Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 23/PP/2022-C

Processo de Parecer n.º 23/PP/2022-C

Assunto: Mandato Forense e nomeação ao abrigo da Lei de Acesso ao Direito

 

 

Por comunicação escrita remetida à Delegação de Viseu da Ordem dos Advogados, o Exmo. Senhor Dr. ADM…, titular da cédula profissional nº …C, com domicílio profissional na Rua …, apresenta a exposição e solicita esclarecimentos nos termos que abaixo se transcrevem:

“Exmos. Senhores,

Com os melhores cumprimentos e na sequência do contacto telefónico de hoje, venho por este meio referir-me ao assunto mencionado em epígrafe.

No âmbito da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais fui nomeado para patrocinar o requerente acima indicado, a fim de propor acção cível.

Tendo reunido com cliente e após recolher os elementos necessários, concluí que a acção, relacionada com acidente de viação provocado pela queda de uma árvore, deveria ser proposta não apenas pelo requerente, condutor do veículo interveniente no acidente, mas igualmente pela sua mãe, a qual é proprietária do mesmo veículo.

A mãe do requerente não reúne condições para beneficiar de apoio judiciário, tendo-me solicitado que a representasse em tal processo.

Por ter dúvidas quanto à legitimidade da representação da interessada conjuntamente com o patrocínio do requerente resultante do apoio judiciário, solicito a V. Exas. ou a quem de direito informação quanto à possibilidade de representar ambos os interessados nos referidos moldes.

Grato pela atenção dispensada, apresento os meus melhores cumprimentos.

Atentamente,”

Através de mensagem de correio electrónico datada de 30 de Novembro de 2022 e dirigida ao Exmo. Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a Delegação de Viseu da Ordem dos Advogados, remete o pedido de pronúncia quanto à situação exposta para o Conselho Regional de Coimbra, com a seguinte indicação:

“(…) Para os devidos e legais efeitos, segue despacho proferido pelo Exmo. Senhor Dr. João Ventura, Presidente desta delegação, no âmbito do assunto que se reencaminha.

·         Por nos parecer que a competência para a pronúncia sobre esta questão é do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, remeta o pedido ao Conselho. Viseu, 29-11-2022”

 

O pedido apresentado e supra transcrito foi autuando como pedido de emissão de parecer e distribuído à aqui Relatora, para os devidos efeitos.

Como questão prévia, impõe-se aferir da legitimidade e competência deste Conselho Regional para apreciação e pronúncia quanto à questão suscitada.

Conforme preceituado no artigo 54º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 45/2015 de 9 de Setembro de 2015 (por uma questão de facilidade de exposição doravante designado abreviadamente por EOA), compete aos Conselhos Regionais a pronúncia abstracta sobre questões de carácter profissional que se suscitem na sua circunscrição territorial.

Nos termos pacificamente acolhidos na Ordem dos Advogados, revestem natureza de questões de carácter profissional todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas do Estatuto, bem como, de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo de poder regulamentar próprio conferido à ordem dos Advogados.

O Ilustre Advogado pretende saber se no mesmo processo – em acção judicial a instaurar – pode assumir o patrocínio de um individuo beneficiário de protecção jurídica por via da respectiva nomeação como patrono efectuada no âmbito da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais e em simultâneo ser constituído mandatário da respectiva progenitora. 

Na medida em que a questão colocada à apreciação do Conselho Regional é de carácter profissional, cumpre emitir o parecer solicitado.

Sob a epígrafe “Mandato Forense” versa o artigo 67º do EOA, nos seguintes termos:

“1 – Sem prejuízo do disposto na Lei nº 49/2004 de 24 de Agosto, considera-se mandato forense:

a)      O mandato judicial para ser exercício em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz;

b)      O exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas;

c)      O exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributárias, perante quaisquer pessoas colectivas públicas ou respectivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto.

2 - O mandato forense não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante”.

Ora, ao abrigo das normas estatutárias vigentes (artigo 67º, nº 2 do EOA) os cidadãos gozam de liberdade de escolha do Advogado que pretendem mandatar para salvaguarda dos seus direitos e prossecução dos seus interesses, pelo que, nenhum óbice existirá na aceitação do mandato que a progenitora do beneficiário de apoio judiciário pretende confiar ao Advogado consulente que já cumula a posição de patrono nomeado.

Nos termos decorrentes do artigo 97º, nº 1 do EOA, a relação entre o Advogado e o cliente deve sempre obedecer a um princípio de confiança reciproca, sendo que, conforme plasmado no nº 1 do artigo 98º do EOA “O advogado não pode aceitar o patrocínio ou a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente, ou por outro advogado, em representação do cliente ou se não tiver sido nomeado para o efeito, por entidade legalmente competente”.

 Da exposição apresentada pelo Advogado consulente é manifesto que a progenitora – titular de interesses conexos com os do filho (condutor do veículo e beneficiário de apoio judiciário) – pretende livremente mandatar o mesmo Advogado para defesa dos seus interesses, não existindo, em nosso entendimento qualquer impedimento para tal.

Naturalmente que, com especial acuidade, se impõe ao Advogado consulente, um escrupuloso cumprimento dos deveres plasmados no Estatuto da Ordem dos Advogados, devendo, sempre e em cada momento assegurar o exercício quer do mandato quer da nomeação de modo independente.

Nesta medida deverá, em consciência e, em permanência asseverar a inexistência de qualquer conflito nos interesses das duas partes representadas.

Nesta senda, importa ressalvar que, caso surja algum conflito de interesses entre a proprietária e condutor do veículo acidentado, ou sobrevenha alguma circunstância que contenda com o dever de segredo profissional ou de qualquer modo diminua a independência do advogado, impende sobre este o dever de cessar de agir por conta de todos os clientes em conflito. (artigo 99º, nº 4 do EOA)

 

Em suma,

 

a)      Nos termos decorrentes do artigo 97º, nº 1 do EOA, a relação entre o Advogado e o cliente deve sempre obedecer a um princípio de confiança reciproca, sendo que, conforme plasmado no nº 1 do artigo 98º do EOA “O advogado não pode aceitar o patrocínio ou a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente, ou por outro advogado, em representação do cliente ou se não tiver sido nomeado para o efeito, por entidade legalmente competente.”

b)      Ao abrigo do disposto no artigo 67º, nº 2 do EOA os cidadãos gozam de liberdade de escolha do Advogado que pretendem mandatar para salvaguarda dos seus direitos e prossecução dos seus interesses;

c)      Impõe-se ao Advogado consulente, um escrupuloso cumprimento dos deveres plasmados no Estatuto da Ordem dos Advogados, devendo, sempre e em cada momento assegurar o exercício quer do mandato quer da nomeação de modo independente e no estrito respeito pelos seus deveres deontológicos.

 

É este o nosso parecer.

 

Sandra Gil Saraiva

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