Consulta nº 33/2009
Consulta nº 33/2009
Requerente:
Questão
A ... foi sócia da sociedade X.& Associados – Sociedade de Advogados, RL, de 2005 a 2008.
De acordo com a sua exposição, nem a deliberação da sua admissão como sócia nem a deliberação sobre a sua exoneração foram apresentadas a registo.
Perante esta omissão, pretende a Senhora Advogada Consulente que o Conselho Distrital se pronuncie sobre as seguintes questões:
1. Existe obrigatoriedade da sociedade efectuar os registos de admissão e exclusão da Senhora Advogada como sócia ? E em que prazo ?
2. Quais as responsabilidades que impendem sobre a Senhora Advogada pelo facto de ter actuado como sócia da sociedade entre 2005 e 2008, praticando actos nessa qualidade ?
3. Como poderá a Senhora Advogada consulente desvincular-se da sociedade ou solicitar a liquidação da sua participação social ?
4. Caberá imputar responsabilidades à sociedade e aos respectivos sócios, nomeadamente a nível disciplinar ?
Opinião
Importa para as questões enunciadas referir alguns dados de facto revelados pela Senhora Advogada consulente.
· A sociedade “ X – Sociedade de Advogados, RL” encontra-se matriculada no Conselho Geral da Ordem dos Advogados sob o nº ..;
· Por acta de 8 de Dezembro de 2005, foi a Senhora Advogada requerente admitida como sócia de capital e indústria e em consequência alterado o contrato social;
· Essa deliberação nunca foi registada no Conselho Geral;
· A Senhora advogada requerente terá realizado uma entrada inicial em numerário em valor superior ao valor nominal da sua quota de capital e industria;
· Em reunião sócios de 28 de Maio, a Senhora Advogada requerente terá comunicado a sua intenção de se exonerar da sua sociedade e os demais sócios terão acordado em adquirir a sua participação de capital, em partes iguais, por um determinado valor;
· A exoneração ou a cedência da participação de capital nunca foi registada no Conselho Geral;
Estes os factos relevantes. Enquadremos jurídica e deontologicamente as questões.
As sociedades de advogados são sociedades civis. O Regime Jurídico das Sociedades de Advogados é muito claro nessa opção, ao referi-la no seu artigo 2º e ao estabelecer como direito subsidiário, não o regime das sociedades comerciais ou das sociedades civis sob forma comercial, mas o regime das sociedades civis previsto do Código Civil.
Esta tónica é essencial do ponto de vista dos princípios deontológicos, por afastar o carácter comercial ou mercantilista do exercício em comum da profissão de advogado.
É evidente que esta opção tem consequências a vários níveis e, nomeadamente, a nível registral. E a primeira é a de que não se aplicará subsidiariamente ao registo dos actos referentes às sociedades de advogados o Registo Comercial. Tal consta expressamente do preâmbulo do Decreto-Lei 229/2004 – “salvaguardou-se o princípio da natureza não mercantil das sociedades de advogados, não se remetendo a sua regulação para o direito comercial, como sucede noutras ordens jurídicas. Por razões de lógica e certeza jurídicas, visando evitar no futuro desnecessárias dúvidas de interpretação e aplicação da lei e dos contratos de sociedade, estipula-se que, nos casos omissos, oregime supletivo das sociedades de advogados será o regime das sociedades civis.”
Vejamos por isso quais as matérias registrais que se encontram expressamente reguladas no Regime Jurídico das Sociedades de Advogados.
a. No preâmbulo do diploma, o legislador afirma que se acolheu “o princípio da desburocratização, no que respeita à relação entre a Ordem e as sociedades de advogados. Nesse sentido, apenas para a constituição da sociedade ou para os casos de cisão ou fusão se prevê a necessidade de aprovação prévia pela Ordem dos Advogados dos contratos de sociedade respectivos. Quanto aos demais casos, nomeadamente alteração do contrato de sociedade ou associação entre sociedades de advogados, a eficácia dos actos dependerá de registo na Ordem, o qual poderá ser recusado.
b. O artigo 3º dispõe (i) que as sociedades de advogados gozam de personalidade jurídica, (ii) que esta se adquire a partir da data do registo do contrato de sociedade, (iii) que pelos actos praticados em nome da sociedade até ao registo respondem solidariamente todos os sócios e (iv) que após o registo do contrato, a sociedade assume os direitos e obrigações decorrentes dos actos praticados em seu nome.
c. Essencial para a questão colocada é o regime que consta no artigo 9º e que, pela sua relevância, transcrevemos:
Artigo 9.Registo
1 - No prazo de 15 dias após a outorga do contrato de sociedade, deve ser apresentada ao conselho geral da Ordem dos Advogados uma cópia autenticada do contrato, que fica arquivada, a fim de se proceder ao registo em livro próprio.
2 - O conselho geral da Ordem dos Advogados deve promover o registo no prazo de 10 dias.
3 - Fica, ainda, sujeita a registo a identificação de todos os advogados associados e advogados estagiários que exerçam a sua actividade profissional na sociedade de advogados.
4 - Pode o pedido de registo ser recusado com fundamento em violação manifesta de normas deontológicas constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como das regras previstas neste diploma.
5 - Aos casos de recusa de registo é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 8.º
6 - A Ordem dos Advogados deve comunicar à Direcção-Geral da Administração da Justiça os registos a que proceder.
d. O regime do artigo 9º é a matriz para o procedimento de registo dos demais actos a ele sujeitos.
i. As alterações ao contrato de sociedade só produzem efeitos a partir do registo da acta da assembleia geral que tenha aprovado a deliberação, a efectuar nos termos do disposto no artigo 9º (cfr. artigo 38º);
ii. É aplicável ao registo da fusão, cisão, contrato de consórcio, ACE e AEIE o regime do artigo 9º (cfr. artigos 46º, 50º, 51º e 52º);
e. Dispõe ainda o Regime das Sociedades de Advogados, com relevância registral, que:
i. A exclusão de sócio produz efeitos decorridos 30 dias sobre a data do registo da deliberação na Ordem dos Advogados (cfr. artigo 22º);
ii. Depende de deliberação dos sócios a ratificação dos actos celebrados em nome da sociedade antes do registo do contrato (cfr. artigo 25º);
Podemos assim desde já concluir das disposições acima citadas que o registo na Ordem dos Advogados dos actos a ele sujeitos tem natureza constitutiva. E que deve ser requerido no prazo de 15 dias a contar da data da deliberação social.
E concretizando, podemos também desde já concluir que a deliberação social que admitiu a Senhora Advogada consulente como sócia de capital e industria, tendo-se traduzido numa alteração ao contrato social, deveria ter sido registada na Ordem dos Advogados no prazo de 15 dias a contar da data da deliberação. Não o tendo sido, não produziu quaisquer efeitos, atenta a natureza constitutiva do registo.
E não tendo sido registada a admissão como sócia, prejudicada fica a análise da consequência de ordem registral da ausência de registo da exoneração. A Senhora Advogada Consulente alega que terá sido realizada no dia 28 de Maio de 2008 uma assembleia geral da sociedade, na qual foi comunicada e aceite a sua exoneração e proposta e aceite a cessão da sua participação para os demais sócios mediante um determinado valor. Este Conselho Distrital nãoteve no entanto conhecimento do teor da referida acta.
Estamos portanto perante uma situação irregular, em que a Senhora Advogada, não o sendo face ao registo constitutivo, actuou como sócia de indústria e capital de uma sociedade de advogados. Realizou a sua entrada de capital inicial e contribuiu com diversos montantes para custear as despesas da sociedade.
Pergunta a Senhora Advogada consulente sobre quais as responsabilidades que impendem sobre si pelo facto de ter actuado como sócia da sociedade entre 2005 e 2008, praticando actos nessa qualidade.
Diremos que quanto aos actos de advogado que praticou, a sua responsabilidade é pessoal e a sociedade de advogados terá eventual direito de regresso sobre si, nos termos do artigo 36º.
Quanto à sua responsabilidade como “sócia”, não tendo a alteração ao contrato social sido registada, entendemos que a Senhora Advogada consulente não responderá pelas dívidas sociais nos termos do artigo 34º. Este entendimento, naturalmente, não prejudica entendimento diferente que os meios judiciais comuns possam perfilhar.
Questiona ainda a Senhora Advogada consulente como poderá desvincular-se da sociedade ou solicitar a liquidação da sua participação social.
Caso tivesse adquirido a qualidade de sócia por via do registo constitutivo, o procedimento a seguir seria o previsto no artigo 21º do Regime das Sociedades de Advogados. Mas como estamos perante uma situação irregular, a questão do preço do eventual acordo de cessão ou a determinação do valor da amortização sempre poderão ser resolvidas pelos meios judiciais comuns.
No entanto, a Ordem dos Advogados não se deve eximir ao seu papel de regulador da profissão; deve, sim, contribuir – na medida do possível - para que a litigância entre Colegas não seja dirimida nos tribunais. Não nos repugna por isso que a matéria respeitante aos valores em causa seja dirimida por recurso à comissão arbitral prevista nos artigos 17º e 21 do Regime das Sociedades de Advogados. Mas caberá à Comissão Arbitral deliberar sobre a sua própria competência.
Finalmente, quanto à última questão colocada, da eventual responsabilidade disciplinar dos sócios pela situação descrita, escapa à competência deste Conselho Distrital a pronúncia sobre casos concretos, pelo que nesta parte não nos pronunciaremos.
Conclusões:
1. O registo na Ordem dos Advogados dos actos a ele sujeitos tem natureza constitutiva e deve ser requerido no prazo de 15 dias.
2. A deliberação social que admitiu a Senhora Advogada consulente como sócia de capital e industria, tendo-se traduzido numa alteração ao contrato social, deveria ter sido registada na Ordem dos Advogados no prazo de 15 dias a contar da data da deliberação. Não o tendo sido, não produziu quaisquer efeitos, atenta a natureza constitutiva do registo.
3. A Senhora Advogada consulente actuou entre 2005 e 2008 como ´”sócia de facto”. Estamos portanto perante uma situação irregular, em que a Senhora Advogada, não o sendo face ao registo constitutivo, actuou como sócia de indústria e capital de uma sociedade de advogados, realizou a sua entrada de capital inicial e contribuiu com diversos montantes para custear as despesas da sociedade.
4. Quanto aos actos de advogado que durante esse período praticou, a sua responsabilidade é pessoal e a sociedade de advogados terá eventual direito de regresso sobre si, nos termos do artigo 36º do Regime das Sociedades de Advogados.
5. Quanto à sua responsabilidade como “sócia”, não tendo a alteração ao contrato social sido registada, entendemos que a Senhora Advogada consulente não responderá pelas dívidas sociais nos termos do artigo 34º do Regime das Sociedades de Advogados. Este entendimento, naturalmente, não prejudica entendimento diferente que os meios judiciais comuns possam perfilhar.
6. Quanto aos procedimentos da sua “exoneração” da sociedade, e como estamos perante uma situação irregular, a questão dos valores entregues a título de entrada de capital e de despesas sempre poderá ser resolvida pelos meios judiciais comuns.
7. No entanto, a Ordem dos Advogados deve contribuir – na medida do possível - para que a litigância entre Colegas não seja dirimida nos tribunais. Não nos repugna por isso que a matéria respeitante aos valores em causa seja dirimida por recurso à comissão arbitral prevista nos artigos 17º e 21 do Regime das Sociedades de Advogados. Mas caberá à Comissão Arbitral deliberar sobre a sua própria competência.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2010
O Relator
Jaime Medeiros
Jaime Medeiros
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