2020-2022 - Comunicados Institucionais

04-05-2022
Comunicado - Intervenção Notarial
 

Caro(a) Colega,

Como já vem sendo hábito, continuam os ‘atropelos’ ao pleno exercício das funções das Advogadas e dos Advogados, desta vez por parte do IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública.

Por essa razão, já fizemos seguir um protesto escrito do Conselho Regional de Lisboa (CRLisboa) dirigido à Senhora Presidente do IGCP, na sequência da denúncia de factos praticados pelos serviços do IGCP que determinam a violação da lei, na medida da colocação de obstáculos à prática de atos próprios de Advogados que, não só não são legalmente previstos, como contrariam em absoluto a legislação aplicável.

Nesse protesto formal – onde pretendemos esclarecer a direção daqueles serviços, por forma a garantir que o que vimos de aludir não torna a suceder – aludo a episódios que foram denunciados ao CRLisboa e nos quais os serviços do IGCP recusaram o exercício de mandatos forenses, negando, a título de exemplo, o pedido de emissão de uma declaração de certificados de aforro que lhes era apresentado por um Advogado, pelo facto de a procuração forense ao abrigo da qual praticavam os referidos atos próprios de Advogado não ser acompanhada do reconhecimento de assinatura que entendiam devido.

Um ponto que surge essencial esclarecer, uma vez que o desconhecimento dos serviços do IGCP quanto à legislação aplicável leva ao impedimento ilegal do exercício do mandato forense e, por conseguinte, cria dificuldades inadmissíveis ao exercício da profissão pelos Advogados e pelas Advogadas, na medida em que contraria o sentido seguido pelo legislador.

Com efeito, por meio do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro, no seu artigo único, o legislador veio isentar as procurações passadas a advogado de intervenção notarial. Como resulta do aludido, a norma é clara e inequívoca ao afastar a necessidade de intervenção notarial – como, por exemplo, para efeito do reconhecimento de assinaturas -, para que a procuração forense seja válida e eficaz. Como também é bom de ver, não foi expressa qualquer salvaguarda que permita a abertura de exceções, mediante determinados pressupostos ou situações específicas.

É ainda certo que não existe qualquer norma especial que o preveja e ao abrigo do qual pudesse ter ocorrido a recusa manifestada pelos serviços do IGCP – o que, em todo o caso, e de acordo com a informação que nos foi transmitida, também não foi invocado pelos serviços.

Repare-se ainda que também a regra do Código de Processo Civil relativa à forma como são conferidos poderes ao mandatário foi alterada em consonância com o disposto no Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro, tendo sido suprimida a referência à intervenção notarial, anteriormente constante do Código de Processo Civil aprovado pelo Decreto 44129, de 28 de dezembro, enquanto pressuposto da validade da procuração forense constante de documento particular, tal como resulta do artigo 43.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

O afastamento da exigência de intervenção notarial, para efeito da concessão de poderes ao Advogado, para constituição de mandato forense, foi motivado pelo reconhecimento da imperiosidade da desburocratização da intervenção das Advogadas e dos Advogados e na medida da confiança que lhes é reconhecida.
Foi este, com efeito, o sentido expresso no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro, nos seguintes moldes:

A celeridade que caracteriza o ritmo das sociedades de hoje, cometendo ao Estado a necessidade de, por um lado, assegurar o rigor e a certeza dos atos praticados pelos cidadãos e, por outro, eliminar formalismos desnecessários, bem como a fé de que gozam os atos praticados por Advogados e Advogadas, foram razões invocadas no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 342/91, de 14 de setembro, para justificar a abolição do reconhecimento notarial da assinatura do advogado no ato de substabelecimento.

Estas mesmas razões e a experiência já colhida justificam que se vá mais além e se consagre agora que as Advogadas e os Advogados a quem é conferido o mandato atestem a veracidade do mesmo e a extensão dos poderes que lhes são conferidos, enveredando-se, assim, por uma via realmente desburocratizante, capaz de poupar esforços inúteis ao cidadão que acede ao direito e aos tribunais.

Repare-se ainda que, caso a norma vertida no Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro, não existisse ou não fosse aplicável, e atenta a omissão de regulação do tema em qualquer outra norma, a forma das procurações obedeceria às regras gerais do Código Civil quanto às procurações, para efeito de representação voluntária. Tal como resulta do artigo 262.º do Código Civil, as procurações revestirão a forma exigida para o negócio jurídico que o procurador pretenda realizar.

Nesta senda, e atenta a não exigência de uma forma específica para o tipo de intervenção a que nos reportamos, i.e., o pedido de emissão de uma declaração de certificados de aforro, o que resultaria da regra aludida é que as procurações podem ser emitidas por documento particular. Os documentos particulares bastam-se com a respetiva assinatura, sem necessidade de autenticação, salvo o caso em que a veracidade da assinatura seja fundadamente colocada em causa pela parte contra quem o documento é apresentado, de acordo com o disposto nos artigos 373.º e 374.º do Código Civil.

Acontece que, no caso, os serviços do IGCP não colocaram em causa a veracidade da assinatura da procuração, não tendo levantado dúvidas quanto à respetiva veracidade – com efeito, limitaram-se a anunciar aquela que entendiam como uma regra formal de eficácia das procurações forenses e que passava pela obrigatoriedade de apresentação do reconhecimento de assinaturas.

Significa o referido que, quer recorramos ao Decreto-Lei n.º 267/92, de 28 de novembro, quer recorramos às regras do Código Civil relativas às procurações forenses, a posição assumida pelos serviços não encontra qualquer amparo legal.

Atento o até aqui exposto, é evidente e indiscutível a incorreção da exigência de apresentação de procuração forense, com reconhecimento de assinatura, que, ainda que decorra de mero erro, motivado pelo facto de essa exigência ter um dia existido, resulta manifestamente reprovável, face ao decurso de 30 anos desde a alteração legislativa que afastou tal imposição.

Este longo mas necessário esclarecimento – que, aliás, poderá doravante servir de guião aos Colegas que se vejam na mesma situação – foi enviado à Senhora Presidente do IGCP, exortando-a a intervir no sentido de esclarecer os funcionários dos serviços do IGCP, por forma a garantir que situações como as descritas não voltem a suceder e que a legislação aplicável será cumprida.

Em nome do Conselho Regional de Lisboa, o Colega ao dispor, queiram aceitar os meus melhores cumprimentos,

João Massano
Presidente do Conselho Regional de Lisboa



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