Pareceres do CRLisboa

Processo Nº 30.614

Publicidade


Sumário: I. A proibição genérica da publicidade profissional, imposta pelo n.º 1 do artigo 80.º do EOA, levanta, desde logo, a questão da sua conformidade constitucional. II. É certo que, como qualquer profissão, a advocacia também tem as suas especificidades e que é exercida também na prossecução de alguns interesses públicos; daí que a lei (o Estatuto da Ordem dos Advogados, no caso) possa prever restrições específicas à actividade publicitária dos advogados. III. Porém, o que se afigura manifestamente excessivo — e por isso violador do princípio constitucional da proporcionalidade (artigos 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 265.º e 266.º, n.º 2, da Constituição) — é uma proibição genérica de toda a publicidade profissional. IV. Se o artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados admite anúncios em jornais, há-de entender-se que os admite, por identidade de razão, noutros meios de comunicação; é o caso, hoje, da internet, que ocupa, enquanto meio de divulgação de informação, um papel semelhante ao do tradicional suporte em papel. V. No que tange ao conteúdo do website ideado pela Sociedade de Advogados A, com a configuração a que se teve acesso, nas seis áreas que o compõem apenas se detecta informação objectiva e, tanto quanto é possível apurar, verdadeira e relacionada com o exercício da advocacia, limitando-se a denotar factos susceptíveis de confirmação.



Consulta


Mediante carta datada de 24 de Maio de 2002, o Senhor Dr. B solicita a opinião do Conselho Distrital de Lisboa sobre a admissibilidade, à luz das regras aplicáveis ao exercício da advocacia, da disponibilização, pela Sociedade de Advogados A, de “(…) um website para divulgação do escritório junto dos seus clientes e público em geral”.

O Consulente juntou (i) um CD-Rom com o conteúdo do website e (ii) duas cópias escritas — uma, em português, outra, em inglês — do mesmo.



Parecer

§ 1.º
Breve descrição do Website


1. A estrutura do website pretendido pelo Consulente assenta em seis áreas: (i) “Quem Somos”; (ii) “Novidades”; (iii) “Biblioteca”; (iv) “Recrutamento”; (v)“Contactos”; e (vi) “Escritórios Associados”.

Sob a área “Quem Somos”, o website divide-se em cinco rubricas: (i) Apresentação (da sociedade de advogados); (ii) Áreas de Actividade; (iii) Advogados (com a identificação dos mesmos e respectivos curricula); (iv) Tecnologia; e (v) Comunidade e Pro-Bono.

Em relação à área “Novidades”, nada há a registar.

A área “Biblioteca” destina-se a albergar “(…) artigos elaborados pelos (…) advogados e colaboradores [da Sociedade], todas as edições da (…) Newsletter Digital, e todas as apresentações levadas a cabo pelos (…) advogados [da Sociedade] em Portugal e no estrangeiro”. Nesta área, disponibiliza-se igualmente “(…) uma lista de links para diversos sites de outras entidades e instituições”.

Na área “Recrutamento”, descreve-se a “política de recrutamento” da Sociedade, convida-se os potenciais interessados a enviarem o respectivo currículo e indica-se a “lista das oportunidades de emprego” oferecidas.

No que toca à área “Contactos”, nada há a assinalar.

Na área “Escritórios Associados”, descreve-se sumariamente um conjunto de alianças com escritórios de Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe e, simultaneamente, sublinha-se sinteticamente o track record da Sociedade de Advogados e as respectivas áreas preferenciais de actuação.


§ 2.º
O problema da Publicidade em geral


2. O n.º 1 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, ao proibir qualquer forma, directa ou indirecta, de publicidade profissional, independentemente do suporte utilizado para a sua difusão, consagra um princípio geral de proibição de toda e qualquer publicidade do advogado (e, por identidade de razão, da sociedade de advogados).

Não esclarece o referido artigo 80.º do Estatuto o que se deve entender por “publicidade profissional”, mas parece seguro que o conceito de publicidade que aqui está em causa só pode ser o mesmo que é utilizado no próprio Código da Publicidade: qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições (n.º 1 do artigo 2.º do Código da Publicidade (1)).
De facto, sendo a actividade do advogado uma actividade profissional de carácter liberal, a publicidade do advogado terá necessariamente de ser uma forma de comunicação que ele leva a cabo, no âmbito da sua profissão, com o objectivo de promover a prestação dos seus serviços jurídicos.



3. A proibição genérica da publicidade profissional, imposta pelo n.º 1 do artigo 80.º do EOA, levanta, porém, desde logo, a questão da sua conformidade constitucional.
Com efeito, tal como tantas outras, tratando-se de uma actividade lícita e legalmente autorizada, socialmente relevante e de inegável conteúdo económico, o que poderá impedir a publicidade ao exercício da advocacia?

Ao determinar que a publicidade é disciplinada por lei (n.º 2 do artigo 60.º), que os consumidores têm direito à informação (n.º 1 do artigo 60.º) e ao proclamar a liberdade de iniciativa económica privada (n.º 1 do artigo 61.º), a Constituição da República Portuguesa não parece admitir que o legislador proíba em absoluto a publicidade ao exercício de uma actividade profissional.

É que, por um lado, a Constituição estabelece (n.º 2 do artigo 61.º), embora de modo “pouco transparente” (2) , uma relação entre os direitos dos consumidores e a publicidade. De facto, “sendo a publicidade um meio potente de promover o consumo e influenciar o consumidor, compreende-se que a Constituição tenha privilegiado o seu tratamento, determinando a sua disciplina por via legal e proibindo directamente, desde logo, certas formas de publicidade, em homenagem ao princípio de que ela tem de ser pelo menos identificável como tal pelos consumidores e verdadeira” (3).

Por outro lado, sendo a publicidade um importante instrumento de promoção do consumo, é por demais evidente que não há plena liberdade de iniciativa económica se não houver também liberdade de actividade publicitária (ainda que, obviamente, com respeito pelos limites da lei).

São sobejamente conhecidas as razões (supostamente) “justificadoras” da proibição genérica, imposta aos advogados, da actividade publicitária da sua profissão. Basicamente assentam numa ideia, aliás pouco clara, de “dignificação da classe” (4). Invoca-se, com efeito, usualmente, que “a advocacia não pode confundir-se com qualquer actividade comercial ou industrial, pois, enquanto estas transaccionam mercadorias, o advogado vela pela honra, liberdade, fazenda e, às vezes, pela vida do seu constituinte” (5). Por outro lado, “são razões de decoro profissional, porquanto o advogado deve tornar-se conhecido e ser procurado pela sua competência e probidade, e não pelo engodo de campanhas publicitárias” (6). Diz-se ainda que “o princípio da proibição da publicidade (…) tem por fim evitar que os advogados recrutem clientes como os comerciantes ou industriais (…), oferecendo consultas gratuitas ou anunciando talento e honradez como quem anuncia bom café” (7).

Porém, em boa verdade, tais argumentos não são minimamente convincentes, pois partem do equívoco de que os serviços de advocacia não seriam também serviços e de que não teriam uma dimensão económica. Em muitas actividades comerciais ou industriais transaccionam-se mercadorias; mas não é menos certo que se transaccionam também serviços. E os serviços profissionais liberais, como os dos médicos, dos engenheiros, dos arquitectos, dos advogados ou dos economistas são obviamente também transaccionados (em liberdade e em concorrência) por uma remuneração. A remuneração é, com efeito, a contrapartida dos serviços prestados, o que faz deles serviços de natureza económica.

Por outro lado, se é certo que o advogado vela pela honra, liberdade, fazenda e, às vezes, pela vida do seu constituinte, o mesmo se pode e deve dizer de outras profissões como o médico ou o economista. Mas será essa vigilância incompatível com a publicidade aos serviços que presta? Julga-se que não.

Não se vê, pois, em que é que se relaciona a dignidade da profissão com a proibição da publicidade. Pode afirmar-se que as profissões liberais relativamente às quais se permitem actividades publicitárias são profissões indignas ou não merecedoras do respeito dos consumidores ou do público em geral? Crê-se que não.

É claro que não se pode permitir o engodo publicitário. Mas o engodo publicitário, a publicidade enganosa, a publicidade oculta ou dissimulada ou falsa correspondem a proibições genéricas previstas no Código da Publicidade para toda e qualquer actividade publicitária, qualquer que seja o anunciante ou o bem ou serviço a anunciar (artigos 9.º a 11.º). A essas e a todas as outras regras constante do Código da Publicidade também haverá de estar sujeita a publicidade profissional dos advogados. Assim, por exemplo, a proibição de publicidade que atente contra a dignidade da pessoa humana, que utilize, sem autorização da própria, a imagem ou as palavras de alguma pessoa ou que utilize linguagem obscena ou que faça apelo à violência ou a actividades ilegais ou criminosas é uma proibição que abrange qualquer actividade publicitária: não apenas a dos advogados.



4. É certo — reconhece-se — que, como qualquer profissão, a advocacia também tem as suas especificidades e que é exercida também na prossecução de alguns interesses públicos. Daí que a lei (o Estatuto da Ordem dos Advogados, no caso) possa prever restrições específicas à actividade publicitária dos advogados.

É, aliás, a inevitável imbricação entre publicidade e direitos do consumidor que justifica, em variados casos, restrições ao conteúdo da publicidade (publicidade para menores) ou ao seu objecto (restrição ou proibição de publicidade de bebidas alcoólicas, tabaco, medicamentos, jogos de fortuna ou azar) (8) . Do mesmo modo, atentos os interesses específicos dos consumidores dos serviços jurídicos (nomeadamente o sigilo profissional), o eventual interesse na não mediatização da justiça, entre outros, poderão levar o legislador a impor algumas restrições específicas ao exercício da publicidade profissional do advogado.

Porém, o que se afigura manifestamente excessivo — e por isso violador do princípio constitucional da proporcionalidade (artigos 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 265.º e 266.º, n.º 2, da Constituição) — é uma proibição genérica de toda a publicidade profissional. Com efeito, o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, decorrência do próprio princípio do Estado de Direito e de aplicação a qualquer acto do poder público, incluindo os legislativos, desdobra-se em três subprincípios: o da conformidade ou adequação de meios, o da exigibilidade ou necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito.

Como observa GOMES CANOTILHO, “o princípio da conformidade ou adequação impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes”. Por outro lado, “o princípio da exigibilidade, também conhecido como 'princípio da necessidade' ou da 'menor ingerência possível', coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor ingerência possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão”. Finalmente, “quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à 'carga coactiva' da mesma. Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, entendido como princípio da 'justa medida'” (9) .

Ora, se bem que o controlo da adequação relativamente às leis possa oferecer algumas dificuldades tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, pensa-se que não é a proibição genérica da publicidade profissional (n.º 1 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados) um meio apto e conforme à defesa dos interesses específicos dos consumidores de serviços jurídicos e dos interesses inerentes à Justiça, de que o advogado é um importante colaborador. Não é com a proibição genérica da publicidade profissional da advocacia que se defendem os consumidores de serviços jurídicos e o público em geral ou os interesses inerentes à própria Justiça; para essa defesa existem deveres próprios da profissão que nada têm a ver com a publicidade profissional (vejam-se, por exemplo, os artigos 76.º a 79.º, 81.º a 83.º e 86.º a 89.º do Estatuto da Ordem dos Advogados) e que esta, por princípio, em nada põe em causa.

Mas a violação do princípio da indispensabilidade ou da necessidade é ainda mais flagrante. Com efeito, é por demais evidente que o meio adoptado é excessivamente oneroso à luz dos fins que se pretendem prosseguir. À protecção da dignidade da classe (para nos colocarmos na muito falível óptica tradicional) não se afigura indispensável e necessário a consagração de uma proibição genérica e absoluta de publicidade profissional. Essa dignificação pode perfeitamente ficar assegurada através de meios menos onerosos, como seja através de meras restrições à actividade publicitária, a maior parte das quais já se encontram previstas no Código da Publicidade.

Uma proibição genérica de publicidade profissional como aquela que consta do n.º 1 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados é pois, na perspectiva da proporcionalidade estrita (num balanço custos-vantagens) uma solução constitucionalmente desadequada. À luz da liberdade de iniciativa económica privada e do direito dos consumidores à informação, a publicidade é um instrumento cuja proibição genérica se revela — num juízo de ponderação com os interesses que essa proibição visaria tutelar — uma medida desmedida.

A actividade profissional do advogado é uma actividade económica exercida livremente e em concorrência. A proibição genérica de publicidade a essa actividade representa, pois, uma violação do princípio constitucional da proporcionalidade.



5. A despeito da conclusão anterior, é doutrina quase unânime em Portugal que não é possível reconhecer aos órgãos administrativos um poder geral análogo aos dos tribunais para desaplicar normas consideradas inconstitucionais (10).

Aceitando esse entendimento, este Conselho Distrital não poderá deixar de ter em conta o disposto no n.º 1 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Mas importa averiguar se o mesmo comporta zonas (relevantes para o caso concreto) de excepção e/ou não cobertas.

Dir-se-ia, numa primeira leitura, que não. Muito embora os n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados estabeleçam a possibilidade de os advogados fazerem uso de certas menções de cariz profissional em diversos suportes de difusão da informação, esses preceitos consideram que tais situações não constituem formas de publicidade.

É manifesto que o artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, em especial os seus n.ºs 3 e 4, sofre de inconstestáveis incorrecções técnicas. Com efeito, não distingue, com o rigor que a importância e a delicadeza do assunto requereriam, o objecto da comunicação (as menções que é lícito aos advogados fazer uso) dos suportes que podem ser utilizados para a sua difusão. Assim, considera que não constituem formas de publicidade a indicação de títulos académicos, a menção dos cargos exercidos na Ordem dos Advogados, a referência à sociedade civil profissional de que o advogado seja sócio ou ainda “qualquer outra menção (…) previamente autorizada pelo conselho distrital competente” (n.º 3 do artigo 80.º). E, por outro lado, considera que não constitui também publicidade o uso de tabuletas afixadas no exterior dos escritórios, a inserção de meros anúncios nos jornais e a utilização de cartões de visita ou papel de carta, em todo o caso “desde que com a simples menção do nome do advogado, endereço do escritório e horas de expediente” (n.º 4 do artigo 80.º).

A conjugação das duas normas implica um resultado que vai muito para além da sua mera interpretação literal. De facto, a restrição imposta pela parte final do n.º 4 não pode impedir que as menções referidas no n.º 3 — sob pena de total inutilidade deste preceito — sejam também utilizadas nos suportes mencionados no mesmo n.º 4 (11). Por outras palavras: o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados tem de ser interpretado no sentido de que todas as menções neles referidas são lícitas em qualquer dos suportes também neles mencionados.

Como quer que seja, para o Estatuto da Ordem dos Advogados, todas essas menções e o seu uso nos diversos suportes de difusão não constituem publicidade.

Ora a verdade é que as afirmações lapidares de que tais situações “não constituem publicidade” ou de que “não constituem formas de publicidade” são, manifestamente, um mero e peregrino expediente formal para manter a ideia de que o princípio geral da proibição da publicidade profissional é um princípio sem excepções e que tudo cobre.

Como é evidente, o uso de tabuletas ou a inserção de “meros”(?) anúncios nos jornais, por exemplo, são actividades publicitárias ainda que o Estatuto da Ordem dos Advogados, artificialmente, as não considere como tal. Efectivamente, trata-se sempre de formas de comunicação que, por se destinarem (directa ou indirectamente) a promover os serviços do advogado, estão necessariamente abrangidas pelo disposto no Código da Publicidade . Com efeito, o uso das menções referidas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (ainda que tenham sido previamente autorizadas pelo conselho distrital competente), através daqueles ou de outros suportes de difusão da informação, não pode deixar de estar submetido ao regime geral da publicidade estabelecido no capítulo II do Código da Publicidade, nomeadamente às proibições constantes do n.º 2 do artigo 7.º ou ao princípio da veracidade constante do n.º 1 do artigo 10.º. Ninguém negará que o respeito pela verdade dos factos constantes daquelas menções ou que a proibição de informação que possa induzir em erro os seus destinatários quanto, por exemplo, às características dos serviços jurídicos a prestar, são decorrências directas do princípio da veracidade consagrado no n.º 1 do artigo 10.º do Código da Publicidade.

Em suma: apesar de os n.ºs 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados considerarem que as situações neles previstas não constituem publicidade, não pode deixar de reconhecer-se que são efectivamente publicidade (até para efeitos do Código da Publicidade). Por outras palavras: envergonhadamente, os n.ºs 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados abriram excepções ao princípio geral da proibição da publicidade profissional estabelecido no n.º 1 do mesmo artigo; porém, em vez de as considerarem como tal, consideram-nas, artificialmente, como situações que estão fora do próprio âmbito do objecto da proibição: as situações admitidas de publicidade não são consideradas publicidade por forma a manter a integralidade (ou pureza) do princípio da proibição da publicidade…



6. A possibilidade, constante da parte final do n.º 3 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, de os advogados fazerem uso de menções previamente autorizadas pelo conselho distrital competente insere-se pois nesta lógica de permitir outras situações de publicidade, continuando a considerar, artificialmente, que não constituem formas de publicidade.

Seja como for, o legislador remeteu para os conselhos distritais o poder de autorizar, caso a caso, a utilização de outras menções para além daquelas que estão expressamente referidas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto.

Ora, à luz de um princípio geral de proibição de publicidade profissional (n.º 1 do artigo 80.º), o único critério orientador para a ampliação — por autorização do conselho distrital — das menções que podem também ser usadas pelos advogados, há-de ser pois, muito naturalmente, o que está subjacente às situações já previstas nesses n.ºs 3 e 4 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados. Por outras palavras: o critério que presidirá à decisão de autorizar ou não “qualquer outra menção” há-de ser o mesmo que levou o legislador a admitir, desde logo, o uso de menções como os “títulos académicos”, a “referência à sociedade civil profissional de que o advogado seja sócio”, o “endereço do escritório” ou as “horas de expediente”.

Como é fácil compreender, trata-se sempre de informação objectiva relacionada com o exercício da profissão. O que se pretende é, no fundo, permitir que o advogado informe os consumidores de serviços jurídicos (seus potenciais clientes) de elementos de facto objectivos relativos a si próprio (os seus próprios elementos identificadores), aos serviços que presta ou ao modo como exerce a profissão, por forma a permitir ao interessado uma escolha livre e esclarecida.

A proibição genérica de publicidade profissional visa pois impedir que a promoção dos serviços prestados pelos advogados seja feita através de mensagens de cariz subjectivo, através, por exemplo, do emprego de conteúdos persuasivos, de auto-engrandecimento ou até de comparação.

E é a essa luz que importa responder à questão concreta colocada na Consulta. Mas não sem antes frisar que o que se acaba de expor quanto à publicidade do advogado vale, mutatis mutandis, quanto à publicidade de sociedade de advogados. E vale tanto na vertente proibitiva quanto na permissiva, naturalmente.



§ 3.º
O Problema dos Websites em especial


7. O Conselho Geral da Ordem dos Advogados aprovou, em 17 de Janeiro de 2003, o seu Parecer n.º E-41/02, que versa, justamente, o problema da admissibilidade de websites de sociedades de advogados. Nesse Parecer, depois de adiantar que “(…) o conteúdo dos sites pretendidos pelos advogados (…) é[,] norma geral, muito similar (…)”, afirma o Conselho Geral que:

a) Resulta da jurisprudência dos concelhos “(…) um largo consenso quanto à desadequação de uma interpretação literal do conteúdo [do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados] face às actuais condições de exercício da profissão e aos meios de comunicação hoje existentes” (rubrica n.º 3 do Parecer n.º E-41/02, do Conselho Geral);

b) “Uma questão imediata que o regime estatuído no artigo 80.º do EOA coloca é a de saber se ele não obriga a uma interpretação actualista. A resposta não pode deixar de ser positiva: se são admitidos anúncios em jornais sê-lo-ão também (…) noutros meios de comunicação” (rubrica n.º 3);

c) “É o caso, hoje, da Internet, que ocupa, enquanto meio de divulgação de informação, um papel semelhante ao do suporte papel tradicional” (idem);

d) Isto, quanto ao suporte de transmissão da informação;

e) Quanto ao conteúdo, sustenta o Conselho Geral que, “na acepção actualista do EOA[,] não constituirão formas [vedadas] de publicidade (…)” mas, antes, “(…) expressão actual de apresentação dos elementos que aquele diploma expressamente aceitou” as “(…) matérias de exercício preferencial, [a] lista de colaboradores efectivamente ligados ao escritório ou à sociedade de advogados em causa, [as] línguas de trabalho, [os] títulos académicos, [a] informação curricular da sociedade e dos seus advogados e mesmo [as] imagens ou logotipos do escritório e dos seus colaboradores” (idem);

f) “(…) a divulgação sempre foi admitida pela profissão à luz dos meios de cada época. De início, em que o mundo se restringia ao bairro ou à localidade, a tabuleta na porta ou o cartão de visita eram os meios conhecidos. Depois esse mundo alargou-se às cidades e ao país com os jornais, e a profissão acolheu-os. Agora, o nosso mundo é a Europa e demais terras do Mundo, pelo que, de novo, cabe à profissão adoptar os novos meios correspondentes à nova realidade. A Internet não é mais do que o jornal do século XXI, assim como os jornais foram, no seu tempo, a tabuleta na porta do século XIX” (idem);

g) Sendo certo que “(…) o exercício do direito ao nome profissional como advogado e a protecção do Cliente, enquanto Consumidor, passam hoje, necessariamente, por estes elementos” (idem);

h) Chegado a este ponto, acrescenta o Conselho Geral — e bem — que “o problema não é então o meio nem a imagem; o problema é apenas o conteúdo. Aí sim, os valores que o legislador quis proteger mantêm-se intocados: o advogado só pode divulgar informação objectiva e verdadeira e que não constitua reclamo” (rubrica n.º 4);

i) Na óptica do Conselho Geral, “(…) nos nossos dias uma nova protecção de natureza externa deve estar presente na abordagem que devemos fazer a esta temática: a da protecção do consumidor (…). Ora, nesta novel perspectiva, assume uma especial importância o direito do Cliente a ver-lhe ser disponibilizada a maior quantidade possível de informação para que, em consciência, e na posse dos necessários dados em termos, nomeadamente, de identidade, anos de prática, experiência em assuntos similares, áreas do direito de tendência preferencial, nível de inserção na comunidade local, crédito no seio da profissão, respeitabilidade académica, etc. possa formular a sua vontade de escolha de um determinado advogado ou sociedade de advogados” (idem);

j) Daí que, afirma o Conselho Geral, “(…) qualquer informação objectiva e verdadeira, relacionada com o exercício da advocacia, que se limite a denotar um facto susceptível de confirmação e que não tenha qualquer intuito publicitário na asserção (…) acima [referida], nesta se incluindo qualquer alusão comparativa é, em nosso entender, lícita face ao artigo 80” (idem);

k) “É o caso dos elementos de informação acima identificados, nomeadamente: áreas de exercício preferencial, identificação e contactos, incluindo de colaboradores efectivamente ligados ao escritório ou à sociedade de advogados em causa, línguas de trabalho, títulos académicos, informação curricular do advogado ou da sociedade e dos seus advogados, menção dos anos de prática e experiência em assuntos similares (sem divulgação do nome de clientes, obviamente)” (idem);

l) Entende ainda o Conselho Geral — e continua a julgar-se que bem — “(…) que a divulgação da fotografia do advogado, do seu escritório e ou dos seus colaboradores não é susceptível de ser encarada como convite à compra ou à contratação dos seus serviços profissionais (…)”; daí ser o Conselho Geral da opinião de que “(…) também tais meios são admissíveis à luz do artigo 80.º, desde que enquadrados nos limites atrás aceites e nos meios de divulgação acolhidos” (idem).

Eis o que sufraga o Conselho Geral. Vejamos, agora, em que termos aplicar tal “jurisprudência” ao caso da Consulta, mantendo presente tudo o que antes de afirmou.



8. Analisados, uma e mais vezes, os documentos facultados pelo Consulente, entende-se que o website ideado pela sociedade de advogados A se enquadra dentro dos limites traçados no artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, de acordo com a interpretação actualista preconizada pelo Conselho Geral no seu Parecer n.º E-41/02, de 17 de Janeiro, também sufragada por este Conselho Distrital.

Quanto ao próprio veículo da informação, vale a tese de que, se o artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados admite anúncios em jornais, há-de entender-se que os admite, por identidade de razão, noutros meios de comunicação (rubrica n.º 3 do citado Parecer do Conselho Geral); “é o caso, hoje, da Internet, que ocupa, enquanto meio de divulgação de informação, um papel semelhante ao do suporte papel tradicional” (idem).

No que tange ao conteúdo do website, com a configuração a que se teve acesso, é este Conselho Distrital da opinião de que, nas seis áreas que o compõem (“Quem Somos”, com cinco rubricas — (i) Apresentação (da sociedade de advogados); (ii) Áreas de Actividade; (iii) Advogados (com a identificação dos mesmos e respectivos curricula); (iv) Tecnologia; e (v) Comunidade e Pro-Bono —; “Novidades”; “Biblioteca”; “Recrutamento”; “Contactos” e “Escritórios Associados”), apenas se detecta “(…) informação objectiva e [, tanto quanto é possível apurar,] verdadeira, relacionada com o exercício da advocacia, [limitando-se] a denotar [factos susceptíveis] de confirmação (…)” (rubrica n.º 4 do mesmo Parecer), relacionados, fundamentalmente, com “(…) áreas de exercício preferencial, identificação e contactos, incluindo de colaboradores efectivamente ligados ao escritório ou à sociedade de advogados em causa, línguas de trabalho, (…) informação curricular do advogado ou da sociedade e dos seus advogados, menção dos anos de prática e experiência em assuntos similares (…)” (idem). Não se verifica, nem sequer implicitamente, a divulgação de clientes.

Em suma, o Conselho Distrital de Lisboa não vislumbra obstáculos à sedimentação do website da sociedade de advogados A nem à divulgação do respectivo conteúdo.



§ 4.º
Conclusões


1. A proibição genérica da publicidade profissional, imposta pelo n.º 1 do artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, levanta, desde logo, a questão da sua conformidade constitucional.

2. É certo que, como qualquer profissão, a advocacia também tem as suas especificidades e que é exercida também na prossecução de alguns interesses públicos; daí que a lei (o Estatuto da Ordem dos Advogados, no caso) possa prever restrições específicas à actividade publicitária dos advogados.

3. Porém, o que se afigura manifestamente excessivo — e por isso violador do princípio constitucional da proporcionalidade (artigos 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 265.º e 266.º, n.º 2, da Constituição) — é uma proibição genérica de toda a publicidade profissional.

4. Se o artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados admite anúncios em jornais, há-de entender-se que os admite, por identidade de razão, noutros meios de comunicação; é o caso, hoje, da internet, que ocupa, enquanto meio de divulgação de informação, um papel semelhante ao do tradicional suporte em papel.

5. No que tange ao conteúdo dowebsite ideado pela sociedade de advogados A com a configuração a que se teve acesso, nas seis áreas que o compõem (“Quem Somos”, com cinco rubricas — (i) Apresentação (da sociedade de advogados); (ii) Áreas de Actividade; (iii) Advogados (com a identificação dos mesmos e respectivos curricula); (iv) Tecnologia; e (v) Comunidade e Pro-Bono —; “Novidades”; “Biblioteca”; “Recrutamento”; “Contactos” e “Escritórios Associados”), apenas se detecta informação objectiva e, tanto quanto é possível apurar, verdadeira e relacionada com o exercício da advocacia, limitando-se a denotar factos susceptíveis de confirmação, ligados, fundamentalmente, a: áreas de exercício preferencial, identificação e contactos, incluindo de colaboradores efectivamente ligados ao escritório ou à sociedade de advogados em causa, línguas de trabalho, informação curricular do advogado ou da sociedade e dos seus advogados, menção dos anos de prática e experiência em assuntos similares.




Lisboa, de Agosto de 2003


Bernardo Diniz de Ayala





(1) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 74/93, de 10 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 6/95, de 17 de Janeiro, pela Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 275/98, de 9 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 51/2001, de 15 de Fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 332/2001, de 24 de Dezembro.
(2) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, p. 324.
(3) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, p. 324.
(4) Nesse sentido, ANTÓNIO ARNAUT, Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado, Coimbra, 2001, p. 91.
(5) ANTÓNIO ARNAUT, Estatuto…, p. 91.
(6) ANTÓNIO ARNAUT, Estatuto…, pp. 91 e 92.
(7)ORLANDO GUEDES COSTA, Dos Pressupostos do Exercício da Advocacia e da Publicidade do Advogado, Lisboa, 2000, p. 92.
(8) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, p. 324.
(9) GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 2002, pp. 269 e 270.
(10) Cfr., por todos, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, VI, Coimbra, 2001, pp. 176 e sgs.. A tese contrária — de que a Administração tem também um amplo poder de fiscalização da constitucionalidade — é defendida por RUI MEDEIROS, A Decisão de Inconstitucionalidade, Lisboa, 1999, pp. 168 e sgs..
(11) Além de que este n.º 4 não resiste a, por um lado, uma interpretação extensiva por forma a permitir o uso de outros meios de difusão da informação e, por outro, a uma necessária interpretação actualista, por forma a permitir o uso dos novos e modernos suportes de difusão da informação, como a internet, nos moldes a que adiante se aludirá.
(13) Quem duvidará de que a inserção de um “mero” anúncio numa página de um jornal de expansão nacional do qual conste o nome de vários advogados e a referência à sociedade profissional de que todos são sócios, a menção a eventuais cargos exercidos na Ordem dos Advogados por alguns deles, o endereço do escritório, as horas de expediente e a sigla e ou o logotipo daquela sociedade cuja menção fora previamente autorizada pelo conselho distrital competente não é um acto de publicidade?

Bernardo Diniz de Ayala

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