Pareceres do CRLisboa

Consulta 29/2010

 

Consulta n.º 29/2010

 

Questão

 

Veio o Senhor Advogado, Dr. A, solicitar a este Conselho Distrital a emissão de parecer quanto a uma questão de eventual violação do sigilo profissional.

A matéria fáctica é a que a seguir sumariamente se elenca.

O Senhor Advogado Consulente representa os Senhores B e C em diversos assuntos em que são parte contrária o Senhor Advogado, Dr. D e a Senhora E, estando estes representados pelo Senhor Advogado, Dr. F.

Num dos processos-crime que corre termos em Cascais, o Dr. D e a Senhora E estão pronunciados pela prática de várias crimes de injúrias.

Na sessão de julgamento, o Senhor Dr. F, mandatário dos arguidos requereu a junção aos autos da cópia de um e-mail que o Senhor Advogado Consulente lhe dirigiu em 23.11.2005.

Apesar da oposição do Senhor Advogado Consulente, o Tribunal acabou por admitir a junção do dito documento porque entendeu que a referida comunicação não está sujeita a sigilo profissional.

Pretende agora o Senhor Advogado Consulente que este Conselho emita parecer quanto à violação (ou não) do sigilo profissional por parte do Senhor Dr. F por forma a instruir o recurso que pretende apresentar do despacho proferido nos autos que considerou a comunicação datada de 23.11.2005, não sujeita a sigilo.

 

 

Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa

 

A prossecução da justiça e do direito, verdadeiros objectivos da profissão de Advogado, implicam que, necessariamente, qualquer pessoa que tenha de recorrer aos serviços de um Advogado, disponha de total confiança para que possa a este revelar os seus segredos, os seus interesses, sem qualquer receio de revelação dos mesmos (revelação essa que, a ser permitida, poderia colocar esses mesmos interesses em causa).

O regime do segredo profissional encontra-se, em larga medida, desenhado no artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

O n.º 1 deste artigo contém aquilo que poderá caracterizar-se como a verdadeira regra geral do instituto jurídico-deontológico.

Aí se pode ler que “ O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.

Pode até dizer-se que, em certa medida, as demais regras previstas nas diversas alíneas do n.º 1, são sobretudo explicitações ou pormenorizações daquela, que terão sido incluídas no E.O.A. para salientar situações mais marcantes ou de maior dificuldade de interpretação.

 

Mas, o que seja segredo tem de ser aferido por três vias:

1.      pela forma como o conhecimento do facto chegou ao Advogado, quem o revelou e em que quadro fáctico;

2.      pelo teor do facto, que ajuda a perceber se tem ou não a natureza de segredo, pois nem tudo o que é revelado ao Advogado é, em si, um segredo;

3.      pelas próprias circunstâncias do conhecimento e da revelação.

 

 

A análise feita através deste triplo crivo, ajuda a discernir o que é e o que não é segredo.

Em nossa opinião, só serão sigilosos aqueles factos relativamente aos quais seja de presumir que, quem os confiou ao Advogado, nomeadamente o seu cliente, tinha um interesse objectivo, face à relação existente, em que se mantivessem reservados. 

 

Contudo, e apesar do cliente ser a fonte básica dos factos que ficam sujeitos a sigilo profissional, a esfera de protecção desta obrigação estatutária vai além da mera relação Advogado-cliente, estendendo-se, no que tange ao Advogado, a:

1.      factos que, por força de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados, qualquer colega, obrigado quanto aos mesmos factos ao segredo profissional, lhe tenha comunicado – alínea b);

2.      factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração – alínea c);

3.      factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do cliente ou pelo respectivo representante  - alínea d);

4.      factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise por termo ao diferendo em litígio – alínea e);

5.      factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, e que tenha intervindo – alínea f).

 

Mas, ainda nestas relações com outras pessoas que não o cliente, não podemos perder de vista as balizas com que delimitámos o sigilo profissional.

 

 

Isto é, deverá sempre subsistir um interesse objectivo, face à relação estabelecida e aos próprios factos em si, na sua manutenção de uma situação de confidencialidade – porque só deverá ser sujeito a sigilo aquilo que é, verdadeiramente sigiloso.


Traçadas as linhas gerais que irão orientar o nosso pensamento, passemos de seguida à questão que ora nos ocupa.  

 

E a questão que se coloca é a de saber se o e-mail que o Senhor Advogado Consulente enviou ao Senhor Dr. F em 23.11.2005, está (ou não) abrangido pela esfera de protecção do sigilo profissional.  

 

Antes de mais, diga-se que não consta, nem resulta do teor do Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor, uma proibição genérica de revelação de correspondência trocada entre Advogados.

A correspondência trocada entre Advogados só estará abrangida pela obrigação de guardar sigilo profissional se contiver factos eles mesmos sujeitos a essa sagrada obrigação.

Isso mesmo preceitua n.º 3 do artigo 87º do E.O.A. que nos diz que “ o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo”.

 

O e-mail datado de 23.11.2005, contém factos que foram confidenciados ao Senhor Advogado Consulente pelos seus clientes e em relação aos quais o Senhor Advogado Consulente toma, aliás, posição. 

 

 

Factos esses referentes a assuntos profissionais e que provavelmente terão sido comunicados ao Senhor Dr. F, também, num clima de confidencialidade.

E, assim sendo, a divulgação a terceiros do conteúdo do e-mail datado de 23.11.2005, pressuporia uma autorização prévia, nos termos do disposto n.º 4 do artigo 87º do EOA.

O que, no caso concreto, não terá acontecido.

Assim, com rigor processual, o e-mail em causa não poderá ser utilizado em juízo como meio de prova dos factos sigilosos nele contidos, estando sujeito à cominação prevista no n.º 5 do artigo 87º do E.O.A.

Sem prejuízo deste nosso entendimento, o certo é que é aos Tribunais que pertence a jurisdição e, por isso, a capacidade de julgar em definitivo se uma prova é ou não válida.

 

Quanto à questão da eventual violação de normas deontológicas, a matéria em causa é da exclusiva competência dos Conselhos de Deontologia, pelo que deverá o Senhor Advogado Consulente quanto a esta questão promover as diligências que entender adequadas ao caso concreto, junto do órgão materialmente competente.

 

CONCLUSÕES:

 

1.       Não consta, nem resulta do teor do Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor, uma proibição genérica de revelação de correspondência trocada entre Advogados.

2.      A correspondência trocada entre Advogados só estará abrangida pela obrigação de guardar sigilo profissional se contiver factos eles mesmos sujeitos a essa sagrada obrigação.

 

3.      Isso mesmo preceitua n.º 3 do artigo 87º do E.O.A. que nos diz que “ o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo”.

4.      Partindo deste pressuposto, entendemos que o e-mail datado de 23.11.2005, contém factos que foram confidenciados ao Senhor Advogado Consulente pelos seus clientes e em relação aos quais o Senhor Advogado Consulente toma, aliás, posição. 

5.      Factos esses referentes a assuntos profissionais e que provavelmente terão sido comunicados ao Senhor Dr. F, também, num clima de confidencialidade.

6.      Assim sendo, a sua utilização em juízo pressuporia, tal como exigido pelo n.º 4 do artigo 87º do EOA, autorização prévia do Presidente do Conselho Distrital de Lisboa ou do membro do Conselho a quem tenha delegado poderes.

7.      O que, no caso concreto, não terá acontecido.

8.      Assim, com rigor processual, o documento em causa não poderá ser utilizado em juízo como meio de prova dos factos sigilosos nele contidos, estando sujeito à cominação prevista no n.º 5 do artigo 87º do E.O.A.

9.      Contudo, é aos Tribunais que pertence a jurisdição e, por isso, a capacidade de julgar em definitivo se uma prova é ou não válida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de Junho de 2010.

 

A Assessora Jurídica do C.D.L.

 

Sandra Barroso

 

Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,

 

Lisboa, 11 de Junho de 2010.

 

O Vice-Presidente do C.D.L.

(por delegação de poderes de 4 de Fevereiro de 2008)

 

 

Jaime Medeiros

Sandra Barroso

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