Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 7/PP/2023-C

Processo de Parecer n.º 07/PP/2023-C

Assunto: Incompatibilidade para o exercício da advocacia

 

Por comunicação escrita, enviada via email e remetida à Exma. Senhora Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados de Coimbra, a Ilustre Colega, Senhora Dr.ª COF…, com cédula profissional nº …C, e domicílio profissional na Avenida …, solicita a emissão de parecer sobre questão que coloca nos seguintes termos:

 

Na eventualidade da requerente vir a celebrar um contrato por tempo indeterminado, criando assim um vínculo de emprego publico, é possível a requerente manter a sua inscrição na Ordem dos Advogados ativa, pelo período experimental exigido na função (180 dias ou 240 dias consoante a categoria), atendendo às regras gerais nos termos da Lei 35/2014 de 20 de Junho?”

 

O Conselho Regional de Coimbra tem competência para a emissão do parecer solicitado, não apenas por estar em causa situação verificada em local pertencente à sua área de competência territorial, mas ainda porque configura questão de carácter profissional diretamente submetida à sua apreciação, nos termos do previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 54º do EOA.

 

Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados, que questões de carácter profissional são todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de princípios, regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas do Estatuto, bem como, de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo de poder regulamentar próprio, conferido pelo Estado à Ordem dos Advogados.

 

A pronúncia requerida a este Conselho Regional versa sobre questão relativa às incompatibilidades para o exercício da advocacia, cuja apreciação compete ao Conselho Geral e aos Conselhos Regionais (cfr. artigo 81.º n.º 5 do EOA), pelo que se considera ter esta entidade competência para a pronúncia requerida.

 

Deste modo, proceder-se-á à emissão de parecer nos seguintes termos:

 

Estatutariamente a matéria das incompatibilidades e impedimentos para o exercício da advocacia está regulada no Capítulo II, nos artigos 81.º e seguintes do Estatuto da Ordem dos Advogados.

 

O artigo 81.º do EOA, alude aos princípios gerais que regulam tal apreciação, por outro lado, o artigo 82.º elenca, a título exemplificativo, os cargos, funções e atividades consideradas absolutamente incompatíveis com o exercício da advocacia.

 

Dispõe assim o n.º 1 do artigo 81.º “O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável”, complementando ainda o n.º 2 do citado artigo que, “O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão”.

 

O sistema de incompatibilidades e impedimentos permite salvaguardar que o exercício da advocacia se paute pelos princípios da isenção, independência e autonomia técnica da profissão, pois visam, genericamente, defender não só a relação do advogado com o seu cliente - isenção e a independência da atividade, mas também, defender a imagem da profissão perante a sociedade - a dignidade da profissão.

 

A disciplina que regulamenta as incompatibilidades para além de garantir a isenção, independência e a dignidade da profissão de advogado, visa prevenir situações de violação do dever de segredo profissional (artigo 92.º), de conflitos de interesses (artigo 99.º) e de angariação de clientela pelo próprio ou interposta pessoa (alínea h) do n.º 2 do artigo 90.º, todos do EOA).

Assim, o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar os princípios da autonomia técnica, isenção, independência e/ou a dignidade da profissão.

 

O artigo 82.º do EOA enumera, nas várias alíneas do n.º 1, alguns cargos, funções e atividades que se consideram incompatíveis com o exercício da advocacia e, nenhuma dúvida existe de que, o exercício dos cargos, funções e atividades ali referenciados impedem e obstam ao exercício da advocacia.

 

Haverá, portanto, incompatibilidade (absoluta ou relativa) sempre que um cargo, função ou atividade diminua a amplitude do exercício da advocacia, ainda que a mesma não seja especificamente referida por qualquer exemplo elencado no mencionado artigo 82.º do EOA.

 

Procedendo à análise da referida norma exemplificativa dos cargos, funções e atividades consideradas incompatíveis com o exercício da advocacia, verificamos que, atento o disposto no n.º 1, alínea i), são incompatíveis com o exercício da advocacia as funções de “Trabalhador com vínculo de emprego público ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local”.

 

De facto, a circunstância de os trabalhadores públicos estarem exclusivamente ao serviço do interesse público, torna, em regra, incompatível essa atividade com o exercício da advocacia e, os deveres que lhe são impostos e que decorrem da lei, designadamente, dever de obediência, dever de isenção, de imparcialidade e a prossecução do interesse público, (cfr. artigo 73.º da Lei nº 35/2014, de 20 de junho, aprovou em anexo a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - LTFP) dificilmente se coadunam com a independência estatutária do advogado.

 

No entanto, a indicada norma estatutária deve ainda ser conjugada com o disposto no nº 3 do citado artigo 82.º do EOA, segundo o qual “É permitido o exercício da advocacia às pessoas indicadas nas alíneas i) e j) do n.º 1, quando esta seja prestada em regime de subordinação e em exclusividade, ao serviço de quaisquer das entidades previstas nas referidas alíneas, sem prejuízo do disposto no artigo 86.º”.

 

Assim, verifica-se que a exceção à incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de trabalhador com vínculo de emprego público ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local, está prevista para os casos em que o trabalhador dessa mesma entidade exerce a atividade de advocacia em regime de subordinação e exclusividade.

 

Ou seja, o exercício da advocacia é admitido às pessoas indicadas pelas referidas alíneas i) e j) do n.º 1 sempre e quando a mesma seja prestada ao serviço de quaisquer das entidades aí referidas em regime de subordinação e exclusividade.

 

A questão a que, no presente caso, se impõe dar resposta, versa sobre a possibilidade de a Exma. Advogada manter a sua inscrição ativa na Ordem dos Advogados, durante o período experimental do contrato de trabalho em funções públicas - 180 dias ou 240 dias consoante a categoria - o que nos leva a concluir que a situação concreta, não se subsume à exceção respaldada no mencionado dispositivo legal - n.º 3 do artigo 82.º do EOA.

 

E, nessa conformidade, é inequívoco que, com a outorga do contrato de trabalho em funções públicas, e a partir dessa data, a Exma. Advogada requerente estará em situação de incompatibilidade para o exercício da advocacia.

 

Pois que, o período experimental, corresponde ao tempo inicial de execução das funções do trabalhador, nas modalidades de contrato de trabalho em funções públicas e de nomeação (cfr. artigo 45.º da Lei nº 35/2014, de 20 de junho, aprovou em anexo a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP)).

 

Acresce que, o tempo de serviço prestado no período experimental é também tempo de serviço efetivo na carreira, conforme previsão ínsita no artigo 48.º da Lei nº 35/2014, de 20 de junho, aprovou em anexo a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP).

 

A LTFP prevê um regime específico do regime laboral comum, no que se refere ao período experimental, uma vez que, durante esse período, o trabalhador em funções públicas é acompanhado por um júri, especialmente constituído para o efeito, que procede, no final, à sua avaliação e que determinará a continuação do vínculo, ou a sua cessação.

 

No entanto, a previsão legal de um período de “prova” ou de “experiência” nos contratos em funções públicas é, coincidente com a fase inicial de execução do contrato e integra naturalmente o contrato.

 

Assim, e em suma, consideramos existir impedimento ao exercício da atividade de advogada durante o período experimental de um contrato de trabalho em funções públicas, devendo aquando da outorga do mesmo a Exma. Advogada suspender a sua inscrição na Ordem dos Advogados por verificação da situação de incompatibilidade prevista na alínea i) do nº 1 do artigo 82.º do EOA, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 91.º alínea d) do EOA.

 

 

Em consequência, formulam-se as seguintes Conclusões:

 

i.              Nos termos do disposto no artigo 82.º nº 1 al. i), e nº 3, do EOA, apenas não se encontra abrangido pelo regime das incompatibilidades o exercício de funções de Advogado, mediante contrato de trabalho em funções públicas, se esse exercício for em regime de subordinação e exclusividade.

ii.             O período experimental do contrato de trabalho em funções públicas é coincidente com a fase inicial de execução do contrato e integra naturalmente o contrato.

iii.            Existe impedimento ao exercício da atividade de advogada durante o período experimental de um contrato de trabalho em funções públicas, por verificação da situação de incompatibilidade prevista na alínea i) do nº 1 do artigo 82.º do EOA.

 

É este o nosso parecer.

 

Luísa Peneda Cardoso

Topo