2017-2019 - Comunicados Institucionais

03-11-2017
Carta Aberta | Alterações ao Regime Simplificado
 

Lisboa, 03 de novembro de 2017

Exmo. Senhor
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Dr. António Mendonça Mendes
Ministério das Finanças
Praça do Comércio
1100-016 Lisboa

Assunto: Proposta de Orçamento de Estado para 2018 na qual se prevê o fim do regime simplificado e o agravamento de impostos para os “recibos verdes”.

Exmo. Senhor
Secretário de Estado
Excelência,

O texto conhecido da proposta de Orçamento de Estado para 2018 suaviza a tributação em IRS sobre pensionistas e trabalhadores dependentes, abrangidos pelos primeiros escalões daquele imposto, em resultado do desdobramento dos segundo e terceiro escalões e da eliminação da sobretaxa.

Não se pode deixar de aplaudir tais alterações que terão o condão de aliviar a carga fiscal sobre os contribuintes portugueses, bastante sacrificados nos últimos anos com a diminuição de rendimentos e o agravamento de impostos.

Sem embargo, os princípios da igualdade e da não discriminação, ambos com assento na Lei Fundamental portuguesa, convocam o Estado para a igualdade de tratamento de todos os cidadãos, sejam pensionistas, sejam trabalhadores com vínculo à função pública, sejam trabalhadores com vínculo no privado, não existindo razões para um tratamento desigual dos trabalhadores independentes (ou a “recibos verdes”), estes em tudo iguais aos outros, exceto na estabilidade que caracteriza o vínculo laboral e na proteção social que o Estado confere àqueles, mas não aos trabalhadores independentes.

E, é por este motivo - e por outros que aqui chamados à colação seriam despiciendos - que não se entende a qualquer luz a discriminação tributária desfavorável que na proposta de Orçamento de Estado para 2018 atinge os trabalhadores independentes ou a “recibos verdes”.

Na realidade, as mudanças no regime simplificado, que na opinião que subscrevo de muitos fiscalistas, acabam verdadeiramente com tal regime, implicam o agravamento de impostos para os trabalhadores a “recibos verdes”, pelo menos, seguramente para aqueles que o Estado entende estarem acima do limiar de pobreza.

Tanto assim é, que a proposta de Orçamento de Estado para 2018 estabelece que para os “recibos verdes” que o Ministério das Finanças considera acima de limiar de pobreza, a dedução até agora automática de 25% sobre os rendimentos irá depender da apresentação de faturas de despesas elegíveis, em tudo o que ultrapasse os 4.104 euros da dedução automática.

Ora, ficando as despesas que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera elegíveis bastante aquém das reais despesas necessárias à criação do rendimento dos trabalhadores independentes, e, sabendo-se, que o regime simplificado abrange um conjunto muito variado de profissionais com trabalho precário e/ou clientes incertos, que não têm direito a período de férias remunerado, não têm subsídio de férias, não têm subsídio de natal, não têm remuneração por horas extraordinárias, não têm baixa por doença, não têm licença de maternidade ou qualquer licença parental, que suportam integralmente todos os descontos para a Segurança Social sem comparticipação da entidade patronal - que material e/ou formalmente não têm - e que descontam para ela todos os meses independentemente de não terem auferido qualquer rendimento - o mesmo acontecendo com os advogados relativamente à sua Caixa de Previdência -, a proposta de alteração do regime de tributação dos trabalhadores independentes, encerra uma injustiça fiscal que não tem justificação à luz de qualquer lógica de igualdade entre cidadãos nacionais.

Na realidade, tal alteração, vá a mesma por diante, cria verdadeiramente cidadãos portugueses de primeira e de segunda, em que os primeiros têm direito à reposição de rendimentos com o descongelamento de carreiras e à redução de impostos; ao passo que os trabalhadores independentes ou “a recibos verdes”, são tratados como verdadeiros cidadãos de segunda, já que não beneficiando da estabilidade inerente ao contrato de trabalho no público ou no privado, ainda suportarão um agravamento da respetiva tributação em sede de IRS.

Estão nesta situação, os advogados, mas também jornalistas, repórteres, contabilistas, artistas, arquitetos, engenheiros, médicos, enfermeiros, professores, explicadores, psicólogos, padres, amas, dactilógrafos, engomadores, manicuras, massagistas, publicitários, etc., enfim, um sem número de profissionais que não tendo vínculos laborais que os protejam, nem detendo na maior parte dos casos a propriedade dos meios de produção, como acontece com os chamados falsos “recibos verdes”, são sujeitos de forma desigual, injusta e ilegítima a um agravamento de impostos.

É por isso que, quase a terminar esta minha missiva, me permito fazer-lhe um singelo e modesto apelo: se o Ministério das Finanças não pode, ou, simplesmente, não quer, desagravar os impostos para os trabalhadores independentes, como está na disposição de fazer para todos os outros portugueses, permita-se rogar-lhe que, pelo menos, não os agrave através das alterações ao regime simplificado.

Termino dizendo-lhe que, como já deverá ter verificado, o exemplo que refere numa das suas intervenções em que alude a um tipo de prestadores de serviços em particular, para o generalizar a toda uma classe de profissionais, como se os mesmos auferissem habitualmente rendimentos na ordem dos 100 mil euros anuais, não deve sequer representar um por cento desses prestadores de serviços em concreto.

Aceite V.Excia., Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a minha elevada estima, consideração e os meus melhores cumprimentos,

Muito Atentamente,

António Jaime Martins

Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados


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