Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 11/PP/2023-C

PROCESSO DE PARECER N.º 11/PP/2023-C

 

Impedimento/ Incompatibilidade relativa (artigo 83º do Estatuto da Ordem dos Advogados)

 

Por comunicação escrita expedida por correio electrónico datado de 8 de maio de 2023, veio a Ilustre Advogada KD..., titular da cédula profissional nº …C, com domicilio profissional no … Coimbra, requerer ao Conselho Regional de Coimbra a emissão de parecer, formulando o seguinte pedido:

 

“a) Tendo a requerente sido autora de acção judicial contra o CH... sobre questão remuneratória poderá patrociná-lo em acção proposta por outro trabalhador com o mesmo objecto e fundamento?; b) A circunstância de ter havido absolvição da instância e não do pedido releva para a existência de conflito de interesses ou é indiferente, atendendo aos valores que estão subjacentes à norma em causa (artigo 99º, nº 1 do Estatuto dos Advogados)?”

 

O pedido de parecer foi devidamente instruído com a petição inicial da acção instaurada pela Advogada requerente contra o CH..., com a Sentença proferida pelo Juízo de Trabalho de Coimbra – Juiz 2, com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 14 de janeiro de 2022, com a petição inicial da Acção de Processo Comum instaurada por outra trabalhadora do CH... formulando pedido idêntico e distribuída ao mesmo Juízo de Trabalho, com o contrato de trabalho da Requerente, com o pedido dirigido ao Conselho de Administração de exoneração do mandato que lhe foi conferido para patrocinar o CH... naquela concreta acção, bem como, pela decisão do referido Conselho de Administração de, em face das circunstâncias, nomear outra mandatária para aqueles Autos e solicitar a emissão de parecer à Ordem dos Advogados.

 

Da análise dos documentos juntos, extrai-se, com relevância para o enquadramento do pedido e emissão do parecer solicitado, a seguinte facticidade:

 

1 – Em 3 de Agosto de 2010 a Advogada requerente celebrou com o CH..., EPE, contrato de trabalho para desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Técnico Superior – Área Jurídica, sendo essas, designadamente: a) Apoio Juridico ao Conselho de Administração e Serviços do CH...; b) Acompanhamento e instrução de processos de contencioso, nomeadamente administrativo; c) Acompanhamento da instrução dos processos de averiguações e disciplinares; d) Elaboração de pareceres jurídicos em várias matérias, nomeadamente em Direito Administrativo e Direito do Trabalho; e) Elaboração de regulamentos e procedimentos internos;

2 – No ano de 2021 a Advogada requerente instaurou acção judicial contra a respectiva entidade patronal que visava, sumariamente, obter a alteração do respectivo posicionamento remuneratório com base nas avaliações de desempenho obtidas com reporte às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontrava e, em consequência, ser a entidade patronal condenada no pagamento dos diferenciais remuneratórios desde janeiro de 2019 ;

3 – Por sentença proferida em 11 de junho de 2021 a primeira instância julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o CH..., E.P.E., dos pedidos formulados pela Advogada requerente;

4 – Por seu turno, por Acórdão datado de 14 de janeiro de 2022, o Tribunal da Relação e Coimbra, absolveu o CH..., E.P.E. da instância nos termos e com os fundamentos que o próprio arresto sumaria do seguinte modo:

“I. Os pedidos genéricos constituem situações excepcionais, sendo admissíveis, apenas e taxativamente, quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito, quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569º do Código Civil ou quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu.

II. A dedução de um pedido genérico fora destas condições acarreta a sua ilicitude, o que constitui excepção dilatória inominada, levando à absolvição do réu da instância.”

5 – Por deliberação do Conselho de Administração do CH..., E.P.E., datada de 27 de abril de 2023, foi a Advogada requerente mandatada para assumir o seu patrocínio na acção de processo comum nº 1…/23.3T8CBR a correr termos no Juízo do Tribunal de Trabalho – Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra;

6 – Após análise do conteúdo da sobredita acção e constatando que o pedido ali formulado pela trabalhadora CSCS… era similar ao pedido oportunamente formulado pela Advogada requerente na acção instaurada contra a mesma entidade patronal, requereu a respectiva exoneração do mandato conferido pelo CH..., E.P.E. para assumir a sua defesa, invocando para o efeito a existência de um conflito de interesses.

7 – Por despacho datado de 4 de maio de 2023 o Conselho de Administração do CH..., E.P.E., entendeu que “Não obstante não existir uma situação de conflito de interesse em sentido estrito, o CA considera que a Dra. KD... poderá não se sentir suficientemente habilitada do ponto de vista do argumentário jurídico para defender em pleno os interesses do CH..., razão pela qual, em função da urgência do processo, delibera nomear como mandatária a Dra. NF.... Todavia, e a fim de balizar devidamente a designação de mandatários em situações semelhantes, delibera o CA que deverá ser solicitado parecer à Ordem dos Advogados relativamente à matéria em apreço.”

8 – Em cumprimento da segunda parte da sobredita deliberação a Ilustre Advogada em 8 de maio de 2023 requereu a emissão de parecer ao Conselho Regional de Coimbra, mostrando-se o pedido devidamente fundamentado e instruído com os elementos relevantes;

9 – Por ofício nº 105/2023 datado de 6 de junho de 2023, emitido pelo Conselho de Administração e dirigido à Exma. Senhora Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, veio o CH..., E.P.E, requerer a emissão de parecer, nos termos e com os mesmos fundamentos do pedido oportunamente efectuado pela Advogada Requerente;

 

Da breve súmula efectuada da factualidade relevante para enquadramento do pedido dirigido a este Conselho Regional, temos que, a questão a esclarecer é se a Dra. KD... se encontra numa situação de conflito de interesses caso assuma o patrocínio do CH..., E.P.E., em eventuais acções contra si instauradas pelos respectivos trabalhadores para alteração do posicionamento remuneratório decorrente da subscrição do Acordo Colectivo de Trabalho que entrou em vigor em 1 de julho de 2018.

 

Assim, a matéria sobre que versa o pedido de parecer formulado insere-se no âmbito das questões de carácter profissional abrangidas pelo disposto no artigo 54º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de setembro (doravante designado de modo abreviado por EOA), que se colocam no âmbito da delimitação territorial do Conselho Regional de Coimbra.

 

Na esteira do entendimento pacificamente acolhido no seio da Ordem dos Advogados, as questões de carácter profissional são todas as que assumam natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, emergentes, em especial das normas do Estatuto, bem como, de todo o leque de normas exaradas ao abrigo do poder regulamentar próprio conferido à Ordem dos Advogados.

 

Nestes termos, o Conselho Regional de Coimbra é material e territorialmente competente, impondo-se a emissão do parecer solicitado.

 

Aqui chegados, importa consignar que atenta a similitude dos pedidos formulados  em comunicações distintas pela Advogada KD... e pelo Conselho de Administração do CH..., E.P.E, e sendo certo que em ambos os casos se visa obter o esclarecimento da mesma situação, será emitido apenas um parecer.

 

O Advogado está vinculado ao cumprimento do vasto leque de deveres prescritos no Estatuto da Ordem dos Advogados, impondo-se-lhe em permanência a sua observância conscienciosa e intransigente, de molde a assegurar e garantir a dignidade e o prestígio da profissão.

 

Por tal razão o EOA preceitua um vasto leque de normas que regulam o exercício da profissão (artigos 66º a 87º) e que regulamentam a deontologia profissional (artigos 88º a 113º).

 

Desta feita, o advogado, por inerência do preponderante interesse público e relevância social da advocacia, deve assumir as condutas próprias de uma pessoa íntegra e cumprir pontual e escrupulosamente os deveres que lhe são impostos para com a comunidade e para com a Ordem dos Advogados. (artigo 88º do EOA).

 

O artigo 89º do EOA postula como principio basilar do exercício da advocacia a independência prescrevendo que “O Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”.

Daqui decorre a essencialidade da independência do Advogado em toda e qualquer actuação, independentemente da existência ou não de um concreto conflito, tanto mais que, o Advogado está obrigado a defender a justiça e a boa aplicação do direito, devendo abster-se de incitar os intuitos menos lícitos dos seus clientes e inclusive de aceitar o mandato em causas injustas ou susceptíveis de alcançar resultados ilícitos (artigo 90º do EOA).

 

Ao Advogado impõe-se, ainda, o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos dos seus clientes, pautando sempre a sua actuação pelo estrito cumprimento das regras deontológicas. (artigo 97º, nº 2 do EOA)

 

Também o Código Deontológico do Advogado Europeu aborda a questão da independência no exercício da advocacia dispondo no seu ponto 2.1 e 2.7 o seguinte:

“2.1 – 1 – A multiplicidade de deveres a que o advogado está sujeito impõe-lhe uma independência absoluta, isenta de qualquer pressão, especialmente a que possa resultar dos seus próprios interesses ou influências exteriores. Esta independência é tão necessária à confiança na justiça como a imparcialidade do juiz. O Advogado deve, pois, evitar pôr em causa a sua independência e nunca negligenciar a ética profissional com a preocupação de agradar ao seu cliente, ao juiz ou a terceiros.

2.1 – 2 – Esta independência é necessária em toda e qualquer actividade do advogado, independentemente da existência ou não de um litigio concreto, não tendo qualquer valor o conselho dado ao cliente pelo advogado, se prestado apenas por complacência, ou por interesse pessoal ou sob o efeito de uma pressão exterior.

2.7 – Sem prejuízo da estrita observância das normas legais e deontológicas o advogado tem a obrigação de agir sempre em defesa dos interesses legítimos do seu cliente, em primazia sobre os seus próprios interesses ou dos colegas de profissão.”

 

O respeito que se impõe pelo princípio da independência – enquanto princípio deontológico basilar – é transversal a todos os advogados que actuem nessa veste, independentemente do exercício da advocacia em prática individual, em sociedade, em associação ou em regime de subordinação jurídica (contrato de trabalho de natureza pública ou privada), como sucede no caso vertente.

Nesta senda o nº 3 do artigo 73º do EOA comina com nulidade as cláusulas insertas em contrato de trabalho que configurem orientações ou instruções da entidade empregadora que reduzam a isenção e independência do advogado ou que violem os princípios deontológicos da profissão.

 

É certo que o advogado pode exercer a sua actividade ao abrigo do regime da subordinação jurídica, porém, não pode em momento algum deixar de pautar a sua conduta profissional pela plena autonomia técnica, pela isenção, pela independência e pela responsabilidade e pelo estrito respeito pelas regras legais e deontológicas subjacentes a sua actividade enquanto advogado.

 

Nesta senda, entende Carlos Mateus[1] “Qualquer circunstância que choque (ponha em risco) com a isenção, a liberdade ou a independência do Advogado, deve ser vista a priori como um impedimento ao exercício da actividade”.

 

A previsão das normas alusivas às incompatibilidades e impedimentos visam, genericamente, a salvaguarda da isenção e dignidade e independência do advogado.

 

Sob a epígrafe “Princípios Gerais”, dispõe o nº 1 do artigo 81º que “o advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com a plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável”, prescrevendo o nº 2 do mesmo preceito legal que “o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.” Os nº 3 e nº 4 do referido preceito reforça a consignação ínsita no artigo 73º, nº 3 do EOA, ao afirmar:

“3 – Qualquer forma de provimento ou contrato, seja de natureza pública ou privada, designadamente o contrato de trabalho, ao abrigo do qual o advogado venha a exercer a sua actividade, deve respeitar os princípios definidos no nº 1 e todas as demais regras deontológicas que constam do presente Estatuto.

4 – São nulas as estipulações contratuais, bem como quaisquer orientações ou instruções da entidade contratante, que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão.”

 

Da norma citada resulta uma cláusula geral com o intuito de cumprir a dupla finalidade de defesa não só da relação do advogado com o seu cliente (na dimensão da isenção e independência), mas também na imagem da profissão na sociedade (dignidade).

 

Neste conspecto conclui-se que existirá incompatibilidade sempre que a actividade, cargo ou função que o Advogado se proponha exercer afecte, ou seja susceptível de afectar, a sua isenção e independência e a dignidade da profissão, ou de algum modo contenda com a autonomia técnica, isenção e independência que se exige ao Advogado no exercício da sua profissão de eminente interesse público.

 

O artigo 82º, nº 1 do EOA, elenca a título meramente exemplificativo, como se infere pela utilização do advérbio “designadamente”, alguns cargos, funções e actividades que se consideram incompatíveis com o exercício da advocacia, sendo que, com reporte ao elenco ali plasmado dúvidas não restam quanto à incompatibilidade com o exercício da advocacia.

 

Revisitando a concreta situação sobre que versa a presente análise, é inequívoco que não se verifica nenhuma incompatibilidade absoluta da Requerente para o exercício da advocacia, num regime de subordinação jurídica, tal como vem desempenhando tal actividade desde 3 de agosto de 2010.

 

Solução diversa já se extrairá da análise do regime dos impedimentos previsto no artigo 83º do EOA. Ora o nº 1 do referido preceito legal, consigna desde logo que “Os impedimentos diminuem a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa ou por inconciliável disponibilidade para a profissão.”

 

 O citado normativo legal prevê que, em face da verificação de certas circunstâncias concretas se possa concluir pela existência de um impedimento relativo para o exercício da advocacia, sendo que, o advogado apenas ficará impedido da prática de certos atos, com reporte a concretas situações, o que não afectará o exercício profissional da advocacia na sua globalidade.

 

Em matéria de incompatibilidades e impedimentos vigora em Portugal um sistema misto[2], competindo à Ordem dos Advogados a verificação abstracta e oficiosa de todas as situações de que tenha conhecimento que possam configurar impedimentos ou incompatibilidades para o exercício da advocacia, não se impondo a este propósito a prática de um qualquer ato que possa colocar em causa a independência e dignidade do advogado, bastando que se verifique a potencialidade de tais princípios perigarem em face das circunstâncias.

 

No caso que nos ocupa a Ilustre Advogada requerente quando confrontada com a designação efectuada pelo Conselho de Administração da respectiva entidade patronal para que assumisse o seu patrocínio forense em acção judicial instaurada por outra trabalhadora em que formula pedido bastante similar ao já formulado pela própria advogada em acção oportunamente instaurada contra a mesma entidade, cujos interesses lhe é solicitado que agora venha defender, de imediato cogita a eventual verificação de um conflito de interesses no exercício daquele patrocínio, requerendo, assim ao Conselho de Administração a sua substituição.

 

De facto, não consideramos que se verifique no caso em análise uma situação de conflito de interesses, pelo menos, do ponto de vista da apreciação do teor literal das várias situações elencadas no artigo 99º do EOA em que o legislador considerou que mesmo que não se verifiquem no imediato, encerram fortes probabilidades de se assumirem como potenciadoras desse conflito.

 

Porém entendemos que a Ilustre Advogada consulente revela e reconhece de imediato a respectiva impossibilidade de exercer o mandato forense conferido pela respectiva entidade patronal de modo cabal e no estrito cumprimento das regras deontológicas a que está adstrita nas acções em que esteja em causa o pedido de reposicionamento remuneratório dos trabalhadores com fundamento nas sucessivas avaliações de desempenho e por decorrência da adesão do CH..., E.P.E. à Convenção Colectiva de Trabalho em vigor 1 de julho de 2018.

 

O que bem se compreende, porquanto, como ficou evidenciado na acção judicial instaurada pela própria advogada contra a respectiva entidade patronal, nesta matéria a advogada sufraga indubitavelmente de posição diversa da assumida pelo CH..., E.P.E, relevando que, por certo a sua convicção não terá ficado abalada pelas decisões judiciais já proferidas na acção em que figurava como Autora, tanto mais que, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 14 de janeiro de 2022 absolveu o Réu da instância, nos termos e com os fundamentos já transcritos supra.

 

Como é consabido a absolvição da instância reconduz-se a uma abstenção de pronúncia sobre o mérito da causa, ocorrendo quando se verifica algum impedimento de natureza processual que obste ao conhecimento do mérito da causa. Quer isto dizer que, a sentença de absolvição da instância não origina um caso julgado material, mas tão-somente formal, pelo que nada impede que noutra acção, a mesma questão processual seja decidida em termos diferentes.

 

Ora, neste quadro, existe o sério risco de a Advogada requerente poder vir, em simultâneo a figurar numa acção judicial como Autora contra o CH..., E.P.E. e noutra acção com pedido similar como mandatária daquela mesma entidade que de resto é a sua entidade patronal.

 

Nestas circunstâncias a Advogada na veste de mandatária da respectiva entidade patronal certamente não estará em condições de desempenhar de modo cabal o mandato na defesa dos interesses da sua cliente e tal factualidade contende com o exercício da advocacia no estrito cumprimentos dos deveres deontológicos, designadamente, o dever de independência e isenção (artigo 89º do EOA), com o dever de defesa dos interesses da cliente (artigo 97, nº 2 do EOA) e de um modo geral com o dever de pautar toda a sua actuação pelo rigoroso cumprimento das regras deontológicas que lhe é aplicável não obstante a circunstância de exercer a advocacia em regime de subordinação jurídica. (artigo 73º, nº 3 e artigo 81º, nº 1, nº 2, nº 3 e nº 4, todos do EOA).

 

Em face do expendido, concluímos que a Advogada requerente se encontra atingida por um impedimento relativo para o exercício do mandato forense em representação da entidade patronal CH..., E.P.E. nas acções cujo pedido seja similar à questão controvertida que a própria mantém com entidade empregadora e que, reitere-se, muito sumariamente se reconduz à obtenção do reposicionamento remuneratório dos trabalhadores com fundamento nas sucessivas avaliações de desempenho e por decorrência da adesão do CH..., E.P.E. à Convenção Colectiva de Trabalho em vigor 1 de julho de 2018.

 

Porquanto, a ausência de um composição definitiva e com força de caso julgado do decidindo que a opõe ao CH..., E.P.E., é potenciador de lhe diminuir a amplitude do exercício do mandato forense naquelas concretas situações.

 

Em suma,

 

a)      O artigo 89º do EOA postula como principio basilar do exercício da advocacia a independência prescrevendo que “O Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”.

b)      Ao Advogado impõe-se, ainda, o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos dos seus clientes, pautando sempre a sua actuação pelo estrito cumprimento das regras deontológicas. (artigo 97º, nº 2 do EOA);

c)       O respeito que se impõe pelo princípio da independência – enquanto princípio deontológico basilar – é transversal a todos os advogados que actuem nessa veste, independentemente do exercício da advocacia em prática individual, em sociedade, em associação ou em regime de subordinação jurídica (contrato de trabalho de natureza pública ou privada), como sucede no caso vertente.

d)      O artigo 83º nº 1 do EOA consigna que “Os impedimentos diminuem a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa ou por inconciliável disponibilidade para a profissão.”

e)      Em face do expendido, concluímos que a Advogada requerente se encontra atingida por um impedimento relativo para o exercício do mandato forense em representação da entidade patronal CH..., E.P.E. nas acções cujo pedido seja similar à questão controvertida que a própria mantém com entidade empregadora e que, reitere-se, muito sumariamente se reconduz à obtenção do reposicionamento remuneratório dos trabalhadores com fundamento nas sucessivas avaliações de desempenho e por decorrência da adesão do CH..., E.P.E. à Convenção Colectiva de Trabalho em vigor 1 de julho de 2018.

 

 

É este, salvo melhor entendimento, o nosso parecer.

 

Castelo Branco, 15 de junho de 2023



[1] Carlos Mateus, in Deontologia Profissional “Contributo para a formação dos Advogados Portugueses”, Póvoa de Vazim, 2016, pág. 77;

[2] No sistema misto existe uma enumeração do elenco de profissões cujo exercício é incompatível com a Advocacia, sem prejuízo da ordem profissional que regula o acesso e exercício da profissão poder definir, em face de uma situação concreta, se a actividade em causa é incompatível com o exercício da advocacia ou vice-versa.

 

Sandra Gil Saraiva

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