Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 22/PP/2022-C

Processo de Parecer Nº 22/PP/2022-C

Assunto: Exercicio do cargo de vogal do Conselho Fiscal de Associação de Pais

 

Através de email dirigido ao Conselho Regional de Coimbra, datado de 3 de dezembro de 2022, veio a Sra. Advogada Dra. CSO… solicitar parecer quanto à existência ou não de impedimento para o exercício da advocacia com o cargo do vogal do Conselho Fiscal de uma associação de pais.

 

Para melhor apreensão do pedido procede-se à sua transcrição:

“No passado mês de Nvembro de 2021, fui candidata e eleita para o para o Cargo de Vogal do Conselho Fiscal da Associação Os … – Assocciação de Pais da …, pessoa colectiva 501.., com sede no Concelho de …, cujo objecto principal se traduz em apoiar a família e a comunidade, no desempenho das suas funções e responsabilidades, na educação e protecção das crianças e jovens e a na prmoção de cuidados e bem-estar dos idosos.

Após eleições e tomada de posse, a Direção desta I.P.S.S. solicitou a prática de apoio jurídico-forense daí em diante àquela instituição.

Por fazer, parte do Conselho Fiscal daquela IPSS e por ser órgão de fiscalização pergunto se existe alguma incompatibilidade no exercício e pratica da advocacia, exercendo eu um cargo de fiscalização.

Quer isto dizer que o exercício da advocacia será exercida de forma indenpendente sem qualquer subordinação e exclusividade; mais acrescentando, que o cargo de vogal do Conselho Fiscal desta I.P.S.S. não é remunerado.”

 

Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.

 

O nosso parecer é balizado pela questão concreta que nos é colocada – a eventual existência de incompatibilidades entre o exercício da advocacia com o cargo de vogal do Conselho Fiscal da IPSS. Questão, estamos em crer, visa acima de tudo saber que a requerente pode prestar serviços jurídicos à associação da qual faz parte dos órgãos sociais.

A Associação de Pais, em causa, é uma pessoa coletiva de utilidade pública conforme consta do registo comercial.

Esta questão tem de ser analisada tendo em consideração o regime das incompatilidades e impedimentos consagrado no Estatuto da Ordem dos Advogados.

A matéria das incompatibilidades está regulada nos artigos 81º e 82º do E.O.A. - o primeiro referindo os princípios gerais e o segundo fazendo a menção, a título exemplificativo, de cargos, funções e atividades consideradas incompatíveis.

 

Sob a epígrafe “Princípios gerais” dispõe o artigo 81º do EOA o que segue:

 

“1 – O Advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.

2 – O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.”

 

O artigo 81º, nº2 do E.O.A estabelece o principio geral de que o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.

 Sob o artigo 82º do EOA é feita uma enumeração exemplificativa dos cargos, atividades ou funções que inequivocamente são incompatíveis com o exercício da advocacia; sem prejuízo da existência de outras situações que, não obstante a inexistência de expressa previsão legal, possam reputar-se incompatíveis com a advocacia.

 

Com o estabelecimento de um regime de incompatibilidades, o Estatuto visa proteger a generalidade dos demais deveres de isenção, independência e dignidade da profissão de advogado, prevenindo, igualmente, situações de violação do dever de segredo profissional, conflito de interesses ou angariação de clientela pelo próprio ou por interposta pessoa, de molde a garantir que o Advogado cumpra a sua atuação livre de qualquer pressão, especialmente dos constrangimentos inerentes aos seus próprios interesses ou de influências exteriores.

 

Como refere Carlos Mateus, “As incompatibilidade e impedimentos, estão em estreita conexão com os princípios da integridade (artº 88 do EOA) e da independência (artº 89º do EOA) e visam evitar situações que possam traduzir-se em falta de independência do Advogado; perda de dignidade e de isenção no exercício da profissão; a promiscuidade do Advogado; a vantagem de um advogado relativamente aos demais Colegas; e angariação ilícita de clientela por causa de outro cargo, função ou Actividade que o Advogado venha a exercer-“

O artigo 82º do EOA enuncia, em abstrato e de forma exemplificativa, uma série de impedimentos absolutos, ligados ao exercício de cargos, funções, atividades e profissões. Enquanto  estes durarem, o exercício da advocacia é incompatível para todas as pessoas em relação às quais se verifique a situação, por se entender que podem afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.

As incompatibilidades ou impedimentos absolutos proíbem o Advogado de exercer a profissão e determinam a impossibilidade originária ou superveniente da inscrição – art. 188º, nº 1, al. d e nº 4, art. 91º, al. d) do EOA.

Os impedimentos diminuem amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica – art. 83º, nº 1 do EOA.

Se a incompatibilidade ou impedimento absoluto preexistir à data da inscrição, esta deve ser recusada – artº 188º, nº 1, al. d) do EOA.

Se a incompatibilidade for superveniente, cabe ao Advogado e Advogado Estagiário suspender imediatamente o exercício da profissão e requerer, no prazo máximo de 30 dias, a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados. 

Ora, do elenco das incompatibilidades descritas no artigo 82º do EOA não se vislumbra qualquer incompabilidade entre o exercício da advocacia e o facto de o advogado integrar  o órgão de fiscalização de uma Associação de Pais, mesmo que esta seja um pessoa coletiva de utilidade pública, aliás, nem se vislumbra como tal seria possível face ao disposto nos artigos 48º e ss da Constituição da República que estabelecem os direitos, liberdades e garantias de participação politica e de associação, os quais incluem o direito de constituir e de participar nos órgãos sociais de qualquer coltividade desta jaez.

No entanto, não podemos deixar de ter em consideração que o que pretende saber a Senhora Advogada requerente é, sendo vogal do Conselho Fiscal da Associação, pode prestar serviços jurídico-forenses para a mesma. E, nessa medida,  a nosso ver, a questão deve ser analisada noutra perspectiva, qual seja no sentido de apurar se o facto de um advogado integrar o órgão de fiscalização  de uma associação dimiminui a amplitude do exercício da advocacia por parte desse advogado e constitui uma incompatibilidade relativa do mandato forense e da consulta jurídica.

Sobre os impedimentos, o artigo 83º do E.O.A, diz-nos o seguinte:

1 - Os impedimentos diminuem a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa ou por inconciliável disponibilidade para a profissão.

2 - O advogado está impedido de praticar atos profissionais e de mover qualquer influência junto de entidades, públicas ou privadas, onde desempenhe ou tenha desempenhado funções cujo exercício possa suscitar, em concreto, uma incompatibilidade, se aqueles atos ou influências entrarem em conflito com as regras deontológicas contidas no presente Estatuto, nomeadamente, os princípios gerais enunciados nos n.os 1 e 2 do artigo 81.º

3 - Os advogados que sejam membros das assembleias representativas das autarquias locais, bem como os respetivos adjuntos, assessores, secretários, trabalhadores com vínculo de emprego público ou outros contratados dos respetivos gabinetes ou serviços, estão impedidos, em qualquer foro, de patrocinar, diretamente ou por intermédio de sociedade de que sejam sócios, ações contra as respetivas autarquias locais, bem como de intervir em qualquer atividade da assembleia a que pertençam sobre assuntos em que tenham interesse profissional diretamente ou por intermédio de sociedade de advogados a que pertençam.

4 - Os advogados referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo anterior estão impedidos, em qualquer foro, de patrocinar ações pecuniárias contra o Estado.

5 - Os advogados a exercer funções de vereador sem tempo atribuído estão impedidos, em qualquer foro, de patrocinar, diretamente ou por intermédio de sociedade de que sejam sócios, ações contra a respetiva autarquia, bem como de intervir em qualquer atividade do executivo a que pertençam sobre assuntos em que tenham interesse profissional diretamente ou por intermédio de sociedade de advogados a que pertençam.

6 - Havendo dúvida sobre a existência de qualquer impedimento, que não haja sido logo assumido pelo advogado, compete ao respetivo conselho regional decidir.

 

Os impedimentos diminuem amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica – art. 83º, nº 1 do EOA.

Como refere Fernando Sousa Magalhães, os impedimentos resultam de circunstâncias concretas que devem levar os advogados a recusar o mandato ou a prestação de serviços em função de conflito de interesses ou de simples decoro, já que o exercício da profissão deve ser livre, independente e adequado à dignidade da função.

Conjugando o disposto no artigo 81º, nº 2 com o disposto no nº 1 do artigo 83º, ambos do E.O.A., somos de opinião que existe impedimento para o exercício do mandato forense e da prestação de consulta jurídica, para além das situações expressamente previstas no citado artigo 83º,  sempre que possam ser postos em causa os princípios da isenção e independência no exercício da advocacia, princípios que se pretendem garantir com a consagração das incompatibilidades e dos impedimentos.

Por último, importa ter presente que o artigo 89º do E.O.A impõe que o advogado, no exercício da profissão, deve agir de forma livre de qualquer pressão exterior e deve abster-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente.

Neste conpecto, a  assunção do apoio jurídico-forense pela Sra. Advogada requerente põe em causa a independência e a dignidade do exercício da advocacia, pois que a Sra. Advogada, no exercício das suas funções de advogada da Associação de Pais, da qual faz parte do órgão de fiscalização, não deixará de estar sujeita à pressão externa decorrente   desse facto.

Para além, dessa pressão, integrando o órgão de fiscalização da Associação, a Sra. Advogada requerente, no exercício da sua função de vogal do Conselho Fiscal poderá ser confrontada com a fiscalização de atos e contratos por si executados no exercício das suas funções de advogada da Associação.  Situação, esta que, obviamente, não deixará se colocar em causa a insenção e independência da Sra. Advogada e, consequentemente,  a dignidade da Advocacia.

Como escreveu Louis Crémiu no seu Traité de la  profession d’Avocat, “L’Avocat est independente est ce sens qu’il dispose d’une liberte entiére dans léxercice de son ministére. Rien, sauf le respect dú aux lois es à lórdre públic, ne doi entraver sa liberte de penseé et d’action. Il échappe à toute subordination. Cette indépendence est pour les justiciables la plus sure des garanties.”

 

Ou, como podemos ler na pág. 45 obra “O Advogado e a Moral  “A independência é o esteio da consciência. A consciência está para a dignidade da advocacia como as margens para o rio: são elas que garantem a regularidade do seu curso. Se não existirem, a corrente transforma-se em lago, ou em charco (…).”

 

De resto, em abstrato, até poderíamos falar aqui numa situação de angariação ilicita de clientela. Efetivamente, o Advogado, como servidor do Direito e da Justiça, tem deveres especificos para com a comunidade, devendo abaster-se de solicitar clientes, por si ou por interposta pessoa, conforme lhe impõe o disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 90º do EOA.

 

É a dignidade e decoro da profissão que exigem que o Advogado não promova a captação da clientela por si ou o seu agenciamenro por outrem.

 

Chamando à colação o ditado “À mulher de César não basta ser séria, deve parecê-lo”, impõe-se afirmar que também a conduta do advogado  tem de se apresentar, aos olhos da comunidade, como séria, não lhe bastando (apenas) sê-lo.

 

No nosso entender, assume-se como especial forma de potenciar a angariação de clientela, o facto de alguém integrar os próprios órgãos sociais de uma associação.

Não obstante tal abstracta equação, o que é certo é que nenhum concreto elemento foi apurado de modo a suportar a conclusão de que a Sra. Advogada solicitou diretamente à Direção da Associação que lhe solicitasse a sua prestação de serviçs jurídico-forenses.

 

 

Por força do exposto consideramos que, no caso concreto, se verifica uma situação de impedimento de exercício da advocacia, nos termos do disposto nos artº.s 81º, nºs 1 e 2 e artº. 83º, nºs e  2 do E.O.A.

 

Entendemos, por isso, que a Sra. Advogada, Sra. Dra. Carina Sucena Oliveira não deve   prestar de serviços jurídico-forenses à Associação Os Pioneiros – Associação de Pais de Mourisca do Vouga, enquanto mantiver o cargo de vogal do Conselho Fiscal da referida Associação.

 

 

Em conclusão:

  1. O artigo 81º, nº2 do E.O.A estabelece o principio geral de que o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.
  2. O artigo 82º do EOA estabelece uma enumeração exemplificativa dos cargos, atividades ou funções que inequivocamente são incompatíveis com o exercício da advocacia, sem prejuízo da existência de outras situações que, não obstante a inexistência de expressa previsão legal, possam reputar-se incompatíveis com a advocacia.
  3. Com o estabelecimento de um regime de incompatibilidades, o Estatuto visa proteger a generalidade dos demais deveres de isenção, independência e dignidade da profissão de advogado, prevenindo, igualmente, situações de violação do dever de segredo profissional, conflito de interesses ou angariação de clientela pelo próprio ou por interposta pessoa, de molde a garantir que o Advogado cumpra a sua atuação livre de qualquer pressão, especialmente dos constrangimentos inerentes aos seus próprios interesses ou de influências exteriores.
  4. O advogado não está impedido de integrar os órgãos sociais de uma Associação de Pais, uma vez que, tal facto, em principio, não é incompatível com o exercício da advocacia.
  5. Contudo, o advogado não deve prestar serviços jurídico-forenses a Associação enquanto, simultaneamente, integra os seus Orgãos Sociais, uma vez que, a prática de tais serviços viola, em concreto, os princípios gerais enunciados nos nºs 1 e 2 do artigo 81º, aplicáveis por força do nº 2 do artigo 83º do EOA.

 

É  este, salvo melhor opinião, o meu parecer.

 

António Sá Gonçalves

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