Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 12/PP/2023-C

PROCESSO DE PARECER N.º 12/PP/2023-C

 

Conflito de Interesses

 

Requerente: JPFC

 

Por comunicação escrita dirigida simultaneamente à Delegação de Leiria da Ordem dos Advogados e Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, solicitou o Sr. JPFC emissão de pronúncia sobre a questão que descreve do modo que, por razões de fidelidade a seguir se transcrevem na íntegra:

 “(…) venho questionar a Ordem de Advogados e a delegação de Leiria, se é compatível com o estatuto de advogado o facto de uma testemunha do processo principal No 4.../10.0TBMGR, pode ser mandatário no processo executivo apenso 4.../10.0TBMGR Leiria – Pombal 1o juízo Ansião.

Questiono pois, a Dra. CA, parte interessada quer do processo principal, uer do atual processo, sendo essa Sra viúva do Sr. LMA, gerente na altura da extinta Sopr... , Lda, origem do processo principal.

Sopr... , Lda era inquilina na altura do Falecido FJRC.

Interessante que ainda não tinha ocorrido o julgamento e já a Empresa Sopr... , Lda se encontrava encerrada, mas o processo nunca terminou, estranhamente….

Queria frisar que a Dra CA é detentora do terreno encostado ao que o meu falecido Pai vendeu à empresa IMAR….

DEVO REFERIR QUE TODO O PROCESSO ATÉ A ESTA DATA TEM SITUAÇÕES ESTRANHAS SENDO ESTA MAIS UMA.

Solicito a melhor apreciação e aguardo uma resposta.

(…)”

 

Da análise perfunctória do pedido apresentado concluiu, e bem, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra que não se encontravam reunidos os pressupostos mínimos, designadamente, pela total ausência de instrução do pedido, para emitir a pronúncia requerida, pelo que, por despacho proferido em 18 de janeiro de 2023 ordenou a notificação da “Senhora Advogada visada para se pronunciar, nomeadamente, para esclarecer se foi ou não testemunha no processo principal como refere o Sr. JPFC, bem como, esclarecer qual o título executivo que deu origem à execução 4.../10.0TBMGR.”

 

Por requerimento datado de 03/02/2023, a Senhora Dra. CA, advogada, titular da cédula profissional nº 4…C, com domicílio profissional na Rua …, Leiria, veio prestar os competentes esclarecimentos, devidamente suportados em pertinente documentação que tomou a liberdade de anexar.

 

Com relevância para a eventual prolação do parecer solicitado a Ilustre Advogada esclareceu a factualidade que a seguir se sintetiza:

 

1 – Que viveu em união de facto cerca de três anos com LMA, falecido no dia 7 de janeiro de 2006, conforme assento de óbito nº 26… da Conservatória do Registo Civil de Coimbra;

2 – Que à data do óbito o falecido LMA desempenhada as funções de gerente da sociedade comercial por quotas com a firma “SOPR…, LDA.”, com o NIPC 501 …;

3 – Que a mencionada sociedade pelo menos quinze anos antes do falecimento do gerente tomou de arrendamento um terreno sito nas Brejieiras, onde funcionava o respectivo estaleiro;

4 – Que na qualidade de herdeira testamentária do falecido e principal conhecedora dos factos relevantes da sociedade comercial, foi arrolada como testemunha no processo judicial nº 9.../...1TMGR, (não esclarecendo a parte que a indicou) na qual figurava como Autora a sociedade Imar..., Lda. e como Réu FJRC (pai do aqui requerente);

5 – Que a Advogada não conhecia nenhuma das partes do processo, não tinha qualquer interesse no desfecho dos Autos e que prestou depoimento sobre a factualidade do seu conhecimento pessoal referente a empresa Sopr... , Lda.;

6 – Que a sociedade Sopr... , Lda. cessou a respectiva actividade no ano de 2008, deixando, em consequência de ocupar o imóvel que havia tomado de arrendamento;

7 – Que no início do ano de 2016 a Advogada foi contactada pela Sra. CC, gerente da empresa Imar..., Lda., para lhe indicar as delimitações do terreno outrora tomado de arrendamento pela Sopr... , Lda., adquirido pela sociedade Imar..., Lda., ao progenitor do aqui Requerente;

8 – Que nessa ocasião tomou conhecimento de que ainda pendiam processos judiciais decorrentes daquele outro no âmbito do qual havia sido inquirida como testemunha;

9 – Que em 26 de setembro de 2016 a sociedade M…– sociedade de Advogados, lhe substabeleceu sem reserva os poderes que lhe haviam sido conferidos pela Imar..., Lda., no âmbito do processo executivo nº 4.../10.0TBMGR, sendo que primeira intervenção processual da Advogada CA ocorreu em 5 de novembro de 2018, com a subscrição de Contestação aos Embargos no âmbito do apenso B, do citado processo;

 

Dos documentos juntos pela Advogada visada, extrai-se, com total grau de certeza, o seguinte:

 

1 – Em 24 de junho de 2008 foi proferida Sentença no âmbito do processo nº 9.../...1TMGR, que julgou totalmente improcedente a Contestação dos Réus, posição processual ocupada por FJRC e esposa, condenando-os no pedido formulado pela Autora Imar..., Lda.;

2 - No relatório da supra aludida douta sentença consta a seguinte facticidade:

Que a Autora, Imar… – Compra e Venda de Imóveis, Lda., se dedica à compra e venda de imóveis e que no âmbito do seu objecto social adquiriu aos Réus, FJRC e MAGF, um prédio situado na comarca da Marinha Grande, com o intuito de ali efectuar um loteamento. Pela referida aquisição a Autora pagou o valor de €225.000,00 e todas as despesas inerentes à transmissão. Que tanto no contrato promessa como na escritura pública de compra e venda os Réus declaram que o imóvel se encontrava livre de ónus e encargos.

Que após celebração do negócio definitivo a Autora veio a apurar que o imóvel se encontrava onerado com um contrato de arrendamento a favor de uma sociedade comercial, a já referida Sopr... , Lda., que à data da propositura da acção mantinha a ocupação do imóvel.

Pelas razões sumariamente expostas, a Autora conclui formulando o pedido a seguir transcrito:

“- que, nos termos do art. 905º do Código Civil, se declare a anulação da venda do terreno supra descrito e constante da escritura pública datada de 1 de março de 2005;

- que os Réus sejam condenados à restituição da quantia de €225.000,00;

- que os Réus sejam condenados a pagar à Autora as despesas inerentes à celebração da escritura pública, no valor de €2.186,00;

- que os Réus sejam condenados a pagar à Autora os juros vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, os quais ascendem a €10.174,66 à data da propositura da acção;

- que os Réus sejam condenados a pagar à Autora a quantia de €50.000,00 a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes da celebração do contrato cuja anulação se pretende.”

3 – Por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 5 de maio de 2009, foi negado provimento ao recurso interposto pelos Réus e confirmada na íntegra a decisão da primeira instância;

4 –Em 9 de fevereiro de 2010, o Supremo Tribunal de Justiça, proferiu decisão que confirmou o Acórdão Recorrido;

5 – Em 17 de março de 2010, a sociedade Imar… – Compra e Venda de Imóveis, Lda., tendo por base a sentença condenatória supra aludida, instaurou execução comum (Sol. Execução), contra os ali Réus FJRC e esposa, peticionando o pagamento do montante global de €278.624,55;

6 – O requerimento executivo foi apresentado e assinado pelo Ilustre Advogado GC, com domicílio profissional na Av. Da Liberdade, … Lisboa;

 

Efectuada esta breve resenha dos elementos factuais relevantes para enquadramento do pedido dirigido a este Conselho Regional, temos que, o Requerente pretende aferir da possibilidade de a Advogada CA exercer o mandato forense no âmbito da acção executiva instaurada em 17 de março de 2010 e correspondentes apensos que corre termos com o nº 4.../10.0TBMGR, a que serve de título a sentença condenatória proferida em 24 de junho de 2008 no âmbito da acção de processo comum com o nº 9.../...1TMGR, na qual a referida Advogada foi inquirida enquanto testemunha, depondo sobre os factos do seu conhecimento pessoal relacionados com a empresa de que era sócio gerente o seu falecido companheiro que não figurava como parte do processo, mais se referindo que nem a douta sentença proferida em primeira instância nem o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (na apreciação da matéria de facto objecto de recurso) aludem ao depoimento prestado pela Advogada visada.

 

Conclui-se, assim, que a questão que o Requerente pretende ver esclarecida por este Conselho Regional é se a Dra. CA incorre na violação de algum dever estatutário decorrente da assunção do patrocínio forense da sociedade Imar..., Lda., no âmbito da acção executiva instaurada com base na sentença condenatória proferida na acção declarativa onde foi inquirida como testemunha, fora do âmbito do exercício da profissão e aparentemente alheia aos interesses pretendidos por cada uma das partes processuais.

 

Posto isto, é indubitável que a matéria sobre que versa o pedido formulado se insere no âmbito das questões de carácter profissional abrangidas pelo preceituado no artigo 54º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de setembro (doravante designado abreviadamente por EOA), competindo, assim, ao Conselho Regional de Coimbra, por inerência da sua competência material e territorial, emitir o parecer solicitado.

 

Ainda a este propósito, reitere-se que segundo o entendimento pacificamente acolhido na Ordem dos Advogados, as questões de carácter profissional são todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes em especial das normas plasmadas no Estatuto, bem como, de todo o leque de normas exaradas ao abrigo do poder regulamentar próprio conferido à ordem dos Advogados.

 

Ora, no exercício da profissão, o Advogado está vinculado ao cumprimento do vasto leque de deveres prescritos no Estatuto da Ordem dos Advogados, impondo-se-lhe em permanência a sua observância conscienciosa e intransigente, de molde a assegurar e garantir a dignidade e o prestígio da profissão.

 

Por tal razão o EOA preceitua um vasto leque de normas que regulam o exercício da profissão (artigos 66º a 87º) e que regulamentam a deontologia profissional (artigos 88º a 113º).

 

Desta feita, o advogado, por inerência do preponderante interesse público e relevância social da advocacia, deve assumir as condutas próprias de uma pessoa íntegra e cumprir pontual e escrupulosamente os deveres que lhe são impostos para com a comunidade e para com a Ordem dos Advogados.

 

Na senda do interesse público da advocacia surge a consagração do instituto do conflito de interesses, com o objectivo de prosseguir a tripla função: a) de defesa da comunidade em geral e dos clientes das actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um qualquer advogado, conluiados ou não com algum ou alguns dos seus clientes; b) de defesa do próprio advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da profissão, visando qualquer outro interesse que não seja o da defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes; c) de defesa da dignificação da própria profissão.

 

Sendo certo que, é comumente aceite que a aferição da (in) existência de conflito de interesses se impõe com a análise dos contornos de cada caso concreto, o legislador optou, desde logo, por prever no artigo 99º do EOA um elenco de situações em que se impõe o dever de recusa do patrocínio, não só, porque em concreto e no imediato se verifique um conflito de interesses, mas porque, objectivamente, tais situações se podem revelar potenciadoras de tal conflito de interesses.

 

A matéria do conflito de interesses radica da consagração e confluência dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão, sendo pacifico que a respectiva previsão deriva intrinsecamente do principio geral da independência consagrado no artigo 89º do EOA, segundo o qual o “advogado, no exercício da profissão mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”

Prescreve o artigo 99º do EOA, que o Advogado deve recusar ou abster-se se aceitar o patrocínio sempre que se verifique qualquer uma das seguintes situações:

“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”

 

Do nº 1 e nº 2 do normativo supra transcrito, resulta, inequivocamente que o advogado deve recusar o patrocínio das questões em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade, bem assim, das questões conexas em que represente ou tenha representado a parte contrária e das questões contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

 

Mais consigna o nº 3 do citado preceito que o Advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

 

Sem ignorar que a ratio da citada norma encontra fundamento na necessidade de tutela dos princípios da independência, do segredo profissional, da dignidade, da lealdade, da confiança, da ética e do decoro, enquanto valores fundamentais de conduta no exercício da advocacia, releva que em matéria de conflito de interesses se apela numa primeira linha à consciência do próprio advogado, impondo-se-lhe, que em permanência ajuíze se a assunção de uma determinada causa ou representação de um determinado cliente é susceptível de contender com o exercício livre e sem quaisquer constrangimentos da sua actividade e mais importante, se não afecta o seu dever de guardar segredo profissional.

 

No caso em análise, afigura-se pacífico que da actuação da Dra. CA decorrente da assunção do patrocínio da Imar… – Compra e Venda de Imóveis, Lda., na acção executiva que corre termos com o nº 4.../10.0TBMGR, não resulta a verificação do preenchimento de qualquer dos pressupostos que o legislador estabelece no artigo 99º do EOA para aferição da existência de conflito de interesses actual ou potencial.

 

De facto a Advogada CA, enquanto cidadã, detentora de capacidade para depor conforme consignado no artigo 495, nº 1 do actual Código de Processo Civil, e despida da sua veste de Advogada, foi arrolada como testemunha na acção declarativa instaurada pela Imar..., Lda., contra os progenitores do aqui Requerente. Embora não seja possível escrutinar o depoimento ali prestado e o modo como o mesmo contribuiu para o desfecho da acção, para os efeitos que aqui relevam, merecem total credibilidade os esclarecimentos concedidos pela referida advogada a este Conselho Regional, salientando-se que cotejados todos os documentos se afigura congruente à luz das regras de experiência comum que a referida testemunha não tivesse qualquer interesse directo ou indirecto no resultado daquela acção. 

 

A referida Advogada não foi inquirida como testemunha por decorrência e no âmbito do exercício das suas funções e, bem assim, não indiciam os sinais do Autos que ali se encontrasse na defesa dos seus próprios interesses ou dos interesses de alguma das partes processuais na acção.

 

Do expendido já se antevê que não se nos afigura que por reporte ao próprio contexto o facto de assumido o patrocínio da ali Autora, alguns anos mais tarde, na acção executiva a que serve de base a sentença condenatória proferida, seja suficiente para determinar a violação de qualquer preceito estatutário, ou configurar uma situação de conflito de interesses.

 

A admitir-se uma tal hipótese, assistiríamos a uma injustificada limitação do direito dos cidadãos na livre escolha do Advogado e no limite à violação, motivada pela escolha da profissão, dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados do Advogado enquanto cidadão, que mal poderia prestar depoimento sequer sobre factos advindos ao seu conhecimento fora do exercício de funções, sem que tal circunstância não fosse susceptível de o penalizar no exercício da advocacia.  

 

Em termos muito genéricos é sabido que a finalidade da acção executiva se reconduz à realização coactiva de uma prestação que não foi cumprida voluntariamente pelo devedor que ali assume a posição processual de Executado. Toda a acção executiva tem por base um título executivo que baliza os fins e limites da acção executiva (artigo 45º, nº 1 do Código de Processo Civil), sendo o título executivo pressuposto necessário e suficiente da acção executiva, que confere ao direito à prestação invocada um grau de certeza e exigibilidade que a lei reputa suficiente para a admissibilidade de tal acção, dispensando a indagação prévia sobre a existência, validade e eficácia da obrigação ou do direito a que se refere.

 

A sentença condenatória dada a execução constituiu título executivo bastante nos termos e para os efeitos da actual redacção do artigo 703º do Código de Processo Civil, dispensando qualquer indagação prévia quanto à existência do direito ou obrigação ali contida e baliza os fins e limites da acção executiva. Sem prejuízo, naturalmente, dos meios processuais (Embargos de Executado, oposição a penhora) a que os Executados podem recorrer para sindicar a legalidade da actuação do Exequente face ao conteúdo do título e normas aplicáveis ao processo executivo.

 

No caso que nos ocupa apesar de a Advogada que agora assume o patrocínio da Exequente (circunstância que sobreveio cerca de seis anos depois do inicio do processo executivo), ter sido testemunha no processo declarativo que deu causa à formação do título executivo, não permite de modo cabal e inequívoco concluir pelo preenchimento dos pressupostos contidos no artigo 99º do EOA, de modo que se considere a existência de conflito de interesses.

 

Desde logo, não se reputa minimamente demonstrado que a Advogada na sua veste de testemunha tenha actuado na prossecução de interesses próprios ou dos interesses concretos de alguma das partes conflituantes, sem ignorar que, embora a sentença condenatória proceda daquela acção declarativa, o critério da conexão dos assuntos em causa tem neste particular uma relevância meramente residual, na medida em que como se disse supra, a acção executiva visa apenas e tão-somente a realização coactiva de um direito que o devedor não cumpriu de modo voluntário, dispensando-se nesta fase qualquer indagação da existência daquele direito, circunstância que, de per si, não prejudica o recurso aos meios de defesa ao dispor dos Executados.

 

Termos em que, da subsunção da facticidade do caso concreto em análise às normas jurídicas vigentes, não resulta que a Advogada visada se encontre em posição de ver diminuída a liberdade e isenção indispensáveis para o bom desempenho do mandato que lhe foi conferido pela Exequente no âmbito da acção executiva e, bem assim, não se acolhe que a respectiva intervenção enquanto testemunha (alheada de interesses pessoais e sem ali representar ou prosseguir os interesses de nenhuma das partes), tenha a virtualidade de convocar a existência de conflito nos interesses em causa, inviabilizando, do ponto de vista deontológico, o exercício adequado da representação forense da Exequente.

 

Em suma,

 

a)      Consigna a actual redacção do artigo 495º do Código do Processo Civil que “Têm capacidade para depor como testemunhas todos aqueles que tiverem aptidão mental para depor sobre factos que constituam objecto da prova.”, sendo que, aos Advogados apenas é imposta limitação estatutária sempre que a inquirição reporte a factos lhe advieram ao conhecimento no âmbito e por decorrência do exercício de funções, sem prejuízo do disposto nº 4 do artigo 92º do EOA;

b)      A Advogada visada no presente parecer, despida da veste profissional, sem assumir a posição processual de parte, sem assumir a defesa de qualquer uma das partes dos Autos e sem prosseguir interesses pessoais, foi inquirida como testemunha numa acção declarativa que culminou na prolação de sentença condenatória;

c)       Face a ausência de cumprimento voluntário por parte do devedor/ obrigado, da condenação plasmada na sentença, a ali Autora instaurou acção executiva para cobrança coactiva do seu crédito;

d)      A Advogada visada, mais de seis anos depois, assumiu o patrocínio da Exequente naquela acção executiva a que serve de título a sentença condenatória proferida na acção declarativa onde havia sido inquirida apenas e tão-somente na qualidade de testemunha;

e)       No caso vertente, após análise minuciosa dos elementos que instruem o pedido e subsunção da factualidade dali resultante às normas legais vigentes, concluímos que a Advogada visada não incorreu nem incorre na violação de nenhuma norma estatutária em virtude da aceitação do patrocínio da Exequente, no âmbito do processo executivo, de natureza diversa da acção declarativa onde foi inquirida como testemunha;

f)       Concluímos, assim, pela inexistência de conflito de interesses ou qualquer outra circunstância susceptível de contender com o exercício livre e isento do mandato que lhe foi conferido pela Exequente;

 

É este, salvo melhor entendimento, o nosso parecer,

Castelo Branco, 25 de maio de 2023 

Sandra Gil Saraiva

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