Consulta n.º 34/2010
Requerente:
Dr.
A
Questão
O Senhor Advogado, Dr. A, veio solicitar que o Conselho Distrital de Lisboa
emita parecer sobre uma situação de eventual conflito de interesses.
O enquadramento factual, tal como exposto pelo Dr.
A é, em síntese, o seguinte:
a)
O Senhor
Advogado Consulente é mandatário de alguns Réus na acção ordinária actualmente
pendente na 2ª Secção da 14ª Vara Cível de Lisboa, sob o n.º.....
b)
Nesta acção,
a Autora, X, SA, reclama o pagamento de uma determinada quantia decorrente da
presumível responsabilidade assumida por aqueles Réus num contrato de cessão de
participações sociais celebrado em Junho de 1996, através do qual estes
venderam as suas acções na Sociedade Y, SA., à X, SA, ora Autora.
c)
O Advogado da
Sociedade Y, SA. era o Senhor Advogado, Dr. B, que, a pedido dos cedentes –
Réus na acção actualmente pendente, foi consultado na elaboração do referido
contrato de cessão de participações sociais, tendo, inclusive, elaborado um seu
aditamento.
d)
O Senhor
Advogado, Dr. B, é agora mandatário da Autora na acção actualmente pendente na
2ª Secção da 14ª Vara Cível de Lisboa, sob o n.º .. e, isto apesar de, como
refere o Senhor Advogada Consulente, ter sido, durante mais de 30 anos,
Advogado da sociedade Y e de ter sido Advogado de alguns dos Réus em diversos
processos de índole pessoal.
Delineada que está
a questão fáctica – que o Conselho Distrital irá presumir como correctas e
verdadeiras exclusivamente para efeitos deste Parecer – importa agora analisar
a questão à luz do Estatuto da Ordem do Advogados (E.O.A.), aprovado pela Lei
n.º 15/2005, de 26 de Janeiro.
Entendimento
do Conselho Distrital de Lisboa
Não temos dúvidas
de que a questão colocada à apreciação deste Conselho Distrital se subsume a uma
“questão de carácter profissional” nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do
artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que define a competência
material do Conselho, pelo que há que proceder à emissão de parecer quanto à questão
colocada.
É o que faremos de seguida.
A matéria sobre a qual ora nos debruçamos
circunscreve-se à eventual aplicação do artigo 94º do E.O.A.
Esta norma tem em vista evitar a existência de
conflito de interesses na condução do mandato por Advogado e assume a uma tripla
função[1]:
a)
Defender a
comunidade em geral, e os clientes de um qualquer Advogado em particular, de
actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um Colega, conluiado ou não
com algum ou alguns dos seus clientes;
b)
Defender o
próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar,
no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que não seja a
defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes.
c)
Defender a
própria profissão, a Advocacia, do anátema que sobre ela recairia na
eventualidade de se generalizarem este tipo de situações.
Assim, se dispõe no artigo 94º do E.O.A., sob a
epígrafe “conflito de interesses”:
“1 – O advogado deve recusar o patrocínio de
uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja
conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.
2 – O advogado deve
recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si
patrocinado.
3 – O advogado não
pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no
mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses
desses clientes.
4 – Se um conflito
de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de
violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o
advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse
conflito.
5 – O advogado deve
abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do
dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior
cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas
ou injustificadas para o novo cliente.
6 – Sempre que o
advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou
não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação que a cada
um dos seus membros”.
Vejamos então.
O Estatuto da Ordem dos Advogados, em matéria de
conflito de interesses, não contém uma proibição geral de patrocínio contra
quem foi anteriormente seu cliente, mas apenas uma proibição de patrocínio:
- Contra quem seja
por si patrocinado noutra causa pendente.
- Em causas em que
já tenha intervindo ou que sejam conexas com outras em que tenha
representado a parte contrária.
- Em causas que possam
colocar em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos de um
anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem
vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.
O actual mandatário
da Autora, Dr. B, teve como clientes quer a Sociedade Y quer alguns dos Réus na
acção actualmente pendente.
Ora, à luz dos mais
elementares princípios jurídicos que regem o nosso direito, as sociedades
comerciais, em si mesmo, são uma pessoa jurídica distinta dos sócios e com os
quais não se confundem.
Assim, o facto do
Dr. B estar a actuar em juízo contra antigos sócios da sociedade sua antiga
cliente não configura, só por si, e repita-se, só por si, qualquer conflito de
interesses que o impeça de continuar o patrocínio assumido.
Já outra das
circunstâncias que nos é dada a conhecer pelo Senhor Advogado Consulente nos
leva a concluir pela existência de (evidente) conflito de interesses na
assunção do patrocínio da ora Autora.
É que a acção
actualmente pendente tem como causa de pedir a alegada responsabilidade
assumida pelos ora Réus num contrato de cessão de participações sociais.
E os cedentes –
agora Réus na acção – terão consultado o Dr. B, precisamente, para a elaboração
do contrato de cessão de participações sociais que constitui a causa de pedir
da acção, tendo, inclusive, elaborado um seu aditamento.
Assim sendo, e de
acordo com as premissas de facto transmitidas pelo Senhor Advogado Consulente –
que, repete-se, o Conselho Distrital irá presumir como correctas e verdadeiras
exclusivamente para efeitos deste Parecer –, é nosso entendimento que existirá
conflito de interesses, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94º
do E.O.A., pelo que deverá o Senhor Advogado, Dr. B, cessar o mandato assumido,
nomeadamente, para salvaguarda do dever de sigilo profissional.
CONCLUSÕES:
- O Estatuto da Ordem dos Advogados, em
matéria de conflito de interesses, não contém uma proibição geral de
patrocínio contra quem foi anteriormente seu cliente, mas apenas uma
proibição de patrocínio (1) contra quem seja por si patrocinado noutra
causa pendente, (2) em causas em que já tenha intervindo ou que sejam
conexas com outras em que tenha representado a parte contrária, (3) em
causas que possam colocar em crise o sigilo profissional relativamente
aos assuntos de um anterior cliente, ou se do
conhecimento
destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo
cliente.
- O facto de um
advogado estar a actuar em juízo contra antigos sócios da sociedade sua
antiga cliente não configura, só por si, qualquer conflito de interesses
que o impeça de continuar o patrocínio assumido.
- Mas já
existirá uma situação de conflito de interesses se um advogado pretender actuar
em juízo contra antigos sócios da sociedade sua antiga cliente numa acção
que tenha como causa de pedir um contrato de cessão de participações
sociais sobre o qual tenha aconselhado os antigos sócios, ora Réus.
- Verificando-se
uma situação de conflito de interesses nos termos e para os efeitos do
disposto no artigo 94º do E.O.A., deverá o Senhor Advogado, que nessa
situação se encontre, cessar o mandato assumido, nomeadamente, para
salvaguarda do dever de sigilo profissional.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de Junho
de 2010.
A Assessora
Jurídica do C.D.L.
Sandra Barroso
Concordo e homologo o despacho anterior, nos
precisos termos e limites aí fundamentados,
Lisboa,
30 de Junho de 2010.
O Vice-Presidente do C.D.L.
(por delegação de poderes de 4 de Fevereiro de
2008)
Jaime
Medeiros
[1] Cfr. Processo de Consulta do C.D.L. n.º 6/02,
aprovado em 16.10.2002,
e no qual foi relator o Dr. João Espanha.
Sandra Barroso
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