Parecer Nº 4/2010
PARECER Nº 4/2010
I. Os termos da consulta
Veio a Exma. Senhora Dra. A expor a este Conselho Distrital a seguinte situação:
1. Inscreveu-se, para o 1.º estágio para agentes de execução no qual é permitida a inscrição de advogados.
2. Foi admitida à frequência desse estágio na sequência do exame nacional realizado no passado dia 09 de Janeiro.
3. Só quando confrontada com a lista dos documentos necessários para a inscrição no estágio em causa, se apercebeu da necessidade de assinar uma declaração de honra da qual resultará o compromisso de não exercer mandato em qualquer acção executiva e, bem assim, de que esta limitação abrange, igualmente, os seus colegas de escritório.
4. Sendo certo que esta restrição atinge, também, os processos executivos em curso cujo patrocínio se encontre assegurado pela Colega, considera a Senhora Dra. A que tal limite ao exercício da profissão de Advogado, imposto por uma entidade terceira, constitui um desrespeito pela mesma, acrescentando que não foi essa a leitura que retirou do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
5. Mais aduz que a Ordem dos Advogados, a cujo estatuto está adstrita, não lhe limita o exercício da profissão, antes lhe permitindo a cumulação das duas funções (Advogada e Agente de Execução).
6. Finalmente, considera a Exma. Colega que “O cúmulo desta situação é o de explicar a um cliente que poderei acompanhá-lo enquanto Advogada até um certo ponto, mas a partir do momento em que passe para execução não o poderei fazer, pois por passar a ter uma especialização naquela mesma matéria, não poderei exercer mais o mandato, ou seja, passo a ser Advogada por metade, ou Advogada em Part-time, o que se torna quase cómico não fosse a seriedade do assunto.”
II. Questões a considerar
Perante a factualidade descrita, são as seguintes as questões colocadas na consulta apresentada no capítulo anterior:
A) Atenta a sua natureza, as funções de Agente de Execução, quando exercidas por Advogado constituem uma especialização em relação às funções de Advogado?
B) A limitação legal plasmada no artigo 120º, nº 1, alínea a) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores constitui inadmissível violação ao direito de exercício da profissão de Advogado?
III. Desenvolvimento
A)
Como é sabido, a figura dos Solicitadores de Execução surgiu no ordenamento jurídico português com a reforma operada no Código de Processo Civil pelo D.L. 38/2003, de 8 de Março, cujo principal objectivo declarado foi o de simplificação do processo executivo.
Para além das funções que lhe foram acometidas no âmbito da acção declarativa (v.g. no que concerne à realização das diligências tendentes à citação), ficaram-lhe confiadas as descritas no artigo 808º CPC e que consistiam, digamos por sinopse, em efectuar todas as diligências do processo de execução, sob controlo judicial.
Criou-se, assim, uma figura investida de funções públicas, um novo interveniente processual que responde perante o juiz e também perante as partes (na reforma de 2003/2006 ainda de forma limitada ao cumprimento do dever de informação e à responsabilidade profissional que genericamente inere ao seu desempenho profissional).
1. Doravante apenas designado por CPC.
2. Temos aqui em conta as alterações introduzidas pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, que alterou, entre outros, o artigo 808º CPC e o Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
Com o D.L. 226/2008, de 20 de Novembro, passamos a ter franqueada aos Advogados a possibilidade de exercício de tais funções, passando a designação de Solicitadores de Execução para a mais abrangente designação de Agentes de Execução. Lemos, aliás, no preâmbulo do diploma:
«[…] tendo em conta a necessidade de aumentar o número de agentes de execução para garantir uma efectiva possibilidade de escolha pelo exequente, alarga-se a possibilidade de desempenho dessas funções a advogados e define-se o modelo e as condições para assegurar aos agentes de execução a formação adequada ao desempenho das respectivas funções.»
Desde logo aí se alertando: «O alargamento do espectro de agentes de execução impõe alterações ao regime de incompatibilidades, impedimentos e suspeições dos agentes de execução, restringindo as condições de exercício desta profissão, para garantir mais transparência e confiança no sistema.»
Foi ainda este diploma que procedeu a substanciais alterações das competências dos Agentes de Execução, reforçando a sua intervenção, sobretudo quando comparada com a diminuição dos casos em que é, agora, exigida a intervenção judicial, o que resulta claro do mero confronto da actual redacção dos artigos 808º e 809º CPC com a que resultara da reforma de 2003.
Ora, sendo acometidas ao Agente de Execução funções que - maugrado todas as discussões e com o respeito devido a cada uma das opiniões publicitadas a propósito - revestem, materialmente, cariz jurisdicional, estranho seria que não se acentuassem as exigências ao nível dos regimes de incompatibilidades, impedimentos e suspeições.
Verdadeiramente, e apesar da existência de um “colégio da especialidade” no quadro orgânico da Câmara dos Solicitadores, o exercício das funções de Agente de Execução não consubstancia uma especialização nem das funções de Solicitador, nem das de Advogado.
Com efeito a autonomia e a especificidade das funções em causa e a sujeição a regime jurídico-disciplinar próprio impõe-nos que reconheçamos aqui uma verdadeira nova categoria de profissionais do Direito, “alimentada”, é certo, por enquanto apenas por profissionais oriundos da solicitadoria e da advocacia.
B)
Afirma a Senhora Advogada requerente que só quando confrontada com a lista dos documentos necessários para a inscrição no estágio em causa, se apercebeu da necessidade de assinar uma declaração de honra da qual resultará o compromisso de não exercer mandato em qualquer acção executiva e, bem assim, de que esta limitação abrange, igualmente, os seus colegas de escritório.
Salvo o devido respeito, nem fazendo apelo a muito boa vontade se pode aceitar este argumento de “surpresa”, uma vez que a limitação em causa já vigora desde 2003 e decorre do artigo 120º, nº 1, alínea a) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
Trata-se, ademais, de incompatibilidade manifesta que sempre decorreria da própria natureza das funções exercidas pelos Agentes de Execução, não sendo aceitável que o Agente de Execução, seja Advogado ou Solicitador, possa, em simultâneo com o exercício delas, exercer mandato em processos de idêntica natureza àqueles em que surge investido no desempenho de funções públicas.
E parece-nos, também, facilmente justificável a extensão dessa incompatibilidade aos sócios e agentes de execução com o mesmo domicílio profissional prevista no nº 2 do citado artigo 120º, igualmente já provinda da respectiva redacção de 2003.
Na verdade, só fazendo tábua rasa dos mais elementares princípios da transparência poderíamos aceitar que o exercício da actividade de Agente de Execução pudesse ser concretizado no âmbito de um escritório partilhado com Colegas (Advogados ou Solicitadores) que exercessem mandato judicial no processo executivo, sob pena deixarmos entrar pela janela aquilo que não permitimos que entrasse pela porta.
A convivência diária entre mandatários dos exequentes ou dos executados e Agentes de Execução não só não seria aceitável, como claramente susceptível de por em crise a independência de uns e de outros, sendo que acabaria por esvaziar a incompatibilidade prevista no referido artigo 120º, nº 1, alínea a).
A questão que a Senhora Dra. A coloca em relação aos processos executivos em curso em que exerça mandato em relação aos quais, vindo a abraçar a profissão de Agente de Execução, também terá de deixar de assegurar, é distinta, uma vez que reveste a natureza de impedimento e não de incompatibilidade.
Note-se que não se trata aqui, diversamente do que refere a Colega, de aplicação retroactiva da limitação, mas sim, e mais uma vez, de impedir o exercício, em confusão de funções, do mandato forense com a actividade de Agente de Execução. Não podendo ser, de novo, olvidado que se trata de impedimento fixado desde 2003, na redacção desde então em vigor dos nºs 2 e 3 do artigo 121º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
Acresce que nenhuma destas limitações foi imposta por entidade terceira, antes decorrendo de lei, rectius, Decreto-Lei produzido ao abrigo da necessária lei de autorização legislativa.
Sucede apenas que, tendo sido os Solicitadores os primeiros a exercerem funções de agentes de execução e tendo sido a sua Câmara a entidade que assegurou a criação e a gestão do sistema necessário à implementação da reforma da acção executiva de 2003, entendeu o legislador (sem oposição da Ordem dos Advogados) aproveitar o quadro organizativo existente para nele acolher todos os Agentes de Execução, incluindo os que provêm da advocacia.
Quanto a isto, não há, do nosso ponto de vista, qualquer vantagem em actuar de forma preconceituosa, mas sim que encarar de forma clara que os Advogados que entendam querer ser (ou querer ser também) Agentes de Execução o terão de fazer com a consciência de que abraçam profissão que, por força dos poderes de autoridade que lhe inerem, tem pontos de colisão com o livre exercício do mandato forense.
E não se trata aqui de exercer advocacia em part-time, já que o Advogado que pretende ser e exercer, simultaneamente, as funções de Agente de Execução terá, obviamente, de exercer ambas as actividades em part-time.
Trata-se, portanto, apenas e só, de fazer escolhas conscientes. Não mais do que isso.
Não despiciendo será, ainda, abordar aqui a questão incidental da aplicabilidade ou não destas limitações ao período de estágio, já que, verdadeiramente, só após a conclusão dessa fase de formação poderemos falar com propriedade em Agente de Execução.
O Regulamento do Estágio de Agente de Execução adaptado à nova realidade criada pelo Dec.-Lei nº 226/2008 foi aprovado pelo Conselho Geral da Câmara dos Solicitadores ao abrigo do artigo 118º, nº 2 do respectivo Estatuto e entrou em vigor no dia 25 de Setembro de 2009.
Decorre de tal diploma regulamentar (cfr. artigo 22º), que, durante o segundo período de estágio o Agente de Execução Estagiário tem o dever de participar nos processos judiciais que lhe forem confiados pelo patrono, tendo, ainda de realizar cem intervenções em processos judiciais. Para além disso, e de acordo com o preceituado no nº 2 do artigo 21º do Regulamento, tem o estagiário competência própria para praticar todos os actos de natureza executiva em processos de valor inferior à alçada dos tribunais de primeira instância que o patrono lhe confie.
Estes deveres e competências, aliados ao disposto na alínea h) do artigo 13º do Regulamento a que se vem fazendo referência, impõem que se considere que já durante o período de estágio o Agente de Execução está abrangido pelas incompatibilidades, impedimentos e suspeições que decorrem das normas estatutárias supra mencionadas.
3. Esta opinião de jure constituo é aliás coerente com a posição que o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados tomou aquando da discussão da proposta de lei, conforme consta e poderá ser consultada nas suas actas de 27 de Fevereiro e de 12 de Março, ambas de 2008.4. Nos termos do artigo 118º, nº 2 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, compete ao Conselho Geral aprovar o Regulamento do Estágio de Agentes de Execução; por força do disposto nas alíneas b) e c) do artigo 69º- C do Dec.-Lei 226-2008, de 20.Nov. a competência para definir o número de candidatos a admitir em cada estágio e a escolha da entidade responsável pela elaboração, definição dos critérios de avaliação e avaliação do exame de admissão ao estágio é da Comissão para a Eficácia das Execuções; finalmente, nos termos do nº 4 do artigo 80º do Estatuto da Ordem dos Advogados, à Ordem fica, tão-só, reservada a competência para receber as inscrições dos Advogados que pretendam efectuar o exame de admissão a estágio de Agente de Execução. O que foi cumprido.
5. Regulamento nº 391/2009, publicado no DR nº 186, Série II, de 24.Set.2009 (em cumprimento do artigo 10º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores)
6. O artigo 13º elenca os deveres gerais do agente de execução estagiário e a sua alínea h) determina o dever de cumprir, em plenitude, todas as obrigações deontológicas e regulamentares no exercício da actividade profissional.
IV. Conclusões
1. Apesar da existência de um “colégio da especialidade” no quadro orgânico da Câmara dos Solicitadores, atenta a natureza das funções de Agente de Execução, não constituem uma especialização, quer em relação às funções de Solicitador, quer em relação às de Advogado.
2. Sobretudo desde a entrada em vigor do Dec.-Lei 226/2008, de 20.Nov, com as alterações introduzidas aos artigos 808º e 809º CPC, estão acometidas ao Agente de Execução funções que - maugrado todas as discussões a propósito - revestem, materialmente, cariz jurisdicional e investem este interveniente processual de poderes de autoridade.
3. A autonomia e a especificidade das funções de Agente de Execução e a sujeição a regime jurídico-disciplinar próprio impõe-nos que reconheçamos aqui uma verdadeira nova categoria de profissionais do Direito, “alimentada”, é certo, e por enquanto, apenas por Solicitadores e Advogados.
4. A necessidade de assinar uma declaração de honra da qual resultará o compromisso de não exercer mandato em qualquer acção executiva e, bem assim, não pode constituir surpresa para os candidatos ao estágio de agente de execução”, uma vez que a limitação em causa já vigora desde 2003 e decorre, cristalina, do artigo 120º, nº 1, alínea a) do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
5. O mesmo sucede com a extensão dessa incompatibilidade aos sócios e agentes de execução com o mesmo domicílio profissional, prevista no nº 2 do citado artigo 120º, igualmente já provinda da respectiva redacção de 2003.
6. E, bem assim, com os impedimentos expressos nos nºs 2 e 3 do artigo 121º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, que se limita a impedir o exercício, em confusão de funções, do mandato forense com a actividade de Agente de Execução, quer para este, quer para os sócios e Advogados ou Solicitadores com o mesmo domicílio profissional.
7. Nenhuma destas limitações foi imposta por entidade terceira, antes decorrendo de lei, rectius, Decreto-Lei produzido ao abrigo da necessária lei de autorização legislativa.
8. Os Advogados que entendam querer ser (ou querer ser também) Agentes de Execução o terão de fazer com a consciência de que abraçam profissão que, por força dos poderes de autoridade que lhe inerem, tem pontos de colisão com o livre exercício do mandato forense.
9. Por força das disposições conjugadas dos artigos 13º, alínea h), 21º, nº 2 e 22º do Regulamento do Estágio dos Agentes de Execução (Regulamento nº 391/2009, em vigor desde 25.Set.2009), também durante o período de estágio o Agente de Execução está abrangido pelas incompatibilidades, impedimentos e suspeições que decorrem das normas estatutárias supra mencionadas.
Este, s.m.o. e sem prejuízo das competências próprias atribuídas à Comissão para a Eficácia das Execuções (artigo 69º-C, alínea h) do Dec.-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro), o nosso parecer.
Lisboa e CDL, 29 de Janeiro de 2010.
(Helena C. Tomaz – 1ª Vice-Presidente CDL,
por Delegação de Competências)
Helena C. Tomaz
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