2008-2010 - Comunicados Institucionais

16-11-2009
O triste e deprimente espectáculo de alguns políticos e de uns poucos agentes da Justiça
 

A comunicação social bombardeou esta semana que passou os portugueses com uma série interminável de comentários de alguns políticos e de uns poucos agentes da justiça. Foi um triste e deprimente espectáculo.

Os meios de comunicação social têm, pela sua natureza e pelas suas finalidades, toda a legitimidade para investigar autonomamente e para sobre os factos que recolhem ou que lhes chegam ao conhecimento os relatar e dar a conhecer, sendo de interesse público, independentemente de considerações de legitimidade burocrática, política, processual ou outra que não a da verdade e a da realidade histórica. É estrita obrigação dos media informar. Por isso devem ser transparentes e livres. Não podem ser manipulados ou condicionados pelos poderes fácticos, económicos, políticos, jurídicos ou outros. Sem imprensa livre não há democracia. Sem respeito pela sua liberdade e autonomia o Estado de Direito Democrático definhará e será posto em perigo. O poder reside no Povo e não em qualquer autocracia, oligarquia ou complexo de interesses de uma parte ou de uma casta dirigente, qualquer que seja a origem da sua autoridade ou poder. Porque o poder se exerce sempre e só em nome do Povo.
Feitas estas advertências iniciais, explico porque é que entendo ter sido dado um triste e deprimente espectáculo de alguns políticos e de uns poucos agentes da justiça.

Um inquérito criminal é sempre uma fase inicial de um processo investigatório em que há teses, suspeitas, indícios, mas não há certezas, imputações definitivas ou provas cabais. Muito menos que justifiquem condenações antecipadas e julgamentos em praça pública. Um inquérito criminal é sempre uma realidade complexa, uma tarefa difícil, que exige dos seus responsáveis – magistrados do Ministério Público e órgãos de polícia criminal – um esforço enorme de constante distanciamento pessoal e proximidade real com a recolha e a ponderação dos meios de prova.

É tarefa que, nos casos que se reputam mais graves e de criminalidade complexa ou altamente organizada, deve, aqui por maioria de razão, decorrer com total serenidade e sob sigilo não apenas para que a recolha e a fidedignidade da prova não possa ser perturbada, mas também para que os eventuais visados numa fase inicial não vejam imediatamente o seu nome arrastado pela lama de um juízo precipitado e, quantas vezes, injusto. É preciso perceber que nem todos os suspeitos são constituídos arguidos, que nem todos os arguidos são acusados, que nem todos os acusados são pronunciados, que nem todos os pronunciados são condenados e que nem todos os condenados são culpados, pois que não apenas, todos, beneficiam do princípio da presunção de inocência mas também são, muitos, inocentes e como tal absolvidos. É normal que isso suceda num processo. E por isso normal seria que não se fizessem julgamentos precipitados ou quaisquer condenações antecipadas.

Na vertigem mediática da semana que passou ouvimos agentes da justiça, alguns, poucos, e muitos políticos, a digladiarem-se em posições insustentáveis, alguns distorcendo factos e interpretando enviesadamente a lei, não assumindo posições claras, empurrando uns para os outros ou alijando responsabilidades próprias, tentando intervir na conformação, condução ou decisão de processo que deveria estar resguardado pelo segredo de justiça.

A primeira grande violação da lei – e a lei, quer se queira, quer não, é para ser cumprida por todos – foi precisamente a quebra do segredo de justiça. Não se ficou por aí – foi também, quantas vezes, quebrado o dever de reserva e, sobretudo, o respeito pelas próprias instituições. E isso é mau. Mas o que de pior se viu no decurso da semana transacta foi uma insuportável tentativa de ingerência no curso normal da realização da justiça. E esse é o maior perigo numa democracia. A velada interferência em processos concretos e a manipulação da própria justiça e a descarada tentativa de condicionamento e de aprisionamento das magistraturas.

Em Portugal como no Paquistão, triste e honroso é que tenham que ser os advogados, e quase só estes, embora nem todos, a vir em socorro da independência dos Tribunais.

Carlos Pinto de Abreu
Presidente do CDL



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