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Pareceres do Conselho Geral

Parecer

O Sr. Ministro da Justiça solicitou em 4 de Maio corrente o parecer da Ordem dos Advogados sobre um projecto de Decreto-Lei, que apresentou em duas sucessivas versões, tendo por objecto "o reforço dos mecanismos de coordenação e de combate à criminalidade organizada, à corrupção e às fraudes anti-económicas".

Segundo esta nota informativa que acompanhou as duas versões, as diferenças entre a primeira e a segunda seriam de simples técnica legislativa, razão pela qual não foi solicitada qualquer alteração à lei de autorização legislativa ao abrigo da qual o Governo pretende aprovar tais diplomas legais.

Não se justifica qualquer comentário neste momento à primeira versão do projecto de diploma, já que o Governo expressamente a abandonou.

A segunda versão do projecto contem três grupos de disposições: a) o art. 1º a 9º, que constituem preceitos de um diploma avulso; b) os arts. 10º e 11º que reformulam três preceitos e acrescentam um novo preceito ao Estatuto da Polícia Judiciária; c) e três disposições transitórias ou finais (arts. 12º, 13º e 14º).

Não é prudente, no entender da Ordem, quando existe um Código de Processo Penal e uma Lei Orgânica da Polícia Judiciária, com uma estrutura bem definida e princípios claros, onde os novos preceitos poderiam ser inseridos; assim se evitaria a falta de clareza, qualidade e acessibilidade da legislação, que sempre acompanha os diplomas avulsos, para além de se evitar as dúvidas que surgem sobre se certos princípios e regras gerais consagradas no Código são ou não aplicáveis aos novos regimes estabelecidos. As dúvidas neste domínio são tanto mais sérias, quanto é certo que o art. 13º do diploma prescreve que só subsidiariamente são aplicáveis as matérias reguladas pelo novo diploma o Código de Processo Penal e os princípios nele estabelecidos.

Recomenda-se pois vivamente que se insiram no Código de Processo Penal todos os preceitos que envolvam alteração às regras e às competências em matéria de inquérito e de instrução, e na Lei Orgânica da Polícia Judiciária os preceitos que introduzem modificações na sua estrutura interna.

O art. 1º do projecto confere directamente competência à Polícia Judiciária para, independentemente de delegação ou deferimento de competência do Ministério Público realizar "acções de prevenção" relativamente a certos tipos de crimes, as quais compreendem "a recolha de informação relativamente a notícias de factos que permitam fundamentar suspeitas susceptíveis de legitimar a instauração de procedimento criminal" ou seja, a realização de inquéritos, com vista à abertura de processos criminais, sempre que estejam em causa determinados tipos de crimes, entre os quais avultam os de corrupção.

Enquanto até agora toda a realização do inquérito era da competência legal originária do Ministério Público, que a podia deferir ou delegar, à Polícia Judiciária e a outras autoridades policiais, consoante os crimes em causa, presumindo a lei por vezes o deferimento, passa agora essa competência a pertencer, por força directamente da lei, à Polícia Judiciária, em paralelo com a competência do Ministério Público.

Esta "pequena" modificação determina uma profunda alteração.

É totalmente diversa a relação entre as duas instituições antes e depois deste projecto, no que concerne a investigação dos crimes em causa.

Antes, o Ministério Público, como entidade legalmente competente para o inquérito, podia a qualquer momento alterar o conteúdo da delegação de competência, podia definir as regras de informação a observar pela Polícia sobre o desenvolvimento do inquérito, podia avocar os processos de inquérito iniciados pela Polícia Judiciária, podia fiscalizar e orientar a realização de cada processo de inquérito pelos órgãos da Polícia Judiciária incumbidos de o realizar.

Com a nova lei, o Ministério Público deixa de poder alterar a competência investigatória da Polícia Judiciária, deixa de poder definir o conteúdo e a periodicidade de informação que a Polícia Judiciária lhe deve facultar, deixa de poder avocar os processos de inquérito iniciados, deixa de poder orientar directamente a realização do inquérito, deixa em especial de poder determinar o seu encerramento, a sua prossecução e as regras a observar.

A Polícia Judiciária limita-se a remeter mensalmente através do seu Director Geral "para análise e acompanhamento" ao Procurador-Geral da República, os procedimentos iniciados, mas nada na lei estabelece que este pode solicitar novas informações ou determinar orientações a seguir quanto ao processo, e muito menos que algum delegado do Ministério Público possa contactar e orientar o trabalho concreto dos inspectores de polícia encarregados de cada inquérito.

A subordinação funcional da Polícia Judiciária ao Ministério Público erigida como princípio no art. 56º do Código de Processo Penal e na própria Lei Orgânica da Polícia Judiciária, passa a resumir-se, na investigação dos crimes abrangidos pelo projecto a tal "análise e acompanhamento", e naturalmente à competência do Ministério Público para ponderar, com base nos resultados de investigação, se haverá lugar ou não, à dedução de acusação. Esvaziou-se de tal forma a subordinação funcional, que deixou de se poder afirmar que a investigação realizada, pela Polícia Judiciária, relativamente aos crimes visados pelo projecto, está subordinada ao Ministério Público, assim se derrogando um dos princípios básicos do Código de Processo Penal, que por isso mesmo é remetido para a condição de legislação subsidiária (art. 13º).


Será de admitir que a investigação criminal de certo tipo de crimes passe a caber à Polícia Judiciária sem subordinação funcional efectiva ao Ministério Público?

A questão, no entender da Ordem dos Advogados, é mais ampla e grave do que a simples posição relativa de duas Corporações Públicas e prende-se com o direito e garantias fundamentais dos cidadãos num Estado de Direito, e com a forma como os sucessivos Governos desde 1976 e em especial o presente Governo ao aprovar em 1987 o novo Código de Processo Penal têm vindo a distorcer o alcance, e a anular o sentido do princípio consignado no art. 32º nº 4 da Constituição, segundo a qual toda a instrução em processo criminal é da competência de um juíz, sem prejuízo da delegação noutras entidades da prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais.

De facto, o legislador, ao invés de dar cumprimento à norma constitucional criando juízes de instrução nas diversas comarcas, como expressamente impunha o art. 301º nº 3 da Constituição de 1976, criou a figura da pré-instrução, também designada como inquérito preliminar, inquérito policial, investigação ou simplesmente inquérito, a qual não seria ainda verdadeira instrução, pelo que poderia ser dirigida pelo Ministério Público ou, por sua delegação ou deferimento, por autoridades de polícia criminal, e nomeadamente pela Polícia Judiciária.

O inquérito policial que fora criado em 1975 como forma abreviada de instrução para os crimes de pequena gravidade passou assim a ser artificialmente erigido em verdadeiro sucedâneo da instrução!

E a instrução criminal passou a designar exclusivamente a actividade de busca de provas com vista a comprovar ou infirmar uma acusação já deduzida em juízo, apenas a ela se aplicando o art. 32º nº 4 da Constituição.

Este entendimento só seria compatível com a Constituição desde que o inquérito se resumisse a mera actividade de investigação, com vista ao apuramento da eventual prática de crimes e à determinação dos seus agentes, cessando logo que fosse individualizado o suspeito, ou contra ele fossem tomadas medidas de coacção (como a prisão preventiva) que pressupusessem necessariamente em juízo de suspeita, dando lugar de imediato à fase de instrução do processo criminal.

Infelizmente, aquilo a que vimos assistindo, nomeadamente desde 1987, data em que foi aprovado o novo Código de Processo Penal, foi a uma progressiva confusão entre investigação e instrução, chegando-se ao ponto de o arguido ser ouvido como arguido e ser preso preventivamente e, apesar disso, a investigação criminal prosseguir como mero inquérito policial, sem as garantias que apenas a abertura do processo criminal, e da fase de instrução, dirigida por um juíz daria ao arguido.

Por outro lado, a competência para a direcção do inquérito foi por lei atribuída até agora ao Ministério Público, sem prejuízo de este deferir ou delegar a realização da investigação à Polícia Judiciária ou a outras autoridades policiais, que permaneceriam funcionalmente subordinadas ao Ministério Público no exercício dessa actividade.

O que o presente projecto veio fazer, foi dar mais um passo no sentido da administrativização do inquérito, pondo termo a essa subordinação funcional, e conferindo à Polícia Judiciária a competência legal originária para a realização do inquérito sempre que se trate de crimes de certa espécie.

E esse passo foi dado, a coberto da competência legal da Polícia Judiciária para realizar acção de prevenção. Mas também aqui a solução assenta num equívoco, voluntário ou involuntário, sobre as palavras e os conceitos usados, e em especial sobre o que significa e o que compreende a prevenção criminal.

Senão vejamos:

De acordo com a Lei Orgânica do Ministério Público, constante da Lei nº 48/86 de 18 de Outubro, compete especialmente ao Ministério Público (art. 3º nº 1):

"f) Dirigir a investigação criminal quando realizada por outras entidades;
g) promover e coordenar as acções de prevenção da criminalidade;

l) fiscalizar os órgãos de polícia criminal".

No entanto, das três alíneas em questão, duas viram a respectiva redacção alterada por força da Lei 20/92 de 20 de Agosto passando as mesmas a dispôr:

"f) Dirigir a investigação criminal quando realizada por outras entidades;
g) promover e cooperar em acção de prevenção criminal;

l) fiscalizar a actividade processual dos órgãos de polícia judiciária".

Como parece manifesto no actual figurino, em matéria de prevenção criminal o Ministério Público tem uma dupla posição, de promoção e de cooperação: ou o Ministério Público promove autonomamente a prevenção criminal e nesse caso vigoram as de pleno as normas das Leis Orgânicas e do Código de Processo Penal de 1987 e a correspondente dependência funcional das Polícias e designadamente da Polícia Judiciária; ou a iniciativa da prevenção cabe à Polícia e a posição do Ministério Público é de mera cooperação, não esclarecendo a lei em que deverá consistir concretamente essa cooperação.

Mas para além da mera prevenção criminal e com ela não se confundindo, cabe ao Ministério Público a direcção da investigação criminal.

Hoje é muito claro que, havendo uma suspeita de crime, ou uma denúncia, tem de haver um processo de inquérito ou de instrução, que se não confunde com prevenção criminal. De facto, a prevenção implica que não se está perante um crime conhecido, implica uma actuação que pretende remover o perigo da ocorrência de um crime.

A mesma distinção consta também claramente do Estatuto da Polícia Judiciária.

A Polícia Judiciária rege-se hoje pelo Decreto-Lei nº 259-A/90 de 21 de Setembro o qual no seu art. 1º caracterizou a sua natureza e atribuições nos termos seguintes:

"1. A Polícia Judiciária é um órgão de polícia auxiliar da Administração da Justiça organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Justiça e fiscalizado pelo Ministério Público.
2. São atribuições da Polícia Judiciária a prevenção e a investigação criminal, bem como a coadjuvação das autoridades judiciárias nos termos dos artigos seguintes.

3. A Polícia Judiciária actua no processo sob a direcção e na dependência funcional da autoridade judiciária competente".

Como se observa, é bem clara a distinção entre a actividade de prevenção, que não é actividade processual, e a actividade de investigação que, além de ser actividade processual está sujeita à orientação e à dependência funcional judiciária competente.

A apresentação de um exemplo tornará clara a distinção que importa estabelecer com clareza entre prevenção e distinção.

Admitamos que, por denúncia anónima, a Polícia Judiciária tem "notícia" de que os cidadãos A e B se preparam, v.g., para aobterem para fins ínvios uma qualquer subvenção.

Nestas circunstâncias, a fim de fazer abortar o crime, isto é, fazer com que ele não vá para além dos actos preparatórios, que tipo de actuação é de esperar por parte da Polícia Judiciária?

Naturalmente, que passe a vigiar o dia a dia dos referidos cidadãos, "documentando", por hipótese, que um deles é visto entrar todas as noites a certa hora, de lá saíndo "n" tempo mais tarde, em casa de determinada pessoa ou determinado recinto onde se pratica o jogo clandestino, ou que fôr.

Isto, e tudo o mais que se possa imaginar, apesar do comando do art. 272º nº 3 da Constituição da República.

Admitamos que a actuação de "recolha de informações" prossegue, com a recolha de fotografias que passam a constar do "dossier".

Mas, nestas circunstâncias, durante quanto tempo se poderão prolongar as actuações preventivas de recolha de informações?

Admitamos, agora, que tais actuações não conduzem à confirmação das suspeitas. Que fazer do material recolhido? Como afirmar de forma séria, que o mesmo não vai ser utilizado posteriormente, como meio de prova, num inquérito por homicídio da pessoa A que costumava visitar nos termos acima figurados?

A simples colocação destas questões revela com clareza que tal recolha de informações se traduz numa verdadeira recolha de provas que a qualquer momento pode desencadear a instauração de um processo criminal, devendo por isso ser caracterizado como verdadeira investigação criminal.

Chamar-se à referida recolha de informações, de actuação preventiva mais não é do que uma fraude de etiquetas, um puro verbalismo ou jogo de palavras.

De facto, como se demonstrou, aquilo a que no Projecto de Diploma se chama "recolha de informações", não pode deixar de reconduzir, se não totalmente, pelo menos no mínimo, no essencial, em pura actuação investigatória, embora a recoberto do manto diáfono de uma denominada actividade preventiva de recolha de informações.

E, se bem atentarmos, é assim, e não pode deixar de o ser.

O que entender, na verdade, por actividade de prevenção criminal?

Se tivermos presente o disposto no art. 2º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, aí vemos descritas actuações as quais, diferentemente daquelas ora em apreço, são de prevenção criminal. Assim, por exemplo, a tipologia de actuações decorrente da alínea a) do nº 1 do art. 2º da referida Lei Orgânica:

"Em matéria de prevenção criminal compete, designadamente, à Polícia Judiciária:
a) Vigiar e fiscalizar os estabelecimentos e locais pertencentes ao sector público, privado ou cooperativo, em que se proceda a transacções de penhores, de adelo, ferro-velho, antiguiaddes e móveis usados, de compra e venda de livros usados, de ourivesaria e oficina de ourivesaria, relativamente a objectos usados, de aluguer, compra e venda de veículos e seus acessórios e as garagens, oficinas e outros locais de recolha de reparação de veículos".

E as coisas são tanto assim, quanto é certo que o nº 2 do normativo em questão, comanda: "Os proprietários, administradores, gerentes ou directores dos estabelecimentos mencionados na alínea a) do número anterior entregam no departamento da Polícia Judiciária com jurisdição na área em que se situam, até quarta-feira da semana seguinte àquela a que respeitam, relações completas, com identificação dos intervenientes nas transacções e dos respectivos objectos conforme modelo exclusivo cuja cópia lhes é facultada".

Aqui sim. Aqui estamos na área da pura prevenção criminal. O mesmo se passando, de resto, com as "rondas" motorizadas da PSP ou da GNR, durante a noite, em lugares mais propícios para o surgimento das diversas formas de criminalidade.

Pelo contrário, quando se confrontam os conceitos de "recolha de informações" e de "actuação de prevenção criminal" haverá necessariamente de concluir que a "recolha de informações", materialmente, é de forma necessária uma actividade de investigação.

Assim, através de um malabarismo verbal que mistura prevenção e investigação, o Governo propõe-se retirar do controle do Ministério Público uma actividade materialmente investigatória, o que constitui um grave entorse aos princípios gerais da subordinação funcional da investigação da Polícia às autoridades judiciárias, e cria uma situação incontrolável pelo Ministério Público, mas controlável pelo Governo, do qual a Polícia Judiciária depende hierarquicamente. Logo, a solução é de mais que duvidosa legitimidade constitucional, face, entre outros, ao disposto nos arts. 272º nº 3, 26º e 32º, todos da Constituição da República.

Esta solução, aliás, abriria caminho para uma prática legislativa extremamente perigosa para os direitos do cidadão, já que qualquer autoridade policial poderá fundamentar nas funções de prevenção que lhe cabem, o desenvolvimento de actividades de recolha de informações que nunca lhe deveriam caber!

É por isso indispensável não confundir prevenção e investigação, e nunca permitir uma actividade de investigação policial sem subordinação às autoridades judiciárias, a coberto da actividade de prevenção!

A subtração da investigação criminal da Polícia Judiciária a uma verdadeira subordinação funcional ao Ministério Público é tanto mais grave e inaceitável, quanto é certo que essa investigação, para além de não poder ser caracterizada como mera prevenção muitas vezes tem por finalidade o apuramento da responsabilidade de um suspeito bem determinado, e é por isso já verdadeira instrução, pelo que deveria ser em rigor, nos termos da Constituição, dirigida por um juíz.

De facto, o cerne do problema assenta no facto de o legislador desde 1977, e sobretudo em 1987, com o novo Código de Processo Penal ter restringido artificialmente o conceito de instrução, abrindo assim caminho a uma pré-intrução ou inquérito que, não sendo formalmente "instrução", já não teria que ser dirigido pelo juíz.

Na realidade das coisas, a figura da investigação como actividade pré-processual só será admissível, na medida em que a investigação não se traduza em verdadeira instrução (ou seja, na busca de provas para fundar a imputação do crime a um suspeito já determinado, esteja ou não formalmente acusado) o que só pode ser assegurado se fôr dirigida por uma verdadeira magistratura, não envolvida directamente na investigação e que saiba confinar esta à área restrita em que se pode desenvolver. Essa é a razão que institucionalmente justifica a direcção superior do inquérito pelo Ministério Público e que torna intolerável num Estado de Direito a direcção do inquérito por autoridades da polícia.

Enquanto estiverem indefenidas, na nossa lei, as fronteiras reais, e não meramente formais, entre inquérito, investigação e prevenção em sentido técnico por um lado, e instrução por outro, o primado do Estado de Direito impõe com acuidade uma subordinação funcional real no exercício dessas actividades, por parte das autoridades policiais a magistrados sejam eles magistrados do Ministério Público, sejam eles juízes de instrução como seria preferível para melhor se cumprir o espírito da Constituição.

Por isso, ao romper a subordinação funcional da Polícia Judiciária ao Ministério Público, o projecto em apreciação permite, voluntária ou involuntariamente actividades de verdadeira instrução dirigidas por autoridades policiais, acabando por criar uma situação de autonomia real de investigação de Polícia em relação à magistratura judicial e do Ministério Público.

Esta situação - apesar da preocupação da lei em garantir o controlo do Ministério Público quanto à dedução da acusação penal (cfr. art. 3º) - pode conduzir em linha recta à subversão do princípio da legalidade na investigação criminal, já que os objectivos próprios da Polícia Judiciária como Polícia, podem levar a orientar a investigação em função de considerações pragmáticas, que aconselhem investigar certas pessoas e não outras, certos crimes e não outros, ou a investigar livremente certas pessoas e certos crimes. Rompida a direcção efectiva da actividade policial pela magistratura, a autoridade policial - seja ela qual fôr Polícia Judiciária, Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, etc. - deixa de estar sujeita à orientação de magistrados, e portanto ao constrangimento de legalidade no exercício da sua actividade e não deixará, com toda a probabilidade, como organismo administrativo que é, de se pautar por critérios de oportunidade administrativa.

Precisamente porque o que está em causa é o Estado de Direito, e não a preservação do poder do Ministério Público como Corporação, a Ordem dos Advogados sente o dever de se opôr a este projecto de decreto-lei, e de exigir a subordinação funcional real de toda a investigação criminal realizada pela Polícia Judiciária ou por qualquer autoridade policial, e qualquer que seja a forma que se dê a tal investigação, a magistrados do Ministério Público ou, melhor ainda, a verdadeiros juízes de instrução criminal que, por dever institucional, tenham a obrigação de fazer prevalecer a lei geral e abstracta, num domínio tão sensível para os Direitos do Cidadão. Assim o impunha expressamente a Constituição de 1976 na norma transitória contida no art. 301º nº 3. Assim o impõe ainda hoje o art. 32º nº 4 da Constituição e o exige a garantia dos direitos fundamentais do cidadão em processo penal.

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Por estas razões, a Ordem dos Advogados manifesta a sua frontal discordância ao projecto de decreto-lei submetido à sua apreciação e solicita ao Governo, na pessoa do Sr. Ministro da Justiça, a preparação das alterações ao Código de Processo Penal e às leis de Organização Judiciária que assegurem efectivamente:

Que o inquérito ou a investigação policial cessem, e se convertam obrigatoriamente em instrução, no momento em que alguém seja ouvido como arguido ou sejam tomadas medidas que pressuponham a constituição do seu destinatário como arguido.

Que toda a instrução em processo penal, entendida como toda a recolha de provas destinada a confirmar ou infirmar um juízo de suspeita sobre um arguido, (e não necessariamente uma acusação deduzida em juízo) seja dirigida por um juíz de instrução, como o impõe o art. 32º da Constituição.

Que o inquérito policial ou a investigação criminal que ainda não sejam caracterizáveis como instrução, continuem a ser da competência legal exclusiva do Ministério Público e por ele dirigido, sem prejuízo da sua delegação e deferimento à Polícia Judiciária e outras entidades de polícia criminal sempre que estejam em causa crimes cuja investigação se revele especialmente complexa, como aqueles a que o Projecto de Diploma se refere, caso em que tal investigação deve ser sempre submetida à direcção superior, orientação e fiscalização dos magistrados competentes do Ministério Público, como o impõe o princípio da subordinação funcional da Polícia ao Minstério Público.

Que a competência própria e originária da Polícia Judiciária se confine à função de prevenção criminal, como o impõe o art. 272º da Constituição, nunca devendo tal função exorbitar do seu âmbito e estender-se à actividade de recolha de informações!


Coimbra, 19 de Maio de 1993


Aprovado em sessão do Conselho Geral de 19 de Maio de 1993


José Robin de Andrade

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