Pareceres do CRCoimbra

PARECER Nº 28/PP/2023-C

Processo de Parecer 28/PP/2023-C

Atos Próprios dos Advogados – Consulta Jurídica

 

Por requerimento remetido por via postal ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 31 de junho de 2023, a Ilustre Advogada AM..., titular da cédula profissional nº 59…C, com domicílio profissional na Rua João …., solicitou a emissão de parecer subjacente à possibilidade de uma profissional não habilitada com licenciatura em direito prestar consultas jurídicas aos clientes da sociedade que integra, desacompanhada de um advogado.

Após apreciação preliminar do pedido o Ilustre Colega Dr. Manuel Proença propôs, com aprovação unanime em reunião do Conselho Geral da Ordem dos Advogados de 1 de setembro de 2023, que o expediente fosse remetido ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, por se tratar do órgão competente para apreciar o pedido formulado pela Consulente.

O pedido devidamente instruído com todos os elementos relevantes foi rececionado pelo Conselho Regional de Coimbra em 9 de janeiro de 2024 e distribuído à aqui Relatora para emissão do correspondente parecer.

Com efeito a Ilustre Advogada requerente apresenta a seguinte exposição fática:

“AM..., Advogada com a cédula profissional nº 59…C e domicílio profissional na Rua João …, vem, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 46º do Estatuto da Ordem dos Advogados, requerer a emissão de parecer relativamente à seguinte matéria:

A Advogada requerente exerce em prática em Sociedade. No ato da sua constituição, foi nomeada Administradora a Dr.ª BM…, titular do Cartão de Cidadão n.º …, válido até 28-05-2029, com o NIF 262…, com domicílio profissional na Rua João ….

Pese embora não seja Advogada, a Dr.ª BM... é titular de uma Licenciatura em Criminologia, pela Universidade Lusíada do Porto – conforme resulta de cópia do Diploma que junto em anexo – já com experiência na prática forense, enquanto administrativa, desde Fevereiro de 2017 e até ao presente.

A sua formação universitária constou com um vasto leque de unidades curriculares na área do Direito, em especial no Direito Penal e Processual Penal, conforme resulta do documento junto.

Nesse sentido, e por acreditar ser uma questão pertinente cuja resposta não é consensual, vem requerer a V.ªs Ex.ªs a emissão de parecer, no sentido de saber se a referida Dr.ª BM... pode, ou não, ter contacto com os Clientes desta Sociedade, em consulta jurídica, desacompanhada de outro (a) Advogado (a).”

Sintetizando, a questão que a Consulente submete à apreciação da Ordem dos Advogados, prende-se com a aferição da admissibilidade de um não licenciado em direito e não inscrito na Ordem dos Advogados poder prestar consulta jurídica.

Estabelecido o quadro fáctico subjacente ao pedido de parecer, impõe-se, ajuizar da competência deste Conselho Regional de Coimbra para a respectiva emissão.

Dispõe o artigo 54º, nº 1 alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de setembro (doravante designado abreviadamente por EOA), que compete aos Conselhos Regionais a pronúncia sobre questões de carácter profissional que se insiram na respectiva circunscrição territorial.

Conforme entendimento pacificamente acolhido na jurisprudência da Ordem dos Advogados, são questões de carácter profissional todas as que assumam natureza estatutária, resultantes de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas dos Estatuto e de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo do poder regulamentar próprio conferido à Ordem dos Advogados.

                Conclui-se, assim, que este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados é material e territorialmente competente para pronúncia quanto à questão que lhe é apresentada, impondo-se a emissão do parecer solicitado.

                A consulta jurídica consiste no esclarecimento técnico sobre o direito aplicável a questões ou casos concretos, com apreciação e enquadramento e aconselhamento quanto a existência (ou não) de fundamento legal nas pretensões dos clientes.

                Dispõe o artigo 66º do EOA que “constitui ato próprio de advogado o exercício de consulta jurídica nos termos definidos pela Lei nº 49/2004 de 24 de agosto”.

                A Lei nº 49/2004 de 24 de agosto, em vigor à data da formulação do pedido de parecer, dispunha no artigo 1º sob a epígrafe “Atos próprios dos advogados e dos solicitadores” o seguinte:

“1 – Apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e os solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores podem praticar os actos próprios dos advogados e dos solicitadores.

2 – Podem ainda exercer consulta jurídica juristas de reconhecido mérito e os mestres e doutores em Direito cujo grau seja reconhecido em Portugal, inscritos para o efeito na Ordem dos Advogados nos termos de um processo especial a definir no Estatuto da Ordem dos Advogados.

5 – Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, são atos próprios dos advogados e dos solicitadores:

a)      O exercício do mandato forense;

b)      A consulta jurídica

(…)

11 – O exercício do mandato forense e consulta jurídica está sujeito aos limites do seu estatuto e da legislação processual.”

A Lei nº 49/2004 de 24 de agosto foi revogada pela Lei nº 10/2024 de 19 de janeiro, que define o Regime Jurídico dos Atos de Advogados e Solicitadores, com entrada em vigor no dia 1 de janeiro de 2024.

O diploma ora vigente define os atos próprios de advogados e solicitadores no respetivo artigo 4º, consignando que:

“1 - Sem prejuízo do disposto na presente lei, apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e os solicitadores inscritos na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução podem praticar os atos próprios dos advogados e dos solicitadores.

2 – Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, constitui ato próprio exclusivo dos advogados e dos solicitadores o exercício do mandato forense.

3 – São atos próprios exclusivos dos advogados:

a)      Os que resultem do exercício do direito dos cidadãos de se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade;

b)      Aqueles em que o arguido deva ser assistido por defensor, nos termos da lei processual penal.

4 – Os advogados e os solicitadores têm ainda competência para exercer as seguintes atividades:

(…)

d) A consulta jurídica.

5 - Os atos previstos nos números anteriores apenas consubstanciam atos próprios dos advogados e dos solicitadores se forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de atividade profissional.

(…)”

Apreciada a legislação atualmente vigente que regula os atos dos advogados e solicitadores, acima citada, concluiu-se que, a consulta jurídica deixou de integrar o elenco de atos próprios exclusivos dos Advogados, verificando-se um claro alargamento de tal competência as entidades elencadas no artigo 7º do mesmo diploma.

Porém, calcorreando o sobredito regime jurídico dos atos de advogados e solicitadores, é inequívoco que tal competência permanece afeta exclusivamente a profissionais detentores de uma licenciatura em Direito ou Solicitadoria (artigo 7º, nº 1).

Não prevendo a lei quaisquer outras licenciaturas, mesmo as que, tenham um plano formativo integrado por uma ou mais unidades curriculares comuns a licenciatura em direito ou solicitadoria.

De igual modo, não prevê o regime jurídico aplicável qualquer substituição habilitacional, apenas podendo ser considerados licenciados em Direito os detentores de tal grau académico conferido por Instituição de Ensino autorizada.

                Em face do expendido e considerando que, não obstante as alterações legislativas introduzidas já na pendência da emissão do presente parecer, a admissibilidade de prestação de consulta jurídica não foi alargada a detentores de outras formações, como seja, a licenciatura em Criminologia, a resposta ao pedido formulado tem necessariamente de ser negativa.

                Assim, a referida Dra. BM..., apesar de licenciada em Criminologia e de não se nos oferecerem dúvidas quanto às competências e experiência detida, não está legalmente autorizada a prestar consulta jurídica.

 

Conclusões:

1 – Com a entrada em vigor da Lei nº 10/2024 de 19 de janeiro que define o regime jurídico dos atos dos advogados e solicitadores, a consulta jurídica deixou de integrar o elenco dos atos exclusivos dos Advogados;

2 – Não obstante o alargamento do leque de profissionais a quem é admissível a prestação de consulta jurídica, o certo é que, se mantém como requisito essencial que os mesmos sejam detentores de uma licenciatura em Direito;

3 – Assim, nos termos e para os efeitos conjugados nos artigos 4º e 7º da Lei nº 10/2024 de 19 de janeiro, não estão habilitados a prestar consulta jurídica os detentores de uma licenciatura em criminologia.

 

 

É este o nosso parecer.

Que se submete à apreciação e votação na sessão do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados de 1 de março de 2024.

 

Sandra Gil Saraiva

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