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PLANEAMENTO FISCAL AGRESSIVO E ABUSIVO – as novas regras e os novos deveres

 

Agora que a lei foi publicada sabe-se que são “esquemas fiscais” todos os planos que tenham como finalidade, exclusiva ou predominantemente, a obtenção de vantagens fiscais. Entendendo-se como vantagem fiscal a redução, eliminação ou diferimento temporal de imposto ou a obtenção de benefício fiscal, que não se alcançaria, em todo ou em parte, sem a utilização do plano, do esquema ou da actuação. Repare-se que parte-se do princípio que o esquema ou actuação fiscal estão a coberto da legalidade.


Essas regras aplicam-se a esquemas fiscais sobre IRS, IRC, IVA, Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e Imposto de Selo.


Os promotores abrangidos por esta obrigação de comunicação incluem as instituições de crédito, os revisores oficiais de contas, os advogados, os solicitadores e os técnicos de contas que sejam residentes em território nacional.


Ficam obrigados a informar o Fisco sempre que tenham participado na concepção ou implementação de esquema de planeamento fiscal até 20 dias após o fim do mês em que o esquema foi inicialmente proposto ou apresentado ao cliente.
A comunicação deve ser submetida via internet, através de modelo de declaração disponibilizado no sítio www.dgci-min-financas.pt e deve abranger informação "pormenorizada" sobre o esquema fiscal, nomeadamente a indicação da base legal relativamente à qual se refere, se repercute ou respeita a vantagem fiscal pretendida, bem como o nome do seu promotor.


Não está compreendido no dever de comunicação a cargo dos promotores qualquer indicação nominativa ou identificativa dos interessados relativamente aos quais tenha sido proposto o esquema de planeamento fiscal ou que o tenham adoptado.
Os promotores têm ainda o dever de esclarecimento sobre quaisquer aspectos ou elementos da descrição efectuada do esquema ou da actuação de planeamento fiscal, bem como a indicação do número de vezes em que foi proposto ou adoptado e do número de clientes abrangidos.


Nos casos em que não seja possível recolher dos promotores as indicações exigíveis sobre os esquemas de planeamento fiscal adoptados, caso seja estrangeiro ou não estabelecido em território nacional, a lei prevê que são os próprios utilizadores que ficam obrigados à comunicação prévia.


Os dados recolhidos serão tratados de modo a que o Director-Geral dos Impostos, sempre que o julgue necessário, determine o estudo, concepção e proposta de medidas legislativas e regulamentares em face do tipo, natureza, relevo e utilização do esquema de planeamento fiscal, bem como determine a inclusão na proposta de plano nacional de inspecção tributária de acções de inspecção dirigidas aos esquemas de planeamento fiscal que apresentem maior utilização ou relevância, podendo ainda decidir a realização de acções específicas de inspecção tributária.


Será criada uma base nacional de dados de esquemas de planeamento fiscal por imposto, a qual será disponibilizada aos serviços competentes para efeito do exercício da acção inspectiva tributária.


Os esquemas que forem considerados abusivos serão publicados na página de internet da Direcção-Geral de Impostos, mas sem referir o contribuinte ou o promotor a que se refere, de forma a publicitar que certo esquema ou actuação de planeamento fiscal é reputado abusivo e pode ser requalificado, objecto de correcções ou determinar a instauração de procedimento legalmente previsto de aplicação de disposições anti-abuso (n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária).


No preâmbulo do diploma, o legislador tece diversas considerações acerca dos resultados provenientes do exercício da consultoria fiscal, no tocante “à afectação do cumprimento pontual e exacto dos deveres fiscais”, devido ao que designa como “criação permanente de esquemas pré-fabricados de planeamento fiscal para oferta a clientes e demais interessados, com práticas de modelos de preços extraordinariamente lucrativos assentes na ligação entre a remuneração e o montante da vantagem fiscal proporcionada, bem como com recurso à configuração de instrumentos e produtos financeiros muito complexos e sofisticados”. Este fenómeno configura, no entender do legislador, planeamento fiscal agressivo ou abusivo, promovido por intermediários fiscais. Daí a decisão de vir regular o exercício da consultoria no campo tributário.


Actualmente as empresas movimentam-se numa economia aberta e global, sendo cada vez mais comum a concorrência fiscal entre Estados com o objectivo de atrair o investimento estrangeiro para a sua alçada. Neste quadro, a desconsideração do impacto da fiscalidade na actividade das empresas, seja por via dos impostos directos ou seja por via dos indirectos, afecta directamente a sua competitividade. Assim, o planeamento fiscal surge como um instrumento essencial e imprescindível para o sucesso dos seus negócios.


Em face desta realidade, o Estado, se pretende de alguma forma acompanhar esta movimentação, deveria reconhecer expressamente aos contribuintes o direito de organizar a sua actividade nos termos da lei, para beneficiarem das vantagens fiscais a que legalmente têm direito reduzindo dessa forma a pesada carga fiscal a que estão sujeitos, ou seja, deveria reconhecer o direito dos contribuintes ao planeamento fiscal lícito.


É esta a posição de alguns dos países onde a autorização legislativa concedida no artigo 98º da Lei do Orçamento de Estado para 2007, no âmbito do planeamento fiscal, se inspirou quando refere as “experiências recentes de no âmbito das medidas preventivas relativamente a práticas de planeamento fiscal agressivo e evasão fiscal”. No entanto, o legislador parece esquecer que, naqueles países, é explicitamente reconhecido o direito dos contribuintes ao planeamento fiscal.


Visando a prevenção de práticas que, embora se conformem com a letra da lei, ultrapassam os seus limites e o seu espírito, a sua epígrafe “autorização legislativa no âmbito do planeamento fiscal” parece querer passar a mensagem subliminar de que todo e qualquer planeamento fiscal é uma prática agressiva e ilícita, o que, apesar de não ser verdade, seguramente intimida. Assim, por esta via, a expressão planeamento fiscal fica agora catalogada como “expressão a evitar” chegando mesmo a ser indecorosa.


A OCDE considera que a carga fiscal elevada aplicada a uma base tributária estreita, a falta de transparência e a instabilidade das leis fiscais, são causas objectivas que levam os contribuintes a adoptar comportamentos agressivos e abusivos, mas se acrescentarmos ainda a excessiva agressividade, desproporcionalidade e desigualdade das leis fiscais e a falta de preparação, bem como os abusos da administração tributária, o cenário fica bastante mais negro.


Daqui se deduz que o primeiro instrumento para minimizar este tipo de comportamento abusivo por parte dos contribuintes é a clareza, simplicidade, certeza e estabilidade das leis fiscais.


Não nos parece ser esse o objectivo deste Decreto-Lei, pois que o seu artigo 13.º não esconde que a informação recolhida servirá para o estudo, concepção e proposta de medidas regulamentares, que poderão trazer maior incerteza e acrescida instabilidade das leis fiscais.


O legislador não esconde a incapacidade de produzir leis capazes de uma justa tributação e vem obrigar o consultor fiscal a divulgar as suas tácticas. Assim, quando o consultor vir fruto do seu trabalho de investigação aplicável, deverá informar o fisco que, por sua vez, se julgar o esquema bem elaborado, irá elaborar legislação ou regulamentação para o esquema deixar de ser aplicável.


Parece-nos que este Decreto-Lei fará caminhar para uma eliminação da actividade profissional de planeamento fiscal porque não é concebível que alguém com conhecimentos técnicos invista o seu tempo no estudo de esquemas lícitos de planeamento fiscal e depois se “auto-denuncie” junto da administração tributária.


Atrevemo-nos a fazer uma analogia entre o fisco e o contribuinte com o que se passa no mercado privado. O fisco e o contribuinte cumpridor podem ser vistos como concorrentes leais, sendo que ambos tentam majorar a sua rendibilidade. Se o contribuinte contrata e paga os serviços de um consultor não espera que este vá denunciar o seu esquema junto do “concorrente” Fisco.


O consultor fiscal, pelos conhecimentos técnicos e experiência que possui, permite maximizar a eficiência fiscal das actividades dos seus clientes através da utilização das vantagens fiscais lícitas, sendo, na grande maioria dos casos, um garante do cumprimento das leis fiscais, pois conhece bem as consequências do seu incumprimento.


Certamente que poderão existir casos em que consultores fiscais apresentam aos seus clientes “soluções” artificiais, ou, melhor, ilegais, com o objectivo de redução da factura fiscal utilizando ficções e falsas representações, ou seja planeamento fiscal agressivo e abusivo. Mas esta não é seguramente a prática comum, mas certamente a excepção.


E não se pode confundir a patologia com a terapêutica. Sob pena de ficarmos com uma… e sem a outra!

Carlos Pinto de Abreu
Luís Milagres e Sousa



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