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16-01-2012
Auditoria ao Sistema de Acesso ao Direito
 

Conferência de Imprensa

 

 Auditoria ao Sistema do Acesso ao Direito

 

1.ª – Foi efectuada uma auditoria ao sistema do acesso ao direito que, num primeiro momento, se pressupunha ser realizada, em conjunto, pelo Ministério da Justiça e pela Ordem dos Advogados.

2.ª – A metodologia proposta pelo Ministério da Justiça e aceite pela Ordem dos Advogados previa que, uma vez seleccionados os processos e na posse dos elementos constantes no pedido de pagamento, a Direcção Geral da Administração da Justiça promovesse, junto dos Tribunais, através dos funcionários de justiça, a verificação dos aspectos que determinam o montante concreto a pagar, de acordo com o registo efectuado pelo advogado na aplicação SINOA, designadamente:

a) natureza do processo;

b) deslocações a estabelecimentos prisionais;

c) número de sessões;

d) outras intervenções;

e) número de incidentes;

3.ª – Da metodologia proposta resultava que tal verificação nos Tribunais deveria ser previamente comunicada à Ordem dos Advogados, de forma a permitir que esta fizesse deslocar ao local um seu representante com vista a acompanhar o desenrolar dos trabalhos descritos.

4.ª – o Ministério da Justiça fez tábua rasa da metodologia a aplicar à auditoria, tendo dado orientações para que os funcionários de justiça procedessem à verificação dos processos, sem que tal análise tivesse sido comunicada ou tivesse intervenção da Ordem dos Advogados.

5.ª – Por outro lado, não foram definidos pelo Ministério da Justiça critérios uniformes para a avaliação dos aspectos que relevam para o montante concreto a pagar, o que determinou uma multiplicidade de decisões, em relação ao mesmo aspecto (Exemplo: houve Tribunais que consideraram a leitura de sentença como uma sessão de julgamento, outros que não contabilizaram a presença do advogado como sessão autónoma. Assinalamos ainda, a título de exemplo, o caso dos Processos Tutelares Educativos, em que alguns Advogados os enquadraram no ponto 4.2 (processos de Jurisdição de menores) e outros no ponto 13 (Outras Intervenções), da Tabela de Honorários anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10/11, e quer num caso, como no outro, foram classificados como desconformes pelo Ministério da Justiça. A mesma situação foi, por outro lado, em inúmeros Tribunais considerada como regular, aceitando uns que o pedido de pagamento se enquadrava nos “processos de Jurisdição de menores”(ponto 4.2, daquela Tabela) e outros que o pedidos configurava a remuneração prevista para “Outras Intervenções “(ponto 13., daquela Tabela). 

6.ª – Após remessa pelo Ministério da Justiça dos ficheiros contendo os processos em que alegadamente os advogados haviam cometido irregularidades, a Ordem dos Advogados efectuou então uma auditoria, que compreendeu duas fases:

 

1.ª Fase: Verificação presencial, com deslocação de um representante da OA ao Tribunal e consulta directa do processo judicial.

 

2.ª Fase:

a)Notificação da irregularidade imputada pelo Ministério da Justiça ao advogado para justificação;

b) Na hipótese de não confirmação da irregularidade, o advogado foi notificado para apresentar os documentos comprovativos (Exemplo: irregularidade no n.º de sessões – advogado juntou as actas da audiência de julgamento)

7.ª – A Ordem dos Advogados verificou presencialmente cerca de 4500 processos, sendo que de tal consulta resultou a prática pelos advogados de um conjunto alargado de actos que não estão contemplados com qualquer compensação e constituem fases facultativas do processo, como por exemplo a instrução.

8.ª – A Ordem dos Advogados enviou 13602 emails contendo pedidos de esclarecimento e recepcionou 15881 (emails/correio/fax) respostas, que foram objecto de tratamento, com vista à confirmação do pedido de pagamento efectuado pelo advogado.

9.ª - Da auditoria levada a cabo pela Ordem dos Advogados resulta que a informação constante do relatório do Ministério da Justiça está errada, tendo sido empolado o número de processos com irregularidades.

 10.ª - A auditoria efectuada pela Ordem dos Advogados, que tem arquivados todos os documentos que confirmam a veracidade da informação recolhida, apresenta os resultados constantes do documento anexo, que aqui se dá por reproduzido.

a) Efectivamente, apurou-se que dos 9747 advogados que participam no sistema do acesso ao direito foram abrangidos pela auditoria do Ministério da Justiça 6109 advogados, sendo que deste universo apenas 309 advogados tinham irregularidades em todos os processos.

b) Nos termos constantes do relatório do Ministério da Justiça foram analisados 40462 processos para verificação do pedido de pagamento formulados pelos respectivos advogados.

Desses processos, o Ministério da Justiça comunicou à Ordem dos Advogados a existência de irregularidades em 17423.

Da análise feita pela Ordem dos Advogados resultou, desde logo, a existência de 1256 processos:

- em que a alegada irregularidade era favorável ao Estado, contemplando tal situação os casos em que o advogado não pediu honorários referentes a qualquer incidente, embora o tivesse deduzido no processo judicial, ou ,

- em que o advogado pediu um número igual ou inferior a duas sessões da mesma diligência, logo sem qualquer impacto no pagamento dos honorários.

Por outro lado, foram remetidas 870 irregularidades em que a informação que o Ministério da Justiça reporta como sendo a constante do SINOA não corresponde à inserida e efectivamente constante nessa plataforma informática, tendo havido manipulação da informação ou erro grosseiro.

Expurgado do universo dos processos com irregularidades os processos mencionados resulta da auditoria efectuada pela Ordem dos Advogados:

a)      Dos 17423 processos que o Ministério da Justiça classificou como irregulares, a Ordem dos Advogados não obteve resposta do advogado ou a resposta e documentos juntos não foram suficientes para a confirmação do pedido efectuado pelo advogado em 4272 processos.

b)      Nos demais 13151 processos apenas se confirmou a existência de irregularidades, com impacto no pagamento, em 2238 processos.

c)       8028 processos não continham sequer qualquer irregularidade e 2885 continham desconformidades que não se traduziam em qualquer acréscimo remuneratório para o advogado, ou seja não tinham impacto no pagamento dos honorários.

Neste universo, dos processos considerados com desconformidades, estão ainda os pedidos de honorários formulados pelos advogados na sequência de um despacho de arquivamento em sede de inquérito, em que o advogado pediu o valor do processo, por não dispor da ferramenta informática adequada a formular o pedido correcto, por razões exclusivamente imputáveis ao próprio Ministério da Justiça, já que a Ordem dos Advogados aguarda, desde Janeiro de 2009, que o IGFIJ proceda à adaptação da sua plataforma informática para recepcionar tais pedidos de pagamento.

Neste contexto, 62,64 % dos processos remetidos pelo Ministério da Justiça não continham irregularidade alguma ou continham apenas  desconformidades sem impacto ou com um impacto não significativo nos honorários.

 

Destacam-se ainda, no âmbito da auditoria, os seguintes casos:

1.º - Como caso paradigmático da falta de correspondência entre os dados reportados pelo advogado, constantes do pedido de pagamento e os informados pelo Tribunal, foi apontado no relatório do Ministério da Justiça o caso do número de sessões.

Da auditoria realizada pela Ordem dos Advogados resulta existirem apenas 108 processos em que sendo o número de sessões a única irregularidade esta se confirma, verificando-se que em 180 processos o número de sessões está absolutamente regular, e que em 24 processos, existindo uma desconformidade, esta não tem qualquer impacto nos honorários pedidos pelo advogado.  

2.º - Em 130 processos classificados pelo Ministério da Justiça como irregulares, já tinha sido detectado um erro pelo advogado antes do início da auditoria e havia sido solicitado pelo advogado ao Ministério da Justiça a anulação do pedido de pagamento dos honorários, sendo intelectualmente desonesto incluírem-se tais processos na listagem dos processos classificados como contendo irregularidades.

3.º - Houve irregularidades identificadas pelos funcionários da justiça, por manifesto erro que, logo quando foi detectado, foi objecto de comunicação pelo funcionário ao Ministério da Justiça, sem que este tivesse procedido à respectiva correcção, mantendo-se tais processos com as irregularidades originariamente identificadas.

4.º - Um número significativo de situações consideradas irregulares pelo Ministério da Justiça resulta de uma errada apreciação e classificação do acto processual.

A título exemplificativo refira-se a classificação como substituição do defensor de situações em que o que ocorreu foi a intervenção de um advogado, com substabelecimento do defensor nomeado. Na mesma linha está a não contabilização como sessão de uma diligência a sessão de adiamento do julgamento, em que da própria acta da audiência resulta a presença do advogado.

5.º - No Tribunal de Oeiras, um juiz auxiliar, que prestou serviços no 1.º, 2.º e 3.º Juízos Criminais, não depositou as sentenças na secretaria após a sua leitura em audiência, como lhe é imposto por lei, o que determina seja necessário repetir os respectivos julgamentos. Os advogados, presumindo o cumprimento da lei por parte do magistrado em causa, transitaram em julgado os processos, vendo-se hoje confrontados com irregularidades no trânsito em julgado, já que os processos estão pendentes.

6.º - No Tribunal de Pequena Instância Criminal de Loures foram considerados irregulares todos os processos criados com origem em escala, por se entender, contrariamente ao que a lei estipula, que o advogado apenas teria direito à remuneração prevista para a escala e já não à do processo em que teve intervenção.

7.º - No Tribunal Judicial de Setúbal foram desconsideradas as sessões de julgamento, no processos com origem em escala, por se considerar que o advogado apenas tinha direito a uma sessão correspondente à escala, o que contraria frontalmente o disposto na lei.

8.º - O 3.º Juízo Criminal de Cascais não logrou efectuar a verificação das sessões nos processos identificados pelo Ministério da Justiça, no prazo concedido, sendo que a falta de resposta importou na classificação de todos os processos como contendo irregularidades.

9.º - No 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, uma funcionária no campo destinado à confirmação de Recursos, com a designação de “Recursos, Apelação e Revista”, não confirmou o pedido de pagamento pelo recurso apresentado pelo advogado, mencionando em observações “tem apelação, não houve revista”.

10.º - Há dezenas de irregularidades que resultam da não confirmação do campo “outras intervenções – Lei n.º 23/2007”, sendo esclarecido em observações pelo funcionário de justiça que se tratou de uma intervenção em sede de “detenção de cidadão estrangeiro em situação ilegal”, que é exactamente aquela a que se reporta a citada lei.

11.º - De igual modo, há um número significativo de irregularidades que resultam de um manifesto erro de interpretação ou preenchimento do formulário disponibilizado pela DGAJ com vista à verificação do pedido de pagamento pelo advogado:

Exemplo: Processo do Tribunal Judicial da Praia da Vitória

Acordo – artigo 25 da Portaria n.º 10/2008 de 3 de Janeiro: O advogado não peticionou esse acréscimo remuneratório e o funcionário colocou “não”, como confirmando essa mesma realidade, sem atentar que o “não” pressupunha a existência de uma irregularidade, já que não estava a confirmar o pedido do advogado.

Campo do formulário “Arguido Preso” – no pedido do advogado aparece 0 (não há arguido preso) e o funcionário coloca “não”, ou seja pretendendo confirmar a veracidade do pedido do advogado, que não há arguido preso, acabou por gerar uma irregularidade.

 

 

Conclusões:

1.ª - Da auditoria levada a cabo pela Ordem dos Advogados resulta que a informação constante do relatório do Ministério da Justiça está errada, tendo sido empolado o número de processos com irregularidades, o que só se compreende à luz de uma gritante má fé ou de uma negligência grosseira. Na verdade, o empolamento do número de processos com irregularidades e a ligação que se estabeleceu entre essas irregularidades e o recebimento de quantias indevidas pelos advogados, - já que a auditoria se destinava apenas a apurar irregularidades relativas ao pagamento de actos a advogados através do SINOA -  configurou um dano irreparável na honra e consideração dos advogados que participam no sistema do acesso ao direito.

2.ª - A publicidade que o Ministério da Justiça deu aos resultados da sua auditoria, que são desconformes com a realidade, denegriu a imagem dos advogados junto dos cidadãos, afectando o seu bom nome e a sua reputação, já que se lhe imputou condutas que, além de ilegais, eram ética e moralmente censuráveis.

3.ª - A Ordem dos Advogados repudia a actuação do Ministério da Justiça que efectuou um julgamento sumário, em praça pública, dos advogados que participam no sistema do acesso ao direito, ao fazer crer que os advogados haviam pedido, a título de honorários, quantias a que não tinham direito num valor superior a meio milhão de euros, o que não corresponde à verdade.

4.ª - Atenta a que tal actuação atingiu a honra e consideração dos advogados visados, a Ordem dos Advogados apoiará os advogados que desejem apresentar uma queixa crime contra os responsáveis pela difamação e calúnia de que foram alvo.

5.ª – Da auditoria efectuada pela Ordem dos Advogados, designadamente da consulta efectuada aos processos, resultou à evidência que os advogados que participam no sistema do acesso ao direito exercem com dignidade o patrocínio, empenhando-se na defesa dos direitos e liberdades dos cidadãos mais carenciados, praticando, designadamente, um conjunto alargado de actos que não estão sequer contemplados com qualquer compensação.

6.ª - O Ministério da Justiça remeteu 870 processos em que a informação que se identifica como sendo a constante do SINOA não corresponde à inserida e que efectivamente consta nessa plataforma informática.

Atenta à gravidade desta desconformidade, que pode ter decorrido da falsificação de informação, a Ordem dos Advogados irá denunciar tal facto à Procuradoria Geral da República.

7.ª – A Ordem dos Advogados remeterá igualmente um relatório detalhado da auditoria para a Procuradoria Geral da República, com vista a que a informação e documentos reunidos possam contribuir para a descoberta da verdade material.

8.ª - A Ordem dos Advogados remeterá a listagem dos processos sem qualquer irregularidade ou com desconformidades sem impacto no pagamento dos honorários para o Ministério da Justiça, exigindo o pagamento imediato dos honorários devidos.

9.ª - O Conselho Geral da Ordem dos Advogados e o Bastonário continuarão a reivindicar o pagamento dos honorários em dívida, denunciando publicamente o incumprimento do Estado e exigindo o cumprimento da lei no que se refere ao prazo de pagamento dos honorários aos advogados que participam no sistema do acesso ao direito.

10.ª - Com a apresentação do presente relatório e a reposição da verdade estão reunidas as condições para se iniciar uma nova etapa em que o Ministério da Justiça reconheça e trate com respeito e dignidade os advogados portugueses que participam no acesso ao direito, reconhecendo que são porta-vozes dos cidadãos mais carenciados nos Tribunais e baluartes de defesa dos seus direitos, liberdades e garantias.

 

 

Elina Fraga

1ª Vice-Presidente do Conselho Geral

 

Lisboa, 16 de Janeiro de 2012

 

>> Resultados da Auditoria ao Sistema de Acesso ao Direito

 



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