Pareceres do CRCoimbra

PARECER Nº 13/PP/2023-C

Processo de Parecer n.º 13/PP/2023-C

Assunto: Incompatibilidade / Impedimentos para o exercício da advocacia

 

Por comunicação escrita dirigida à Delegação de Viseu da Ordem dos Advogados, cujo expediente foi em 15.06.2023, encaminhado para a Exma. Senhora Presidente do Conselho Regional de Coimbra, Dra. Teresa Letras, solicitou a Senhora D.ª MHFL..., residente em …, a emissão de pronúncia sobre questões que se reproduzem na íntegra e que coloca da seguinte forma:

- Um advogado que é administrador de condomínios, tem legitimidade legal para intentar um processo judicial a um condómino, em que ele próprio é o administrador e representante do condomínio, e o advogado nesse mesmo processo?!

- No caso afirmativo, qual a disposição legal que permite essa dualidade e oportunidade de funções?!”

 

O pedido de parecer foi presente à sessão do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados e distribuído à aqui Relatora.

Após análise da questão suscitada pela Requerente e supra transcrita, entendeu a Relatora que a sua correta apreciação impunha a concretização documental relacionada com a problemática em apreciação, o que motivou a prolação do despacho que se transcreve:

Após análise ao pedido de parecer formulado ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, pela Exma. Senhora Requerente MHFL..., considera-se que a correta pronúncia quanto à questão suscitada, impõe a concretização e demonstração documental relativamente à factualidade vertida na comunicação.

Deste modo, notifique-se a Exma. Senhora Requerente para instruir o pedido de parecer com os seguintes elementos que se afiguram essenciais:

- Esclarecimento sobre a (in) existência de processo judicial nos moldes referidos na comunicação dirigida a este Conselho Regional e, em caso afirmativo a junção dos seguintes documentos:

- Cópia de todas as peças processuais do processo e respetivos documentos;

- Cópia de eventuais Acórdãos proferidos nos Autos;

- Caso não exista nenhum processo judicial em curso, solicita-se que se digne esclarecer, de modo fundamentado, a potencial situação a que se reporta o pedido formulado, sem ignorar a qualidade em que intervém nessa concreta circunstância; “

 

Em resposta, a Requerente apresentou os seguintes documentos: Ata n.º 4, datada de 19 de abril de 2022, da reunião ordinária da Assembleia de Condóminos do prédio sito na Rua …; Petição Inicial (Ação declarativa de condenação sob a forma comum) e respetiva Contestação (apresentada no âmbito do processo n.º 444/22.7… do Tribunal Judicial da Comarca de V… - Juízo de Competência Genérica de S…), de cuja análise resulta, em síntese, a seguinte factualidade relevante para emissão do parecer solicitado:

- Ata da reunião ordinária da Assembleia de Condóminos do condomínio do prédio sito na Rua … - deliberação da recondução do atual administrador – GA…, Advogado, nomeação da administração do condomínio para o ano de 2022; deliberação para cobrança coerciva dos débitos ao condomínio, designadamente o condómino da fração H.

- Petição inicial - Ação Declarativa de Condenação sob a forma comum, intentada pelo Condomínio do prédio sito na Rua …, representado pelo seu Administrador GA…, na qualidade de Administrador do Condomínio e mandatário, contra MHFL....

Resulta da Petição Inicial que a Ré - MHFL... - é dona e legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra H, e que se encontra em dívida para com o condomínio referente a obras realizadas nas paredes exteriores do edifício aprovadas por maioria de condóminos. Peticionando a condenação da ré no pagamento ao autor (Condomínio) do montante de 3.016,25 euros.

- Contestação - apresentada pela Ré - MHFL..., no âmbito do processo n.º 444/22.7… do Tribunal Judicial da Comarca de V… - Juízo de Competência Genérica de S…,  na qual se alega, por um lado e como questão prévia, a ilegitimidade do Ilustre advogado signatário da petição, por falta de poderes forenses para propor ação, e por outro lado, no artigo 8.º da contestação, a existência, nos termos do artigo 83.º conjugado com o artigo 99.º ambos do E.O.A., de impedimento ao exercício do mandato por advogado que, em simultâneo acumule as funções de administrador do condomínio com as de mandatário em processo judicial instaurado contra um condómino desse mesmo condomínio, por verificação de um claro e evidente conflito de interesses.

 

O Conselho Regional de Coimbra tem competência para a emissão do parecer solicitado, não apenas por estar em causa situação verificada em local pertencente à sua área de competência territorial, mas ainda porque, configura questão de carácter profissional diretamente submetida à sua apreciação, nos termos da previsão da alínea f) do n.º 1 do artigo 54.º do EOA.

Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que, questões de carácter profissional são todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de princípios, regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas do Estatuto, bem como, de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo de poder regulamentar próprio, conferido pelo Estado à Ordem dos Advogados.

 

A pronúncia requerida a este Conselho Regional versa sobre questão relativa a incompatibilidades para o exercício da advocacia, cuja apreciação compete ao Conselho Geral e aos Conselhos Regionais (cfr. artigo 81.º n.º 5 do EOA), pelo que, se considera ter esta entidade competência para a pronúncia requerida.

 

Deste modo, proceder-se-á à emissão de parecer nos seguintes termos:

A questão formulada pela Exma. Requerente para a emissão de parecer, situa-se no domínio das (in) compatibilidades do exercício simultâneo da advocacia e da atividade de administrador de condomínios e concretamente, em saber se existe algum impedimento no exercício simultâneo do mandato por advogado que exerça as funções de administrador do condomínio que o constitui mandatário em processo judicial a instaurar contra condómino desse mesmo condomínio.

 

No que se refere à questão das (in) compatibilidades do exercício simultâneo da advocacia e da atividade de administrador de condomínios, este tema foi objeto de apreciação por este Conselho Regional, sendo entendimento unânime, pacifico e absolutamente aceite na Ordem dos Advogados, a inexistência de incompatibilidade entre o desempenho simultâneo da atividade de administração de um condomínio e o exercício da advocacia.

Destaca-se, nesse sentido, o parecer emitido por este Conselho Regional com o n.º 12/PP/2015-C de 11.11.2015 relatado pela Ilustre Conselheira Marta Ávila, que seguimos, e com o qual concordamos na íntegra e dele retiramos o seguinte:

“ (…) Acompanho a posição pacífica da OA sobre a temática, sendo de parecer que a atividade de administrador de condomínios não é incompatível com a profissão de advogado, não afetando a independência e a dignidade da advocacia.”

 

Não obstante o sufragado, e prosseguindo na exposição e enquadramento estatutário da questão colocada para emissão de parecer, temos que:

Estatutariamente a matéria relativa a incompatibilidades e impedimentos para o exercício da advocacia encontra consagração no Capítulo II nos artigos 81.º e seguintes do Estatuto da Ordem dos Advogados.

O artigo 81.º do EOA, alude aos princípios gerais que regulam tal apreciação. Por outro lado, o artigo 82.º elenca, a título exemplificativo, os cargos, funções e atividades consideradas absolutamente incompatíveis com o exercício da advocacia.

Dispõe o n.º 1 do artigo 81.º “O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável”, complementando ainda o n.º 2 do citado artigo que, “O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão”.

 

O artigo 82.º do EOA enumera, nas várias alíneas do n.º 1, alguns cargos, funções e atividades que se consideram incompatíveis com o exercício da advocacia, dali se extraindo que, existirá incompatibilidade (absoluta ou relativa) sempre que um cargo, função ou atividade diminua a amplitude do exercício da advocacia.

 

Ora, à luz do preceituado no citado artigo 82.º do EOA e da análise minuciosa efetuada às várias alíneas do n.º 1, afigura-se-nos que nenhuma incompatibilidade existe entre a atividade de administrador de condomínios e o exercício em simultâneo da advocacia.

 

O sistema de incompatibilidades e impedimentos permite salvaguardar que o exercício da advocacia se paute pelos princípios da isenção, independência e da autonomia técnica da profissão, pois visam, genericamente, defender não só a relação do advogado com o seu cliente - isenção e independência da atividade, mas também, defender a imagem da profissão perante a sociedade - a dignidade da profissão.

 

Acresce que, a disciplina que regulamenta as incompatibilidades, para além de garantir a isenção, independência e a dignidade da profissão de advogado, visa, ainda, prevenir situações de violação do dever de segredo profissional (artigo 92.º), de conflitos de interesses (artigo 99.º) e de angariação de clientela pelo próprio ou interposta pessoa (alínea h) do n.º 2 do artigo 90.º, todos do EOA).

Assim, o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar os princípios da autonomia técnica, isenção, independência e/ou a dignidade da profissão.

 

Revisitando as questões que subjazem ao pedido de parecer solicitado, haverá que referir o seguinte:

O artigo 1436.º do Código Civil, indica as funções acometidas ao administrador de condomínio que, por facilidade de raciocínio, passamos a transcrever:

“Artigo 1436.º

(Funções do administrador)

1 - São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:

a) Convocar a assembleia dos condóminos;

b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano;

c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro;

d) Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns;

e) Verificar a existência do fundo comum de reserva;

f) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, incluindo os juros legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas pelo regulamento do condomínio ou por deliberação da assembleia;

g) Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns;

h) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;

i) Executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada;

j) Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas.

l) Prestar contas à assembleia;

m) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio;

n) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.

o) Informar, por escrito ou por correio eletrónico, os condóminos sempre que o condomínio for citado ou notificado no âmbito de um processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo;

p) Informar, pelo menos semestralmente e por escrito ou por correio eletrónico, os condóminos acerca dos desenvolvimentos de qualquer processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo, salvo no que toca aos processos sujeitos a segredo de justiça ou a processos cuja informação deva, por outro motivo, ser mantida sob reserva;

q) Emitir, no prazo máximo de 10 dias, declaração de dívida do condómino, sempre que tal seja solicitado pelo mesmo, nomeadamente para efeitos de alienação da fração.

r) Intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua atuação.

2 - Sempre que estiver em causa deliberação da assembleia de condóminos relativamente a obras de conservação extraordinária ou que constituam inovação, a realizar no edifício ou no conjunto de edifícios, o administrador está obrigado a apresentar pelo menos três orçamentos de diferentes proveniências para a execução das mesmas, desde que o regulamento de condomínio ou a assembleia de condóminos não disponha de forma diferente.

3 - O administrador de condomínio que não cumprir as funções que lhe são cometidas neste artigo, noutras disposições legais ou em deliberações da assembleia de condóminos é civilmente responsável pela sua omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal, se aplicável.”

 

Decorre do n.º 3 do mesmo preceito legal que o administrador de condomínio exerce ainda as funções as que lhe forem delegadas pela assembleia de condóminos ou cometidas por via de outros ditames legais.

Conforme preceitua o artigo 1437.º do Código Civil, ao administrador do condomínio compete-lhe ainda a função da representação orgânica do condomínio, agindo em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos (cfr. n.º 2 do artigo 1437.º do CC).

No mais, prescreve ainda o n.º 3 do identificado preceito legal que a apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos.

 

Ora, do cotejo do consagrado nos supratranscritos preceitos legais com as normas contidas no EOA afigura-se não resultar nenhum óbice a que um administrador de condomínio exerça as funções de mandatário judicial desse mesmo condomínio, com a ressalva da verificação, em cada situação concreta, da existência de algum conflito de interesses que determine um impedimento para o exercício desse mandato.

 

Conduzindo a questão à temática dos impedimentos do exercício da advocacia, seguimos a regra de que, apenas perante uma concreta situação será possível verificar a existência de um objetivo impedimento ao exercício da atividade, pois que, enquanto as incompatibilidades emanam da natureza da função/atividade, os impedimentos resultam da relação do advogado com o cliente ou com determinados assuntos.

 

Em matéria de impedimentos, na configuração que lhe é dada pelo n.º 1 do artigo 83.º do EOA, os impedimentos, consubstanciam incompatibilidades relativas, diminuem a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa ou por inconciliável disponibilidade para a profissão.

 

O n.º 2 concretiza que o advogado está impedido de praticar atos profissionais e de mover qualquer influência junto de entidades, públicas ou privadas, onde desempenhe ou tenha desempenhado funções cujo exercício possa suscitar, em concreto, uma incompatibilidade, se aqueles atos ou influências entrarem em conflito com as regras deontológicas contidas no Estatuto, nomeadamente, os princípios gerais enunciados nos n.os 1 e 2 do artigo 81.º.

A existência de impedimentos deve, por isso, ser aferida casuisticamente, em face da verificação das circunstâncias concretas, devendo o Advogado salvaguardar a hipótese de, antes de aceitar um mandato ou prestação de serviços, verificar se daí resulta, ou não, uma situação que possa gerar um impedimento para o exercício da advocacia.

 

Posto isto, e retomando a análise da situação em apreço - que radica no exercício do mandato judicial por advogado que exerce, em simultâneo, a atividade de administrador de condomínio, com a de mandatário constituído em processo judicial instaurado contra um condómino desse mesmo condomínio - diremos, desde já, que, tal atuação suscita questões enquadráveis no âmbito do conflito de interesses.

 

A matéria do conflito de interesses, é regida estatutariamente pelo teor do artigo 99.º do E.O.A, na base do qual se encontram os princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão, tendo-se por assente que deriva expressamente do princípio geral da independência, estabelecido no artigo 89.º do EOA, segundo o qual o “Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”

 

Com efeito, no exercício da profissão, o Advogado está vinculado ao cumprimento de um vasto leque de deveres instituídos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, impondo-se-lhe uma observância conscienciosa, contínua e intransigente, indispensável a assegurar e garantir a dignidade e o prestígio da profissão.

Não obstante seja pacífico o entendimento de que para aferir da (in) existência de um conflito de interesses se revela fundamental a análise do caso concreto, entendeu o legislador consagrar, desde logo, um universo de situações, em que o dever de recusa do patrocínio se impõe, não porque em concreto e no imediato se verifique um conflito de interesses, mas porque, objetivamente, tais situações se apresentam como potenciadoras desse conflito.

Assim resulta do teor do artigo 99.º do EOA (que se transcreve):

Artigo 99.º

Conflito de Interesses

“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”

 

À luz das enunciadas previsões normativas contidas sob os números 1 e 2, o advogado deve recusar o patrocínio:

- De questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade;

- De questão conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária;

- De questão contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

 

Resulta, ainda, do inciso que compõe o nº 3 do citado artigo que o Advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

Por outro lado, dispõe a norma vertida sob o n.º 4 que se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, ou se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito; e sob a que compõe o n.º 5, que o advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente.

 

A ratio da citada norma estatutária encontra fundamento na necessidade de tutela dos princípios da independência, do segredo profissional, da dignidade, da lealdade, da confiança, da ética e do decoro, enquanto valores fundamentais de conduta no exercício da advocacia.

 

Em matéria de conflito de interesses apela-se, numa primeira linha, à consciência do advogado, e por isso impõem-se-lhe, que em permanência ajuíze se a assunção de uma determinada causa ou representação de um determinado cliente é suscetível de contender com o exercício livre e sem quaisquer constrangimentos da sua atividade, devendo recusar a representação se admitir a possibilidade de a situação colocar em risco, ainda que potencial, o dever de guardar o segredo profissional, ou de adquirir vantagens ilegítimas ou injustificadas para o seu constituinte.

 

A apreciação da (in) existência de conflito pressupõe a análise detalhada do objeto da ação e da atuação concreta e específica do Exmo. Advogado em causa, pelo que, estando-se  perante uma ação instaurada pelo condomínio representado pelo (a) Advogado (a) que cumula o exercício desse mandato forense com o cargo de administrador do condomínio, considerando a amplitude das funções desempenhadas pelo administrador de condomínio, com especial enfoque para a previsão contida nas alíneas j), n), e p) do n.º1 do artigo 1436.º do CC, é forçoso concluir que o administrador de condomínio será detentor de uma condição privilegiada que lhe permite ter conhecimento de informação privilegiada quer relativa ao condomínio, quer a cada um dos seus condóminos, eventualmente sujeitas a segredo profissional e das quais resultam ou podem resultar vantagens ilegítimas ou injustificadas para o seu constituinte (o condomínio).

Ora, neste conspecto, se considerarmos que a acrescer à função de administrador de condomínio, o advogado exerce o mandato em representação da universalidade dos condóminos, designadamente, em ação contra um dos condóminos, forçoso será de concluir pela existência de conflito de interesses.

 

Assim, e de forma congruente com o entendimento vindo de expressar, concluímos que, na configuração que lhe é dada pelo artigo 83.º e n.º 5 do artigo 99º, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados, existe impedimento ao exercício do mandato por advogado que, em simultâneo, desempenhe o cargo de administrador de condomínio, e as funções de mandatário constituído por aquele mesmo condomínio para o representar em processo judicial instaurado contra um condómino desse mesmo condomínio,

 

Em consequência, formulam-se as seguintes Conclusões:

i.              O artigo 81.º do EOA enuncia os princípios gerais do regime das incompatibilidades para o exercício da profissão de advogado.

ii.             Em regra, não se verifica impedimento a que um advogado que seja administrador de um condomínio exerça as funções de mandatário judicial desse mesmo condomínio, conquanto que, em cada situação concreta, avalie a possibilidade de existência de conflito de interesses que determine um impedimento ao exercício desse mandato.

iii.            Existe impedimento à cumulação de funções de administrador de condomínio e de mandatário forense, sempre que o advogado exerça, em simultâneo, as funções de administrador de condomínio e de mandatário constituído por esse mesmo condomínio para intervir em processo judicial a instaurar ou em curso contra um condómino desse mesmo condomínio.

 

É este o nosso parecer.

 

Luísa Peneda Cardoso

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