Pareceres do CRLisboa

Consulta nº 1/2010

Consulta nº 1/2010

Requerente: A

Assunto: Publicidade – exibição de logótipo PME Líder


I - Consulta


Por requerimento que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia 11 de Janeiro de 2010, com o nº..., veio o Dr. ..., em representação da sociedade requerente, solicitar autorização para que o logótipo da PME Líder possa ser inserido no estacionário, no portal e noutras formas de comunicação externa da A


O estatuto PME Líder foi atribuído à A pelo IAPMEI em 16 de Novembro de 2009, no âmbito do programa FINCRESCE e sob proposta do Banco Espírito Santo, ao abrigo do Decreto-Lei nº 372/2007.


II – Parecer


O uso do logótipo PME Líder inserido no estacionário, no portal e noutras formas de comunicação externa da A   é, indubitavelmente, um acto de publicidade.


A questão colocada a este Conselho Distrital envolve por isso um juízo sobre a licitude ou ilicitude deste acto de publicidade.


A. O Estatuto de PME Líder


Relevante para a questão é o âmbito do estatuto de PME Líder, seus objectivos e requisitos.


O Estatuto PME Líder é atribuído pelo IAPMEI - e pelo Turismo de Portugal, no caso das empresas do Turismo - no âmbito do Programa FINCRESCE, em parceria protocolada com os cinco principais grupos bancários a operar em Portugal.


Nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº 372/2007, de 6 de Novembro, a certificação de PME é aplicável às empresas que exerçam a sua actividade nas áreas sob tutela do Ministério da Economia e da Inovação (MEI) e que necessitem de apresentar e comprovar o estatuto de PME no âmbito dos procedimentos administrativos para cuja instrução ou decisão final seja legalmente ou regulamentarmente exigido.


Ainda nos termos do artigo 5º do referido diploma, a certificação de PME visa, designadamente:

a) Simplificar e acelerar o tratamento administrativo dos processos nos quais se requer o estatuto de micro, pequena e média empresa; 

b) Permitir maior transparência na aplicação da definição PME no âmbito dos diferentes apoios concedidos pelas entidades públicas; 

c) Permitir a participação das PME nos diferentes programas comunitários e garantir uma informação adequada às entidades interessadas no que respeita à aplicação da definição PME; 

d) Garantir que as medidas e apoios destinados às PME se apliquem apenas às empresas que comprovem esta qualidade; 

e) Permitir uma certificação multiuso, durante o seu prazo de validade, em diferentes serviços e com distintas finalidades. 

O estatuto PME Líder assenta nos seguintes critérios:


a) Empresas que assegurarem a condição de PME, de acordo com a Recomendação da Comunidade de 6 de Maio de 2003 (2003/361/CE), a ser comprovada através da certificação on-line em www.iapmei.pt ;

b) Situação regularizada perante a Administração Fiscal, a Segurança Social, o IAPMEI e o Turismo de Portugal;

c) Foco em Pequenas e Médias Empresas que prossigam estratégias de crescimento e de reforço da sua base competitiva, seleccionadas através da superior capacidade de escrutínio e de uma ampla implantação no território nacional, pelos bancos protocolados. Excepcionalmente, o Estatuto PME Líder poderá ser atribuído a Micro Empresas que apresentem inovação de referência e com potencial de demonstração, ou no caso das empresas do Turismo, empresas com empreendimentos e/ou actividades inovadoras ou inseridos em imóveis de reconhecido valor patrimonial;

d) Perfil de risco posicionado nos mais elevados níveis dos sistemas internos de notação de risco dos Bancos protocolados, e cuja uniformização se processa por relações estabilizadas e formalizadas com as entidades do Sistema Nacional de Garantia Mútua;

e) Empresas que, para além do superior perfil de rating, tenham pelo menos um exercício de actividade completo e que apresentem, com contas fechadas de 2009: (i) Crescimento do Volume de Negócios ou Resultados Líquidos Positivos e (ii) Autonomia financeira > 15% (Capitais Próprios/Activo Liquido).


As empresas que reúnem os vários critérios de acesso são convidadas pelos bancos parceiros e propostas ao IAPMEI, o qual concede o Estatuto PME Líder, dando disso conhecimento ao Banco proponente. A atribuição do Estatuto PME Líder é ainda publicitada em www.pmelider.pt.


Desse site www.pmelider.pt, por interesse para a questão da licitude ou ilicitude do acto de publicidade objecto deste parecer, citamos a seguinte pagina:


É PME Líder? Quer valorizar o crescimento da sua empresa?

Propomos-lhe: 

· Distinção pública pela qualidade de desempenho, como reforço de imagem e notoriedade no mercado. 

· Pacotes financeiros diferenciados em condições preferenciais. 

Participe. Habilite-se a ser uma das PME Excelência do ano.

No que respeita ao Programa Fincresce, no qual se insere o Estatuto de PME Líder, e também por consulta ao site www.pmelider.pt transcrevemos os tipos de intervenção do Programa:


Tipos de intervenção do Programa Fincresce

Com o objectivo de incentivar as empresas na concretização da sua ambição estratégica, o Programa dispõe de um conjunto articulado de iniciativas, centradas em três dimensões:

Na própria empresa

Concretamente no domínio dos factores endógenos, fundamentais para o reforço da sua sustentabilidade e desempenho económico, atributos determinantes para qualificar o correspondente perfil de risco. Proporciona-se, em condições preferenciais, o acesso a serviços a prestar às empresas, ligados ao diagnóstico, reflexão estratégica, definição de planos de oportunidades de melhoria e sua implementação, com recurso a assistência técnica especializada.

Na interacção com a envolvente

Promovendo a comunicação das empresas com o mercado, por forma a conferir visibilidade ao seu mérito e características distintivas e assim beneficiarem de um enquadramento estimulante ao desenvolvimento da actividade. Estes ganhos de reputação irão traduzir-se no reforço da sua capacidade negocial na contratação de financiamentos.

No alargamento da oferta de produtos e serviços financeiros

Facilitando o acesso a um leque diversificado de soluções nas melhores condições de qualidade e preço, ajustadas às necessidades e perfil qualitativo das empresas, ao efeito de escala gerado e à partilha de risco propiciada pelos instrumentos públicos.


Finalmente, por consulta à lista de empresas galardoadas com o Estatuto PME Líder, verificámos que esse estatuto foi em 2009 atribuído, para além da requerente A, às sociedades de advogados B, C e D.


Estas são, em resumo, as características e finalidades essenciais do estatuto de PME Líder, cujo logótipo pretende a Requerente A utilizar como acto de publicidade.


B. Do conceito de empresa aplicável às sociedades de advogados


Este Conselho Distrital tem tido, neste triénio, a oportunidade de se pronunciar sobre a compatibilidade – e por vezes a incompatibilidade - das regras deontológicas com os novos desafios, as novas estruturas e realidades do exercício da profissão e com os novos meios e instrumentos de publicidade ao dispor da advocacia. 


E tem sido sensível às solicitações, à complexidade das relações e aos fenómenos da globalização e da concorrência no dealbar deste novo século que representam verdadeiros desafios à advocacia e à forma de a exercer; desafios esses que exigem uma posição cada vez mais pro-activa dos Colegas perante a sociedade.


Mas este Conselho Distrital tem consciência de que os desafios à profissão e a evolução do ambiente no qual a profissão se exerce devem ser enfrentados no respeito pelas regras deontológicas que nos regem. Apenas dessa forma se conseguirá dignificar a profissão e manter o valor da confiança. E sobretudo apenas dessa forma se poderão garantir as especificidades da advocacia e as principais imunidades e garantias de exercício desta nobre função.


Citam-se, a título de exemplo, os Pareceres nºs 16/2008, 36/2008 e 38/2008, que podem ser consultados no volume I da Compilação de Pareceres do CDL 2008-2010.


A presente solicitação é mais um exemplo desta nova realidade.


Reconhecemos que é intensa a tentação – porventura até a necessidade – de tratar os escritórios de advogados como empresas. Sobretudo por parte das entidades públicas responsáveis pela economia portuguesa e comunitária e pelos reguladores da concorrência.


A Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia não tem qualquer hesitação em considerar os escritórios de advogados como empresas e tem dedicado muita atenção às restrições da livre concorrência a que a profissão está sujeita (cfr., entre outros, o Relatório sobre a concorrência nos serviços das profissões liberais, de 2004). É de salientar nesse relatório a ênfase dada à importância das profissões liberais e do sector dos serviços jurídicos no PIB comunitário e no valor acrescentado da economia europeia.

O próprio Acórdão Wouters do Tribunal de Justiça das Comunidades – marco de referência para a legitimidade da auto-regulação – assume que os advogados, na medida em que prestam serviços mediante remuneração e assumem os riscos inerentes à respectiva actividade, são considerados empresas na acepção dos 81º, 82º e 87º do Tratado da EU.


Em 2007, a Autoridade da Concorrência portuguesa emitiu uma Recomendação sobre a promoção da concorrência nos serviços notariais (Recomendação nº 1/2007) na qual também assume que os membros das profissões liberais são considerados empresas no sentido dos artigos 81º, 82º e 87º do Tratado da EU.


Em Novembro de 2009 foi aprovado o Parecer nº 8/2009, sobre a obrigatoriedade da existência e disponibilização do livro de reclamações nos escritórios de advogados, o qual, apesar de concluir pela não-obrigatoriedade, entendeu que o conceito de estabelecimento – e portanto de empresariedade – se lhes aplicaria.


E em Janeiro deste ano, o Tribunal de Comércio confirmou a coima aplicada à Ordem dos Médicos pela prática de honorários mínimos, assumindo por isso que a Ordem, para efeitos de concorrência, deveria ser tratada como uma associação de empresas (cfr. Anúncio (extracto) n.º 1010/2010 OM (2.ª série), de 19 de Janeiro de 2010).


Ainda em 2007, em Espanha, passou a ser possível a não-advogados deter até 25% do capital e directos de voto de uma sociedade de Abogados (cfr. Real Decreto de 2/2007, de 15 de Março).


No Reino Unido, decorrido o período provisório e com a entrada em vigor em Janeiro deste ano da Legal Services Bill, de 2007, foram admitidas (mediante licenciamento) as chamadas ABS (Alternative Business Strutures), com acesso a investidores terceiros e com práticas multidisciplinares.


Também em França foi publicado em Janeiro deste ano um estudo sob o patrocínio do Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Consumo no qual se assumem os advogados e as sociedades de advogados como empresas e se pugna pela abertura do seu capital a terceiros como forma de estimular a concorrência em benefício dos consumidores.


Constitui, no entanto, e até hoje, posição oficial do CCBE a manifestação de profundas reservas – diremos mesmo expressa oposição – à entrada de terceiros no capital das sociedades de advogados (cfr. CCBE Position on Non-Lawyer Owned Firms, 2005 e carta do Presidente do CCBE para o Legal Services Board, de 25 de Janeiro de 2010, com a referência ‘Alternative business structures: approaches to licensing’, acessível in www.ccbe.org ).


No que respeita à publicidade, também a posição das autoridades da concorrência nacional, comunitária e da maioria dos estados da UE vai no sentido da necessidade de liberalização. É o que resulta, de forma expressa, dos documentos acima referidos.


Com este panorama, bem poderíamos concluir que a advocacia é uma actividade comercial como outra qualquer e que o papel do advogado na administração da justiça em pouco ou nada se diferenciaria da função social de uma loja de retrosaria. Felizmente, nem a mais ortodoxa autoridade da concorrência europeia tem o devaneio de assim pensar.


Todos os diplomas legais e todas as decisões administrativas e judiciais que acima citámos têm o cuidado de reconhecer que a noção de empresa aplicada aos escritórios de advogados tem como único e exclusivo âmbito a aplicação das regras de concorrência. E todas reconhecem a relevância do interesse público da profissão e a consequente legitimidade de restrições e requisitos no acesso e no exercício da profissão, de forma a preservar os princípios básicos, – os Core Values  na expressão do CCBE – da profissão, (i) a independência, (ii) o segredo profissional e (iii) o dever de evitar conflitos de interesses.


São estes os princípios que constam da fundamentação do Acórdão Woulters, tirado pelo Tribunal de Justiça de 1.ª Instância das Comunidades a 19 de Fevereiro de 2002 (e no qual interveio, entre outros Juízes, o Dr. Cunha Rodrigues) e que considerou que a norma do Regulamento 1993 da Ordem dos Advogados Holandesa, que proíbe as sociedades multidisciplinares entre advogados e auditores, não viola o disposto nos artigos 43.º e 49.º do Tratado. 


E são também estes princípios que fundamentam o Acórdão de 21 de Dezembro de 2001 do Tribunal Constitucional, que não considerou inconstitucional o artigo 68.º do Estatuto à data em vigor e a interpretação que dele a nossa Ordem tirava, no sentido de considerar incompatível o exercício simultâneo da Advocacia e da actividade de Revisor Oficial de Contas. A certo passo da sua fundamentação lê-se: A verdade é que está sempre subjacente o objectivo de não permitir que o exercício simultâneo da advocacia com outras actividades ou funções faça perigar os valores ético-deontológicos que à advocacia devem assistir. 


Entendemos por isso que um escritório de advogados não é, no seu conceito comercial, uma empresa. O advogado não pratica actos de comércio, mas sim actos de advogado. Exemplos de validação desta afirmação são múltiplos. 


Citamos apenas alguns, como o princípio da auto-regulação, que implica a inexistência de tutela governamental, a consagração das sociedades de advogados como sociedades civis e a ausência de valor venal do goodwill dum escritório de advogados, pois esse valor, a existir, é intrínseco ao advogado e não é transaccionável.


E estes exemplos de validação da premissa de que o conceito de empresa não é adequado à nossa actividade profissional fundam-se nos princípios – nos core values – que acima identificámos.


São estes princípios e a função de interesse público – mais do que a dignidade da profissão, conceito relativo e por vezes de auto-engrandecimento – que justificam também restrições à livre publicidade dos serviços do advogado.


Vejamos agora este ponto específico.


C. Das restrições à publicidade da actividade profissional


Podemos actualmente afirmar que a publicidade à actividade do advogado é livre, dentro do respeito pelos princípios deontológicos e, em particular, dentro do respeito pela independência, pelo segredo profissional, pelo dever de evitar conflitos de interesses e pelos efeitos do exercício de uma profissão de interesse público.


Nessa medida, as regras do artigo 89º do EOA estão em linha com a tendência liberal mais recente da advocacia continental. A divulgação da actividade profissional pode ser feita por qualquer meio ou conteúdo desde que (i) seja verdadeira e digna, (ii) respeite os princípios deontológicos e (iii) respeite as normas gerais sobre publicidade e concorrência.


De acordo com estes princípios, o artigo 89º do EOA enumera – embora de forma não taxativa – situações de informação objectiva, actos publicidade lícita e actos de publicidade considerada ilícita por serem susceptíveis de violar os referidos princípios.


Cabe uma referência particular à restrição de actos de publicidade com conteúdos de auto-engrandecimento e de comparação. 


A excelência dos actos de advogado não é avaliável por critérios objectivos ou quantitativos e pode ser timbre de qualquer advogado independentemente da forma como exerce a sua profissão, seja em sociedade, em prática individual ou no âmbito de uma empresa. 


Por isso é que a excelência não é comparável e qualquer menção a conteúdos de auto-engrandecimento constituirá sempre informação ou publicidade não objectiva e não-verdadeira.


D. Da exibição do logótipo PME Líder como acto de publicidade - Conclusões


Estão assim lançadas as premissas do nosso raciocínio.


Quais as questões que se levantam com a utilização do logótipo PME Líder ?


Identificamos quatro questões essenciais.


1. Nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº 372/2007, de 6 de Novembro, a certificação de PME é aplicável às empresas que exerçam a sua actividade nas áreas sob tutela do Ministério da Economia e da Inovação. Mas concluímos já que (i) uma sociedade de advogados não constitui uma empresa comercial e (ii) uma sociedade de advogados não se encontra sujeita, na sua actividade e na prática de actos de advogado, à tutela governamental (cfr. Artigos 1º nº 2, 61º nº 1, 83º e 84º do EOA.

2. O Estatuto de PME Líder tem como finalidade a prova da capacidade e robustez financeira e a existência de estratégias de crescimento e de reforço da base competitiva da empresa no âmbito dos procedimentos administrativos para cuja instrução ou decisão final seja legalmente ou regulamentarmente exigido. Ora, esta finalidade é alheia à prática de actos de advogado (cfr. Artigo 62º e 63º do EOA e artigos 1º a 5º da Lei nº 49/2004).

3. A informação e a publicidade visam a divulgação da actividade profissional. Mas a exibição do logótipo PME Líder nada divulga a esse respeito (cfr. Artigo 89º nº 1 do EOA).

4. O logótipo PME Líder transmite a mensagem publicitária de que a sociedade de advogados é líder no mercado onde se insere e possui um perfil de risco posicionado nos mais elevados níveis dos sistemas internos de notação de risco dos Bancos. Mas tal mensagem não pode deixar de ser entendida como de auto-engrandecimento e de comparação (cfr. Artigo 89º nº 4 do EOA).

Perante estas questões, e tendo em devida conta o seu enquadramento face às regras deontológicas, entende o Conselho Distrital de Lisboa que a utilização do logótipo da PME Líder no estacionário, no portal e noutras formas de comunicação externa da A constitui acto ilícito de publicidade.



Lisboa, 9 de Fevereiro de 2010


  O Relator



Jaime Medeiros

Jaime Medeiros

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