja, estarei na presença dela, ou se por ser a minha patrona a representar uma parte (autor) e eu ir representar outra (ao lado do réu) se não existe conflitos de interesse que me impossibilitem”. E ainda se pode “ser constituída mandatária e apenas intervir com peças escritas e em audiência prévia e julgamento existir substabelecimento a outro advogado, que não é estagiário”.

 

Ora, atento o preceituado nos termos conjugados dos artigos 54º, nº 1, alínea f), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro de 2015 (doravante designado abreviadamente EOA), o pedido de parecer em análise, versa sobre questão de carácter profissional, inserindo-se, por conseguinte no âmbito das competências de pronúncia abstracta acometidas ao Conselho Regional de Coimbra.

 

Começará por muito directamente se dizer que a resposta é negativa para as duas questões aqui colocadas: isto é, a Exm.ª requerente não pode actuar nem da primeira nem da segunda das formas perguntadas.

 

Dispõe o art. 42º do Código de Processo Civil que “Nas causas em que não seja obrigatória a constituição de advogado podem as próprias partes pleitear por si ou ser representadas por advogados estagiários ou por solicitadores”. Ora, sem necessidade de mais, se o processo aqui em causa é, como refere a Exm.ª Colega requerente, de constituição obrigatória de advogado, então, óbvio se torna que um advogado estagiário não poderá representar qualquer das partes. Seja em que fase do processo for; nem na fase dos articulados, nem na da audiência prévia, nem na da audiência de julgamento. A lei não distingue qualquer fase do processo, razão pela qual tal proibição se aplica ao mandato no seu todo, independentemente do concreto momento processual que se atravesse.

 

E não se argumente sequer com a competência atribuída pela alínea a) do nº 1 do art. 196º do Estatuto da Ordem dos Advogados porquanto esta diz respeito aos actos para os quais os solicitadores tenham competência – o que aqui não é o caso pois que, ao abrigo do disposto no atrás citado art. 42º do Código de Processo Civil, foi determinada àquela parte a constituição de advogado. Logo, a causa é de constituição obrigatória de advogado, não podendo as partes ser representadas por solicitador também.

 

Ao que acresce um outro – e bem mais fundante, uma vez que se coloca no plano deontológico – argumento: é que essa competência, a poder existir (e, já se disse, não pode!), apenas se verificaria, como expressamente se refere no mencionado art. 196º do nosso Estatuto, mediante “orientação do patrono”. Como está bem de ver, a necessidade desta “orientação” prende-se com o assegurar a defesa dos interesses do representado. Pretende-se que o patrono oriente, aconselhe, ajude, fiscalize a actuação do estagiário para que este bem cumpra uma correcta defesa dos interesses do seu representado. Ora, no caso em apreço, a patrona da Exm.ª Colega requerente representa, naquele processo, a parte contrária (que é ela própria, uma vez que é advogada em causa própria) àquela que a Colega estagiária, ora requerente, pretende representar. Como é óbvio, como salta à vista, aquela patrona não pode orientar, aconselhar, ajudar, fiscalizar quem representa... a parte contrária àquele que ela própria representa (e que, no caso, é ela própria). Como está bem de ver, maior conflito de interesses que este não é imaginável!

 

Face ao exposto e sem mais delongas se conclui pela resposta negativa a ambas as questões colocadas pela Exm.ª Colega requerente.

 

Conclusões:

 

1.    O advogado estagiário não pode representar qualquer das partes em acção cível em que seja obrigatória a constituição de advogado.

 

2.    O advogado estagiário não pode ter orientação do patrono quando actue em representação de parte contrária do representado deste, razão pela qual não pode, em circunstância alguma, representar qualquer parte numa tal acção.

 

3.    A proibição de representação acima referida estende-se indistintamente a todo e a qualquer momento do processo, seja à elaboração de peças processuais, seja à intervenção em diligências, seja a qualquer outra forma de representação.

           

 

É este o nosso parecer.

 

Coimbra, 20 de Outubro de 2022.

 

João Amado | António Sá Gonçalves | Teresa Letras | Manuel Leite da Silva | Maria de Fátima Duro | Luísa Peneda Cardoso | Emanuel Simões | Elisabete Monteiro | Sandra Gil Saraiva

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